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BARACK OBAMA | PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS

“Não vamos permitir que grupos jihadistas criem um califado”

O presidente norte-americano acredita que é preciso agir “diante de uma ameaça de genocídio”

Obama, durante a entrevista na Casa Branca, na sexta-feira.
Obama, durante a entrevista na Casa Branca, na sexta-feira.DOUG MILLS (NYT)

Não resta dúvida de que o presidente Obama ganhou muitos cabelos brancos, e certamente metade deles apareceu enquanto tentava conduzir a política externa em um mundo cada vez mais conturbado (a outra metade é culpa do Tea Party). No entanto, depois de passar uma hora com ele examinando o horizonte na Sala dos Mapas da Casa Branca na sexta-feira, ficou claro para mim que o presidente tem uma visão concreta do mundo, nascida de todas as lições que aprendeu nos últimos seis anos, e oferece respostas enérgicas a todos aqueles que criticam sua atuação internacional.

Obama diz que só irá intensificar a participação dos EUA em lugares como o Oriente Médio enquanto as comunidades locais aceitarem uma política integradora, em que não há vencedores nem vencidos. Os EUA não serão a Força Aérea dos xiitas no Iraque nem de qualquer outra facção. Apesar das sanções ocidentais, adverte, o presidente Vladimir Putin “poderia invadir” a Ucrânia a qualquer momento, e, nesse caso, “seria muito mais difícil tentar recuperar uma relação de cooperação com a Rússia durante o resto do meu mandato”. A intervenção na Líbia para impedir um massacre foi acertada, afirma Obama, mas o fato de não enviar, logo em seguida, a força terrestre necessária para monitorar a transição da Líbia para uma situação política mais democrática é, muito provavelmente, o aspecto de sua política externa do qual mais se arrepende.

Em última análise, reflete o presidente, a maior ameaça para os Estados Unidos —a única força verdadeiramente capaz de nos debilitar— somos nós mesmos. Temos muitas vantagens como país, como os novos recursos energéticos, a inovação e uma economia que está voltando a crescer, diz ele, mas nunca desenvolveremos o nosso potencial enquanto os nossos dois partidos não adotarem a mesma atitude que estamos pedindo a xiitas, sunitas, curdos, israelenses e palestinos: nem vencedores, nem vencidos, e o propósito de trabalharmos todos juntos.

“Os EUA não serão a força aérea dos xiitas iraquianos nem de outra facção”

“Nossa política é disfuncional”, diz Obama, e devemos estar atentos às terríveis divisões no Oriente Médio como “uma advertência: as sociedades não funcionam se as diferentes facções políticas adotam posições radicais. E, quanto mais diverso é um país, menos ele pode se permitir o luxo desses radicalismos”.

Apesar de culpar a ascensão da extrema direita republicana pelo desaparecimento de tantos acordos, Obama também reconhece que a manipulação, a balcanização da mídia e o uso descontrolado do dinheiro na política —as entranhas do nosso sistema político atual— estão acabando, mais do que qualquer inimigo estrangeiro, com a nossa capacidade de enfrentar unidos os grandes desafios. “Cada vez mais, os políticos são recompensados por adotar as posições mais extremas e radicais”, diz ele, “e mais cedo ou mais tarde vamos pagar por isso”.

A minha primeira pergunta ao presidente é se ele sente que está assistindo à “desintegração” posterior à Segunda Guerra Mundial.

"Para começar, eu acho que não se pode generalizar, porque há uma série de lugares no mundo onde acontecem boas notícias.” Veja a Ásia, diz, em países como a Indonésia, e também em muitos países latino-americanos, como o Chile. “Mas estou convencido”, acrescenta ele, “de que o que estamos vendo no Oriente Médio e em partes do norte da África é o colapso de uma ordem que remonta à Primeira Guerra Mundial”.

Mas não seria melhor se tivéssemos armado os rebeldes laicos sírios desde o início, ou que as tropas norte-americanas tivessem permanecido no Iraque? A verdade, diz o presidente, é que nunca teria sido necessário manter uma presença militar no Iraque se a maioria xiita não tivesse “desperdiçado a oportunidade” de dividir o poder com os sunitas e os curdos. “Se a maioria xiita tivesse aproveitado a oportunidade para estender a mão a sunitas e curdos, e aprovado leis como a desbaathificação”, não seria necessária nenhuma tropa estrangeira. Com essa atitude, afirma, nossas tropas acabariam sendo envolvidas em algum momento.

