“A imagem simbólica da Marina é maior do que ela como candidata”
Para o fundador da agência Data Popular, a candidata do PSB é favorecida pela campanha curta, mas se não oferecer propostas concretas o eleitor não fecha com ela
Renato Meirelles tornou-se uma referência para empresas e candidatos pelo vasto conhecimento que adquiriu com a sua agência Data Popular. Especializada em pesquisas com a população da baixa renda, ou seja, a maioria dos brasileiros, ele estava no lugar certo na hora certa, quando fundou sua empresa em 2001. A classe emergente, também chamada de classe C, viria a revolucionar o mercado de consumo no país, e agora, ganha mais voz nas eleições. “Sem dúvida é a classe C quem vai definir esta eleição”, diz ele, em referência ao grupo que representa 54% do eleitorado. “Ela está em busca de uma alternativa de mudança. Se essa alternativa vai ser a própria presidente Dilma, se vai ser o Aécio ou a Marina, os próximos dias vão dizer”, observa Meirelles.
A estreante candidata do PSB tem grande potencial para seduzir este grupo, reconhece Meirelles. “A imagem simbólica da Marina é maior do que ela como candidata”, diz ele. E a ambientalista é o elemento novo que casa com o desejo de mudança. Mas, isso não quer dizer que a eleição está ganha pela ‘terceira via’. O eleitor quer saber mesmo quais são as soluções que tanto ela, como os seus adversários, vão apresentar para melhorar os serviços públicos dos quais ele depende: de saúde, à educação, passando por transporte público. “Elas não querem saber se é A, B ou C. As pessoas querem alguém que dê o suporte e as ferramentas necessárias para que, por mérito próprio, ele melhore de vida”, afirma.
Pergunta. Com quem está o eleitor da base da pirâmide?
Resposta. A Dilma tem o eleitorado da classe D e E, não teria da classe A e B e decidiu priorizar a classe C. O Aécio é o contrário: ele tem o voto da classe A e B, não teria o da D e E e prioriza a classe C. A Marina não tem esse voto da classe C. Ela tem o voto da classe média revoltada, mais jovem e escolarizada, que estava votando nulo até então, tem o voto mais básico, evangélico, dos menos escolarizados, e não tem o voto da classe C. E talvez não precise. O que aconteceu agora: ela cresceu sem tirar o voto de ninguém, pegando do nulo e indeciso. Ela cresceu porque não estava havendo perspectiva política. Qual o componente novo? Era uma campanha sem emoção. Não havia candidatos que mobilizassem, pelos quais ninguém é apaixonado. E ela tem um componente de paixão. E o da militância virtual mais agressiva, dos marineiros que pensam: opa, agora voltamos a ter esperança. A questão é: como é uma eleição curta, de 45 dias, o tempo que o Aécio e a Dilma têm para desconstruir a imagem da Marina, é curto.
P. Mas o tempo curto de campanha não joga contra a Marina também?
R. O pouco tempo joga mais a favor dela que do Aécio ou da Dilma. A imagem simbólica, o mito da Marina é maior do que a Marina como candidata. Esse mito tem um misto de algo mais messiânico, e tem uma vontade efetivamente de terceira via. Ela não tem muito o que falarem mal. Então ela é o diferente. E é por isso que cresce. Isso é diferente de se você tem uma eleição que fale: "Ok, mas ela vai resolver o problema da educação? E a qualidade dos serviços públicos? Efetivamente vai melhorar? Qual é a proposta que ela tem para que a economia brasileira volte a crescer?". Essas perguntas vão ser feitas e ela vai ter que responder. Se ela conseguir, bem. E esse é o dilema, do que vai ser esse processo eleitoral. Vamos ver se o mito prevalece.
P. A classe C define esta eleição?
R. Tenho certeza que sim. É a eleição da classe C. Primeiro porque ela é é 54% do eleitorado, ou seja, ela por si só é maioria absoluta do eleitorado. Segundo porque temos consolidados os votos na classe D e E e na A e B.Temos uma maioria da classe C que é Dilma, obviamente. Se não a Dilma não ia ter a votação que tem. Mas não significa que ela esteja satisfeita com os rumos do país. Ela está em busca de uma alternativa de mudança. Se essa alternativa vai ser a própria presidente Dilma, se vai ser o Aécio ou a Marina, os próximos dias vão dizer. Sem medo de errar posso dizer que essa classe C quer melhora na qualidade dos serviços públicos. E está olhando pra frente e não para o passado, então é um voto muito em disputa ainda. Não dá pra dizer que alguém já ganhou a classe C.
