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Os filhos da classe C mudarão a cara do Brasil

55% dos jovens brasileiros são filhos da internet, menos conservadores e menos religiosos que seus pais. Também representam uma força eleitoral decisiva

Manifestantes durante protesto em Brasília, em junho de 2013.
Manifestantes durante protesto em Brasília, em junho de 2013.Evaristo Sá (AFP)

A classe C é hoje protagonista na sociedade brasileira. São 40 milhões que, saídos da pobreza, constituíram um estrato que está influenciando na própria identidade do país. Os filhos dessas famílias constituídas pelos trabalhadores de mais baixo nível profissional, em sua maioria analfabetos ou quase, são uma novidade tão importante que, segundo Renato Meirelles, diretor do Instituto Data Popular, podem chegar a “mudar a cara do Brasil”.

Ao contrário de seus pais, que não estudaram, estes jovens já frequentam a escola e sabem mais do que eles. Querem, além disso, continuar sua formação para poder dar um salto social. Serão adultos muito diferentes de seus progenitores, segundo o perfil apresentado no estudo Geração C, feito pelo Data Popular, sobre esses 23 milhões de jovens entre 18 e 30 anos, que recebem salários de até 1.020 reais por mês, e representam 55% dos brasileiros dessa idade.

Esses jovens são os novos formadores de opinião dentro de suas famílias: estão muito mais informados do que seus pais, são menos conservadores do que eles (sobretudo em questões sexuais e religiosas) e começam a ter uma grande força eleitoral.

De fato, são os setores políticos e religiosos os que estão mais preocupados e interessados em saber por onde se movem esses milhões de jovens que dentro de uns anos serão fundamentais para determinar os rumos do país.

Uma pequena mostra da inquietude desses jovens -- que contrasta com certa resignação atávica de seus pais, que se entregavam passivamente às mãos do Estado benfeitor – foi sua atitude nos protestos de junho passado. Muitos desses jovens que cunharam slogans criativos e subversivos provinham da periferia das grandes cidades e são filhos dessa classe C que já exigem mais do que os pais. São também os filhos da internet, da comunicação global e têm ideias próprias sobre a política e a sociedade.

Em alguns casos são eles que estão ajudando seus pais (sobretudo as mães, com pouco ou nenhum estudo) a usar o computador para que possam ter uma conta no Facebook ou enviar e-mails aos amigos.

Um fenômeno novo é que os pais desses jovens, com um salário melhor do que tinham quando viviam na pobreza, estão muitas vezes se sacrificando para que a filha, por exemplo, faça um curso de alguma coisa e “não tenha que limpar casas a vida toda”, ou para que o filho não precise ser “peão de obra” como seu pai, e sim técnico de internet e, se possível, médico ou advogado. De fato, muitos dos filhos já estão ganhando mais do que seus pais como empregados no mundo do comércio, na administração de empresas ou empreendendo seu pequeno negócio, como um salão de cabeleireiro ou uma pequena loja.

Esses jovens logo serão maioria no Brasil, e a eles terão de prestar contas o mundo político, o econômico e até o religioso. Segundo muitos estudos em andamento, esses jovens já pensam de forma diferente dos seus pais, são mais críticos com o poder e mais exigentes com as ações do governo. No campo religioso, eles também representam uma grande interrogação que começa a preocupar as diferentes religiões, sobretudo a Igreja Católica e as evangélicas. Segundo André Singer, um dos analistas mais agudos da sociedade brasileira, os pais dessa classe C pertenciam em 90% às igrejas evangélicas nas quais hoje se encontra fundamentalmente o universo mais pobre do país, enquanto a Igreja Católica tem maior influência entre as classes mais cultas e com renda maior.

No que crerão esses jovens? Essa é uma das incógnitas, objeto de estudo e preocupação do mundo religioso. Houve 35.000 respostas diferentes à pergunta feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE).

O que começa a parecer, de momento, é que muitos deles já estão desertando das igrejas evangélicas, cujos ensinamentos consideram conservadores demais. Em alguns casos, convenceram também os pais a deixar de frequentarem ditos templos.

Os católicos se beneficiarão desse distanciamento? Parece que não, já que os católicos, que constituíam 90% da população, estão perdendo fiéis a cada ano. Até ontem, para os evangélicos. A partir de agora, é difícil de profetizar.

As primeiras sondagens apontam que esses rapazes se inclinam mais em direção a uma “religiosidade sem Igreja”; a uma “secularização latente” que se afasta cada vez mais das igrejas tradicionais, tanto a católica como a evangélica. Continuam acreditando em Deus, como seus pais, mas rejeitam com mais facilidade as instituições religiosas oficiais.

Esses jovens são pós-industriais, pós-guerra fria; filhos dos movimentos ambientalistas, da cultura líquida e do processo imparável de secularização. São os que forjarão a identidade do Brasil no futuro imediato. Ou melhor, já estão forjando, embora, para muitos, isso ainda passe despercebido. E começam a ser maioria.

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