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A morte de um incansável empreendedor, apaixonado pelo Brasil

Antônio Ermírio de Moraes, fundador do Grupo Votorantim, morreu aos 86 anos,depois de dedicar sua vida ao progresso do país

Carla Jiménez
Antônio Ermírio de Moraes, que morreu aos 86 anos.
Antônio Ermírio de Moraes, que morreu aos 86 anos.Moacyr Lopes Júnior/Folhapress

A vida teve um quê de ironia na trajetória de Antonio Ermírio de Moraes, que morreu na noite deste domingo, aos 86 anos. O inquieto workaholic que construiu o império da Votorantim, com suas 96 unidades, estava há quatro anos com Alzheimer, que foi lhe roubando a lucidez, sua principal marca como empresário e cidadão. “Ele se tornou um pregador”, escreveu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no prefácio do livro Antônio Ermírio de Moraes Memórias de um diário confidencial, escrito pelo sociólogo e amigo pessoal da família Moraes, José Pastore.

Por muito tempo a classe empresarial no Brasil apoiava que o país tivesse a economia fechada, como nos tempos da ditadura, e esperava do Governo medidas para ajudá-la a atuar. Moraes, um corintiano roxo, nascido em São Paulo, filho do ex-senador José Ermírio de Moraes, era o oposto. Formado na Escola de Minas do Colorado, para onde seguiu aos 16 anos, em meados de 1945, Antônio Ermírio tinha uma visão progressista do mundo, e aproveitava para investir mais quando o Brasil estava em dificuldades, ao contrário dos seus pares. “É na hora da crise que temos de confiar no país”, alertava. “Quem pensa a médio prazo não tem razão para reduzir os investimentos. Quem pensa a longo prazo tem toda a razão para dobrá-los”, repetia.

Talvez por isso, suas empresas, que no ano passado faturaram 26,6 bilhões de reais, 14% a mais do que no ano anterior, sempre se destacaram no cenário nacional. Com atuação na área de cimento, metais, siderurgia e papel e celulose, Moraes é descrito como um verdadeiro cientista. Era obcecado por inovação num tempo em que o Brasil ainda estava sem rumo na economia.

Indignado diante dos problemas que abatiam o país e atrapalhavam o seu desenvolvimento, foi voz ativa pela volta da democracia durante o Governo militar, negando qualquer proximidade que demonstrasse apoio ao regime de exceção. Foi contra o projeto de construir uma usina nuclear nos anos 70, que traria mais endividamento ao Brasil, num momento em que a dívida externa era um problema sério. Nos anos anos 2000, alertava incansavelmente sobre o risco que o país corria de ter um apagão de energia por falta de planejamento do setor. Suas palavras se mostraram acertadas quando em 2001 o Brasil ficou no escuro pelo descasamento entre oferta e demanda de eletricidade, e precisou adotar uma política de racionamento.

Foi crítico do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no início do seu governo, mas no final reconhecia que ele estava fazendo uma boa gestão. Irônico e engajado, com uma “volúpia para que o Brasil desse certo”, como o descreve José Pastore, Moraes era habilidoso com as palavras para descrever suas posições, retratadas em colunas semanais no jornal Folha de S. Paulo, até 2008. “Se eu não acreditasse no Brasil, seria banqueiro”, dizia, crítico do ganho fácil da ciranda financeira nos tempos de inflação. “Os banqueiros são agiotas que emprestam a juros altos, exigem garantias sólidas e nada criam”, cutucava o empresário. “Quem não confia no Brasil deve ir para o exterior com passagem só de ida”, afirmava ele, famoso por sua pouca vontade de viajar para fora, e pelas suas extensas jornadas de trabalho.

Seu lado workaholic ilustrava algumas histórias suas, como a da lua de mel, com a sua mulher, Regina, pela Europa. Pediu a ela para acompanhá-lo para conhecer algumas fábricas de alumínio no velho continente, pedido atendido pela parceira de seis décadas, com quem teve nove filhos.

Inquieto, tentou se eleger governador de São Paulo em 1986 pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), mas perdeu para Orestes Quércia (PMDB). Moraes ainda tentou levar um pouco da sua temática sobre o país para o teatro, seu hobby, escrevendo e produzindo três peças: Brasil S.A., SOS Brasil e Acorda Brasil.

Em nota, o Grupo Votorantim destaca que “o dr. Antônio colaborou para o desenvolvimento socioeconômico e empresarial do Brasil. Por isso, seu legado ultrapassa os limites da Votorantim e apresenta-se como contribuição à sociedade brasileira”. Seu corpo está sendo velado na Beneficência Portuguesa, um hospital que ele ajudou a construir, e será enterrado no cemitério do Morumbi na tarde desta segunda-feira.

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