P. As pessoas falam que, pese aos escândalos, o PT foi o único que olhou pelos pobres. E a Marina pode captar isso?
R. Tenho certeza que sim. A Marina tem uma história de vida muito próxima, como a do presidente Lula. Ela tem um discurso de mudança, mas foi da base do presidente Lula. Ela tem uma possibilidade efetiva de falar com o eleitorado mais pobre ou de ser crível o discurso de que ela não vai acabar com as conquistas sociais dadas. O desafio da candidatura da Marina é como ela vai mostrar consistência das suas soluções para o país e ao mesmo tempo manter uma imagem mais mítica. Que foi analfabeta até tarde da vida, que nasceu em uma região pobre, que superou todas as adversidades. Se não mostrar soluções, essa imagem também se esvai. Aliás, o crescimento da Marina sem tirar dos outros candidatos deixa claro que a eleição brasileira é uma eleição de candidatos e não de partidos políticos.
P. Você apontou que Eduardo Campos poderia se unir a Marina Silva antes que o acordo entre ambos saísse. Por que você apostou nisso?
R. Era uma análise meio óbvia que a gente tinha de que ela não conseguiria montar partido, fazer o partido político, registrar. Partindo dessa premissa, que possibilidades existiriam? Ela conseguiria ficar ausente do debate eleitoral? Não. Porque ela tem um grupo que a apoia e que, portanto, precisa de legenda ou entrar em alguma legenda. O Eduardo Campos acenava sempre, desde o primeiro momento, dizendo “é legítimo que ela dispute”, ele fazia essa imagem de juntar. Mas o Eduardo era tudo, menos besta. Obviamente que ele não iria abrir mão da legenda que era dele. Então a solução seria dar o papel de vice.
P. A Marina pode tomar os votos do pastor Everaldo?
R. Eu tenho certeza disso. Ele não tem nenhuma chance de crescer para 10% [como apostavam alguns analistas políticos]. Ela vai crescer também no eleitorado mais básico, evangélico, que ainda não tinha efetivamente entrado na campanha. Só se enxergava isso na candidatura do Everaldo. Agora eles vão entrar na campanha como uma alternativa definitiva de poder ter um evangélico na presidência da República.
P. Quais são os desafios da Marina?
R. Ela tem o desafio de uma agenda, ela tem o eleitorado de classe A e B, mais escolarizado, mais jovem, que tem uma cabeça mais liberal, com uma agenda conservadora do ponto de vista dos costumes. E isso é uma contradição efetiva. Jovens que defendem direito ao aborto e que estão de saco cheio da política, vão ter claramente uma candidata que é contrária à legalização do aborto. Existe uma contradição efetiva entre uma renovação da política e uma agenda mais conservadora do ponto de vista da moral e dos costumes.
P. Mas essa contradição só acontece com a candidatura da Marina ou com as demais também?
R. Esse eleitorado de bandeira mais forte é o mais próximo da Marina. Isso de alguma forma acontece com as bandeiras do PT versus um eleitorado de menor escolaridade, mais velho e de menor renda. Tanto que toda tentativa do PT é não entrar na agenda de costumes. Muitos atribuem a ter segundo turno na eleição passada pela Dilma não ter uma posição clara em relação ao aborto no momento e por ter tido toda uma onda de internet de que ela era favorável ao aborto. Essa agenda vai voltar para a campanha, e essa é uma primeira contradição que precisa ser resolvida.
