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A grande família do urso garanhão

'Pyros' salvou a população dos Pirineus, mas criou um problema de consanguinidade

Jacinto Antón
O urso 'Pyros' (esquerda) e a ursa 'Hvala'.
O urso 'Pyros' (esquerda) e a ursa 'Hvala'.Conselh Generau d'Aran

É difícil não se sentir inseguro rastreando o famoso urso garanhão dos Pirineus, cordilheira localizada entre a França e a Espanha. O animal, muito dominante, tem uma intensa vida sexual - que abrange, sem exceção, todas as fêmeas - e criou um problema inesperado, os riscos da consanguinidade, no agitado processo de reintrodução do urso à área. O animal copula com suas filhas e netas. E, apesar de já ser velho, nada o impede de continuar.

O dia está cinza, às vezes chove; a densa floresta de bétulas e pinheiros negros pelo qual nos movemos está alagada e parece que a qualquer momento o excitado e enorme quadrúpede de 250 quilos, Pyros - uma verdadeira aberração sexual ursina -, vai aparecer por trás; mais ainda porque visitamos conscientemente os seus lugares preferidos. Percorremos um longo e barulhento caminho em uma Land Rover e agora caminhamos pela montanha densa, próspera em tetrazes, atentos a qualquer indício, e lembrando o refrão "Acorde, Fumaça, lá vem o urso" - que certamente de nada serviu ao rei godo.

Os biólogos esperavam que se perdesse a capacidade reproductora com os anos mas segue ativo pese a sua idade
Fuente: Fundación Oso Pardo, Ministerio de Medio Ambiente, Fapas e elaboração própria.
Fuente: Fundación Oso Pardo, Ministerio de Medio Ambiente, Fapas e elaboração própria.Heber Longás / EL PAÍS

Os dois técnicos do Projeto Urso, Toni Batet e Xavi Garreta, realizam o trabalho corriqueiro de coletar amostras e registrar imagens com câmeras automáticas - que se ativam ao detectar movimentos - instaladas nas árvores. A natureza parece estar na expectativa. Um pica-pau batuca ao longe; um gaio-comum assustado faz um barulho alto. Descemos com ousadia, escorregando, por uma ladeira perto de onde aparece o furioso fluxo do rio. Xavi examina uma das iscas, a carcaça de um veado - os ursos se alimentam bastante de carne morta - colocada debaixo de enormes pedras e de um tronco. Não parece grande coisa. O investigador abre a caixa de uma câmera camuflada junto à carcaça, tira o cartão de memória o conecta a um visor portátil. Seguem as fotos, diurnas e noturnas. Aparece uma raposa, que circunda a carcaça, frustrada. Logo depois, um javali. E, finalmente, uma enorme massa escura aparece na tela. É o urso! Apenas ele é capaz de remover as pedras e o tronco. Olha para a câmera com uma expressão de mau humor. "Pyros", afirma Toni. Certamente, não é o Zé Colmeia. Meu Deus, como é grande! Ao observá-lo aqui, no coração do seu reino, no mesmo lugar que frequente e abriga sua miséria (e os seus acasalamentos), é impossível não engolir a saliva e soltar olhares nervosos por cima dos ombros. Que ele não pense que viemos pegar sua comida. É perigoso? "É um carnívoro grande, dois metros de altura, pode matá-lo apenas com as garras, mas os ursos não são de atacar, a não ser que identifiquem uma ameaça a eles ou aos seus filhotes, e quando atacam, geralmente avisam antes". É reconfortante saber que são míopes.

Pyros (a palavra grega para fogo) é um urso pardo esloveno capturado e libertado nos Pirineus em 1997. Desde então, desfila todo o seu tamanho mostrando uma tendência notável a monopolizar as fêmeas. Os biólogos esperavam que a excitação e a capacidade de copular passariam, mas, apesar de ter alcançado a maturidade - para um urso - idade de 27 anos (29 é o máximo registrado), Pyros continua na ativa. "Pensávamos que se esvaziaria, mas não aconteceu ainda", aponta, com um toque de admiração, Toni. Libidinoso? "É verdade que é um grande copulador", suspira Toni. "É um pouco viciado, sim", acrescenta Xavi. A discussão continua enquanto procuramos excrementos. Os do urso são muito variados, dependem da alimentação, e fedem, a menos que tenha comido carne. "Veja, não é que faça tanto sexo, mas o faz com muita intensidade, apenas por dois meses ao ano, no entanto". Olhamos um para o outro em silêncio.