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“Com relação à Síria”, diz o presidente, a ideia de armar os rebeldes poderia ter mudado as coisas: “Sempre foi uma ilusão. Essa ideia de que poderíamos ter fornecido armas leves ou mesmo mais sofisticadas a uma oposição composta principalmente por antigos médicos, camponeses, farmacêuticos e pessoas assim, e que então seriam capazes de lutar contra um Estado que além de muito bem armado, também é apoiado por Rússia, Irã e Hezbollah, sempre foi uma fantasia”.

Ainda hoje, diz o presidente, o Governo tem dificuldade de encontrar, treinar e armar um número suficiente de líderes para os rebeldes laicos sírios: “Não têm tanta capacidade como gostaríamos de acreditar”.

“Nunca devemos esquecer a situação global”, acrescenta, “de que há sunitas descontentes, uma minoria no caso do Iraque, uma maioria no caso da Síria, que se estende de Bagdá a Damasco... Se não oferecermos uma fórmula que responda às aspirações dessa população, os problemas serão inevitáveis. Infelizmente, ainda há o EI [o Estado islâmico], que, na minha opinião, é pouco atraente para os sunitas comuns”. Mas “preenchem um vazio, e precisamos pensar em como combatê-los no terreno militar, como nos dirigirmos a uma maioria sunita nessa área que, hoje, está excluída da economia global”.

O Irã está colaborando? “Acho que o que os iranianos fizeram”, diz o presidente, "é finalmente perceber que, se os xiitas no Iraque mantiverem uma posição radical, vão fracassar no longo prazo. E essa é uma lição aplicável a todos os países: se alguém quer cem por cento, e se agarra à ideia de que o vencedor leva tudo, esse Governo acaba caindo mais cedo ou mais tarde”.

Depois de derrubar Gaddafi, deveríamos ter reconstruído a sociedade líbia

Os únicos Estados que vão bem, como a Tunísia, tiveram sucesso porque suas facções adotaram o princípio de que não há vencedores ou perdedores. Graças a isso, não precisaram de ajuda externa.

“Não podemos fazer por eles nada que não estiverem dispostos a fazer por si mesmos”, diz o presidente sobre as facções no Iraque. “Nosso Exército é tão poderoso que, se nos dispuséssemos a isso, certamente poderíamos manter o problema controlado por algum tempo. Mas, para que uma sociedade funcione, é a própria população que deve tomar uma série de decisões sobre como vão conviver, como vão levar em conta os interesses de todos, como vão ceder. Em questões como a corrupção, os cidadãos e seus líderes devem assumir a responsabilidade de mudar essa cultura ... Podemos ajudá-los e colaborar com eles em todos os momentos. Mas não podemos fazer tudo.”

Então pergunto: Por que sua decisão de usar a força militar para proteger os refugiados do EI e o Curdistão, que é uma ilha de dignidade dentro do Iraque?

"Quando existe uma situação tão extraordinária, com a ameaça de genocídio, e o país quer que estejamos lá, e há um forte consenso internacional de que é necessário proteger aquelas pessoas, e temos a capacidade de fazê-lo, então nossa obrigação é agir”, diz Obama. No entanto, depois de ver essa ilhota de dignidade que os curdos construíram, acrescenta, também devemos nos perguntar não só “como vamos fazer o EI recuar, mas também como protegeremos esse espaço que contém as melhores intenções dentro do Iraque; é algo em que sempre constantemente”.

"Creio que os curdos aproveitaram o tempo concedido a eles pelos sacrifícios de nossas tropas no Iraque. Fizeram bom uso desse tempo e hoje a região curda é funcional, como parece que deve ser. Têm uma tolerância para com outras seitas e religiões que gostaríamos de ver em outros lugares. Por isso, nos parece importante garantir a proteção desse espaço, mas, de modo mais geral, o que eu disse é que não quero ser a Força Aérea iraquiana. Eu não quero ser a Força Aérea curda, enquanto não houver um compromisso, da população local, para organizar-se e fazer tudo o que for necessário para começar a se defender do EI.”

O motivo, acrescenta o presidente, “por qual não começamos a lançar ataques aéreos em todo Iraque quando o Estado Islâmico apareceu foi que dessa forma a pressão sobre [o primeiro-ministro] Malik teria sido aliviada”. Isso teria forçado Maliki e outros xiitas a pensar: “Não precisamos chegar a acordos. Não precisamos tomar decisões. Não precisamos viver o difícil processo de descobrir no que erramos. Basta deixarmos que os americanos voltem a salvar nossa pele. E depois podemos continuar como sempre”.