P. Há outras contradições?
R. No momento em que a pauta eleitoral efetivamente trabalha a ideia de que as pessoas acham que o Brasil não está no rumo certo, esta se torna uma eleição de mudança. As três candidaturas têm ‘mudança’ no nome. É, ‘Coragem para mudar’, ‘Muda Brasil’ e ‘Muda Mais’. Até o candidato da situação quer mudança. Por outro lado, se você for mais a fundo no problema, as pessoas querem mudança porque a economia parou de crescer, porque a inflação está efetivamente chegando mais próximo do teto, está comendo uma fatia maior da renda familiar, porque a perspectiva de futuro não é tão promissora como era antes. Se a campanha tiver tempo, para ir mais a fundo nesses debates, a questão seria: mudar para o quê? Qual é o princípio da mudança?
P. Inflação, emprego, segurança e qualidade dos serviços públicos. São esses quatro pilares que realmente preocupam?
R. Sim, Mas efetivamente vai ter que ter proposta para isso. Por isso que eu digo que a eleição curta favorece a Marina. Porque ela não tem histórico de gestão dela, ela não foi governadora como foi o Eduardo. Qual é a chance dela? Fazer uma grande ‘Carta ao povo brasileiro’, como fez o ex-presidente Lula lá atrás [em 2002 para tranquilizar o mercado financeiro sobre a sua eleição]. Dizendo ‘fiquem tranquilos, nós iremos honrar os contratos, nós iremos garantir o desenvolvimento do país, minha equipe é essa’.
P. Você está em contato direto com a base da pirâmide, que é quem mais sente a inflação. Eles já fizeram a associação inflação-Dilma?
R. Já. E aliás, o crescimento do índice de aprovação do Datafolha sobre o Governo dela [na última pesquisa Datafolha] vem quando a inflação dos alimentos diminuiu. Era o que estava crescendo, que pega antes os mais pobres. As pessoas não estão nem aí para taxa Selic. Ela quer saber o seguinte: com 100 reais que eu gasto hoje no mercado, eu compro a mesma coisa que eu comprava seis meses atrás? Isso é o que pega na cabeça da classe C.
P. As pessoas acreditam que a economia com a Dilma parou mesmo?
R. Imagina o seguinte: o Brasil passou uma década com uma economia crescendo e com as pessoas conquistando coisas que não conquistavam antes. As pessoas estão assim: o Lula entrou, o país crescendo, a economia bombando, as pessoas achavam que a vida ia continuar melhorando na mesma velocidade que em 2010. Ela melhorou. mas numa velocidade muito menor. Só que a expectativa da pessoa ficou lá em cima.
P. Ela continuou melhorando com a Dilma?
R. Melhorou, efetivamente. Melhorou a renda média dos trabalhadores, o número de universitários cresceu. Objetivamente, melhorou. Só que imagina o seguinte: você está numa estrada a 120 por hora. Aí você vê aquela placa: Reduza a 70km/h. Aí você reduz. Qual é a sensação? Que você está parado. A sensação térmica é que o Brasil está parado.
P. Quais as questões fundamentais que os candidatos não podem sair?
R. Um controle rigoroso da inflação tem que ser política de Estado. Uma política de reajuste do salário mínimo. Salário mínimo é que distribui renda, é o que tira o dinheiro dos que têm mais dinheiro e dá a quem tem menos. A política de salário mínimo coloca muito mais dinheiro na economia que o Bolsa Família. Ou seja, é muito mais importante para distribuição de renda que o Bolsa Família. Para efetivamente conseguir controlar a inflação e conseguir dar aumento real do salário mínimo, o desafio é a produtividade. Ou eu aumento a produtividade, ou eu só vou ter como política de controle da inflação aumento de juros.
P. Dilma está na liderança. O voto para ela é por gratidão?
R. Tem uma questão de voto de gratidão ao legado do presidente Lula. Forte. Mas o jovem eleitor diz: ah, legal, você melhorou a vida do meu pai, mas o que você propõe pra mim? Por isso que sem medo de errar o jovem é o eleitor chave. Mais do que a classe C é o jovem.
P. E qual é o papel dele nesta eleição?
R. Este jovem tem uma perspectiva de futuro diferente da do jovem do passado. Essa eleição não é uma eleição de futuro, é uma eleição de legado. O papel desses jovens é muito maior do que em outras eleições. É um jovem mais escolarizado do que o pai, ele é um jovem que contribui mais pra renda familiar da classe C que o jovem da classe A, ele é um jovem muito mais conectado que os pais, ele tem o dobro de conexão comparado à geração dos pais dele. Está muito mais interessado em saber o que vai ser daqui pra frente do que foi até aqui. Por isso a discussão não é de legado. Só um terço do eleitorado tem condições de comparar o Governo Fernando Henrique com o Governo Lula.
