A polícia quer reescrever a sua história
Documentário, revista e política são alguns artifícios para melhorar a imagem da instituição

Em um país onde cinco pessoas são mortas por dia por policiais, é cada vez mais evidente a luta que as instituições fazem para reescrever suas histórias tentando se aproximar mais da população. Para isso, agem em várias frentes, ainda que indiretamente. Uma delas é por meio de filmes que vangloriam a atuação de um batalhão reconhecidamente violento. A outra é lançando, cada ano mais, um número maior de candidatos a deputados federais e estaduais pelo Brasil.
No mês passado, a produtora HDV Studio lançou o documentário A verdadeira história da Rota, no qual conta a história desse grupamento da PM paulista, por meio de depoimentos de policiais e admiradores. “Sabemos que a Rota sempre foi polêmica. Até tivemos dificuldade em obter patrocínios por conta disso. Mas decidimos investir no projeto e dar a versão dos policiais sobre a própria Rota, até porque, o lado dos bandidos todo mundo já ouviu”, diz o cineasta Elias Júnior, diretor do primeiro documentário de uma trilogia que será toda lançada até o próximo ano. Os outros filmes tratarão do julgamento do massacre do Carandiru e dos dias atuais do batalhão mais temido pelos criminosos. “Não é um filme institucional”, sentencia o cineasta.
Antes destes filmes de Elias, já havia outras iniciativas como o um longa-metragem lançado por ele em 2009 (Rota Comando) e o programa Polícia 24h, transmitido pela Band. Em ambos os casos, a maior parte das imagens são captadas por equipes que acompanham os policiais em ocorrências principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, o que não é uma prática comum para quem não é policial. Todas essa obras contrastam com o livro Rota 66 - A história da polícia que mata, de autoria do jornalista Caco Barcellos, lançado no início da década de 1990, em São Paulo.
Na capital paulista, aliás, um ex-comandante da Rota lançou recentemente uma revista em quadrinhos em que ele é um herói. Esse ex-comandante, o coronel Paulo Lucinda Telhada é vereador e candidato a deputado estadual pelo PSDB. Ele já afirmou que pagou os custos da publicação e que sua ideia não era se valorizar. “O que está na revista é o que todos os policiais fazem diariamente para defender a sociedade, não sou melhor que nenhum deles”, afirmou em entrevista à Folha de S. Paulo.

“A figura do policial herói, valente, resolutivo, vai de encontro ao que boa parte da população espera e o Telhada tem um feeling marqueteiro. Ele soube aproveitar da história da polícia em benefício próprio”, diz o coronel José Vicente da Silva, ex-secretário Nacional de Segurança Pública e professor em cursos de formação da Polícia Militar paulista. Procurado nesta segunda-feira, Telhada não quis conceder entrevista.
Urnas
No âmbito político, além do vereador, outros 26 policiais concorrerão a cargos políticos em São Paulo, entre eles, ex-comandantes da corporação. No Brasil, o número passa de 350 entre policiais militares, civis e federais. E por que tantos policiais buscam a carreira política?
Para Silva há duas razões. A corporativa: “Os policiais são a categoria mais corporativa que existe e talvez queiram fazer o bem por meio de um cargo eletivo ou para defender sua própria categoria”. E a institucional: “Há muitas entidades que representam os policiais e, quando o policial entra em uma delas, acaba picado pela mosca azul e busca mais poder. Por isso, debandam para a política”.
E a busca pelo voto dos eleitores costuma gerar resultados. Na maioria dos Estados há algum deputado estadual ou federal que um dia já foi policial. Alguns até repetem o velho chavão que arrepia os militantes de direitos humanos, de que bandido bom é bandido morto. “Extraoficialmente parte da população até repete esse discurso. E isso é algo que precisa mudar”, avalia o coronel Silva.