Obama diz que está dizendo a todas as facções do Iraque o seguinte: “Seremos seus sócios, mas não vamos fazer o seu trabalho. Não voltaremos a enviar tropas terrestres para controlar a situação. Vocês têm de demonstrar para nós que estão dispostos e preparados para tentar manter um Governo unido e baseado em compromissos. Que estão dispostos a continuar construindo uma força de segurança eficiente e não sectária, que responda a um Governo civil... Para nós, até interessa retroceder o EI.

Não vamos nos permitir que criem um califado que abranja Síria e Iraque, mas só poderemos fazê-lo se soubermos que no território há gente capaz de encher esse espaço. De modo que, se estendermos a mão às tribos sunitas, se vamos a estender a mão aos governantes e chefes locais, é necessário que eles sintam que estão lutando por algo”. Caso contrário, diz Obama, “podemos rechaçar o Estado Islâmico durante um tempo mas, quando nossos aviões desaparecerem, eles voltarão”.

Pergunto ao presidente se ele está preocupado com Israel.

“É assombroso até onde Israel chegou nas últimas décadas”, responde. “Ter tirado da rocha bruta um país tão incrivelmente vibrante, próspero, rico e poderoso demonstra o gênio, a energia e a visão do povo judaico. Devido à capacidade militar de Israel, não me preocupo com sua sobrevivência... Em minha opinião, a verdadeira pergunta é como Israel vai sobreviver. E como pode ser criado um Estado de Israel que mantenha suas tradições democráticas e cívicas. Como pode ser preservado um Estado judaico que reflita os melhores valores de quem fundou Israel. Para isso, sempre pensei que deve ser encontrada a maneira de conviver em paz com os palestinos. Deve-se reconhecer que têm reivindicações legítimas e que essa também é sua terra e sua região.”

Ao perguntar-lhe se deveria exercer pressões mais enérgicas sobre o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e o presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas —também chamado de Abu Mazen—, para que cheguem a um acordo de terras de paz, o presidente responde que são eles que devem dar o primeiro passo. Netanyahu tem “índices de aprovação nas pesquisas muito maiores do que os meus, que melhoraram muito depois da guerra em Gaza”. “Por isso, se não houver pressões internas, é difícil que se construa uma série de acordos muito delicados, por exemplo a propósito do movimento dos colonos. É muito complicado. Quanto a Abu Mazen, o problema é ligeiramente diferente. Bibi é forte demais em certos aspectos e Abu Mazen demasiado fraco em outros para que possam se unir e tomar decisões tão ousadas quanto as que Sadat, Begin ou Rabin se atreveram a tomar. Para olhar além do futuro imediato serão necessários líderes autênticos, tanto palestinos como israelenses. E o mais difícil para um político é abordar os problemas com o olhar de longo prazo”.

É claro, muitas opiniões do presidente sobre o Iraque são consequência do caos iniciado na Líbia a partir da decisão da OTAN de derrotar o coronel Muamar Gaddafi sem oferecer depois ajuda internacional suficiente para ajudar os líbios a construir novas instituições. Tanto na hora de voltar ao Iraque como de entrar na Síria, o que mais importa a Obama é: Tenho sócios —locais ou internacionais— necessários para que qualquer melhora que implantemos continue se sustentando depois?

“Esse é um exemplo de lição que tive de aprender e que ainda hoje tem ramificações”, diz Obama. “Refiro-me a nossa participação na coalizão que derrotou Gaddafi na Líbia. Estou totalmente convencido de que fizemos o que havia para ser feito. Se não tivéssemos intervindo, é muito provável que a Líbia estivesse como a Síria. E haveria mais morte, mais caos, mais destruição. Mas também é verdade que nós e nossos sócios europeus subestimamos a necessidade de empregar todas as nossas forças para uma operação assim. No dia seguinte depois de derrotar Gaddafi, quando todo o mundo estava satisfeito e todos levantavam cartazes dizendo “Obrigado, América”, nesse momento, deveríamos ter feito um esforço muito mais agressivo para reconstruir essas sociedades que careciam de tradições cívicas. Essa é uma lição que agora levo em conta toda vez que me pergunto: Deveríamos intervir militarmente? Temos resposta para o dia seguinte?”

© The New York Times.

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