P. E o que ele quer?
R. É preciso pensar políticas públicas para esse jovem, ele não quer mais dentadura, ele quer Plano Nacional de Banda Larga. Ele não quer cesta básica, ele quer Prouni. Para esse eleitor, que é digital, enquanto a classe política é analógica, completamente desconectada, é um grande desafio de políticas públicas e de manutenção da democracia no Brasil. Durante séculos as políticas públicas eram formadas de cima para baixo, do Estado e da academia para os menos favorecidos. Temos uma classe C emergente que quer ser senhora de sua vida. E não que venha alguém que diga para ele o que ele precisa. Os políticos estão acostumados a serem ouvidos, não a ouvir. A oposição, até então, estava se posicionando como a outra face da mesma moeda. O problema está na moeda. "Eu quero tirar o PT do poder". Elas não querem saber se é A, B ou C. As pessoas querem alguém que dê o suporte e as ferramentas necessárias para que, por mérito próprio, ele melhore de vida.
P. Você acaba de lançar o livro “Um país chamado favela”. Como foi essa experiência?
R. O Celso Athaíde fez o livro junto comigo, foi criador da CUFA, que na minha opinião é a maior ONG de baixa renda da América Latina. Aí conseguimos apresentar para o Lula e para o Fernando Henrique Cardoso em uma semana. Na semana que o Eduardo morreu, a gente ia fazer o lançamento no Rio, ele havia marcado de ir na quinta-feira, 14 [Ele morreu um dia antes] A Dilma já havia agendado visita para a sexta-feira na CUFA (Central Única das Favelas), e o Aécio, para o sábado. Desculpa, nenhum livro faz o que a gente fez. Reunir dois ex-presidentes, reunir dois candidatos, mais a presidenta. Remarcamos o lançamento no CUFA para setembro. Tanto a Dilma quanto o Aécio confirmaram que vão. Qual é a ideia? Colocar a favela, que é o quinto maior colégio eleitoral do país, no centro do debate político.
P. A cultura da periferia, seja música ou literatura, está cada vez mais presente nos encontros da classe alta. Estamos aproximando esses dois Brasis?
R. Isso aparece no rap, no funk, na estética, no jeito de vestir, na roupa, isso é fundamental, é forte e é presente. Por outro lado, há uma mudança. Há sete anos, o aspiracional da periferia era ser como a classe A. Hoje o aspiracional da periferia é o vizinho que deu certo. Essa mudança faz com que ela consiga ocupar o espaço no centro que ela não conseguia ocupar antes. O aspiracional é o primeiro cara que entrou na universidade no meu bairro, o cara que lançou a música e está conseguindo ganhar dinheiro, é o cara que é pai de família que sustenta e cria os dois três filhos com convênio médico. O aspiracional está muito mais próximo. E isso faz com que efetivamente ela comece a ocupar espaços que antes ela não ocupava. É como se a velocidade da democratização do consumo ocorresse a uma velocidade maior do que a velocidade dos espaços de consumo. Então as pessoas passaram a ter grana para comprar no shopping antes de crescer shopping centers em número suficiente para agregar as pessoas. A mesma coisa com aeroporto. O que aconteceu? Parte da elite tradicional se sentiu completamente incomodada com isso. Metade da classe A acha que deveria ser obrigatório ter divisão entre produtos baratos para rico e para pobre.
P. É a tal demofobia?
R. Isso tem o preconceito. Isso está diminuindo a força porque 44% da classe A e B já é a primeira geração de pessoas com dinheiro da família. Ou seja, o pai e a mãe não eram da classe A e B, mas ele é. Então são pessoas que têm cabeça de classe A e um jeito de pensar e consumir de classe C. E isso começa a quebrar essas barreiras da classe A e B. Não venho falar aqui que juntamos os dois brasis. Estamos no caminho? Estamos. Nem que seja a fórceps, porque 44% da classe A e B têm dinheiro e trouxeram sua história e cultura.
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