Os planos para evitar a ameaça à biodiversidade dos ursos, que Pyros supostamente representa, é introduzir um outro urso, "o maior possível". Castrá-lo está fora de questão, "porque precisaria de quatro dias, é difícil e perigoso capturá-lo" - ainda mais, é de se pensar, se o urso perceber o objetivo - "e é muito caro, custa uns 36.000 reais". Anoto mentalmente quanto custa capturar um urso.

Curiosamente, a alarmante sexualidade de Pyros se relaciona com o velho mito do urso libertino, uma constante no imaginário coletivo. O prestigiado especialista em Idade Média e na história simbólica das sociedades europeias Michel Pastoreau, autor de O urso, história de um rei destronado (Paidós, 2008), explica como a pressão da Igreja para acabar com o paganismo encurralou e difamou o urso - animal venerado em vários lugares do continente - atribuindo ao animal significados negativos, vícios como a preguiça, a gula, a raiva ou o desejo (ursus est diabolus).

Na verdade, a ideia de o urso como um animal de forte sexualidade vem de longa data e pode ser atribuído à semelhança entre o quadrúpede capaz de ficar de pé e o homem. A zoologia moderna demorou para desmentir que os ursos acasalam como os homens, cara a cara, e dedicaram a eles mais tempo que a outras espécies - na realidade, fazem isso também com os outros quadrúpedes -, o que já era mencionado por Plinio. No século III, Opiano, em seu tratado de caça dedicado ao imperador Caracalla, escreveu: "Os ursos estão obcecados pela paixão amorosa e se entregam a ela sem moderação". E em um bestiário medieval, sustenta: "Os ursos são de uma complexidade caliente".

Desta fama vem a crença, que alcançou a época moderna, de que os ursos machos são grandes fãs de mulheres jovens, capazes de raptá-las, levá-las às cavernas e manter repetidas relações carnais que às vezes resultam em criaturas mistas (há testemunhos de mulheres que dizem terem sido violentadas por um urso). Segundo certas fontes, o cheiro feminino deixava os ursos malucos. Significativamente, no século XIII, Guilherme de Auvergne, bispo de Paris, afirmou - com surpreendente seriedade - que no caso de uma mulher ser estuprada por um urso não representaria um ato contra a natureza, já que, argumentava, o urso é sexualmente parecido com o homem. Por outro lado, se um homem copula com uma ursa, trata-se claramente de um ato de bestialidade.

"Os ursos têm um comportamento sexual vistoso, sem sexos longos, violentos ou barulhentos como os felinos", explica Toni. Os técnicos não observam que a atividade de Pyros, que está ganhando cada vez mais fama, ressuscitou as velhas crenças sobre o apetite dos ursos.

Ao fim do dia, não vimos o urso - nem nenhuma de suas companheiras -, mas não foi por falta de tentativas. Passeamos por metade da montanha e até encontramos fios do seu pelo! Ele os perdeu ao se arranhar em galhos de árvores, com essência de bétula e terebintina que encanta os ursos. O bicho abraça o tronco - as marcas de suas unhas são visíveis - e esfrega a cabeça ou fica dando voltas que arranham suas costas. Evito me sujar com as substâncias que Xavi recolhe com um velho pote de maionese, imaginando com horror Pyros tentando se arranhar em mim.

Xavi recolhe em um plástico os pelos, muito suaves; sua análise apresentará, além da identidade do animal, dados sobre o seu estado. Em uma das câmeras, aparece algo que faz os técnicos pularem de entusiasmo: As imagens de uma ursa com dois filhotes, os primeiros da temporada. E certamente de Pyros.

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