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A liberdade mística de Ingrid Betancourt

A refém mais midiática das FARC completa seis anos de sua libertação. Agora vive em Oxford estudando Teologia e publicou seu primeiro romance. A ficção e o perdão são o seu bálsamo

Gabriela Cañas
Ingrid Betancourt.
Ingrid Betancourt.AFP

Na quarta-feira passada, Ingrid Betancourt completou seis anos de sua nova vida. Libertada, depois de 2.323 dias em cativeiro, junto a outros prisioneiros sequestrados pela guerrilha das FARC, em uma operação espetacular do Governo colombiano. Ela, que já foi candidata à presidência do país, parece agora uma mulher extraordinariamente livre.

Aos 53 anos, decidiu estudar Teologia em Oxford e escreveu um romance, La Línea Azul (A Linha Azul, Gallimard), por enquanto apenas disponível em francês, e em cuja promoção está dedicada nos últimos dias. Em entrevista por telefone ao EL PAÍS, disse estar curada depois de todo o ocorrido e, sobretudo, sente-se livre, porque seu conceito de liberdade é de uma profundidade mística.

No perdão também encontrou sua paz interior e um motivo de orgulho sobre seus compatriotas, que iniciaram, diz, um projeto coletivo de perdão que demonstra sua maturidade.

Paris agora é o ponto de referência de Ingrid Betancourt; quase sempre foi. Nesta cidade que é sua, vive sua mãe, sua filha e seus sobrinhos. É sua família, comenta, quem lhe ajudou a curar-se definitivamente das feridas do longo cativeiro (seis anos) e de todas as polêmicas que lhe perseguiram. Mas Oxford, no Reino Unido, transformou-se em seu refúgio, em um lugar onde, como disse a este jornal, “dedica-se a ler, a meditar e a escrever”.

O fato de que tenha se lançado à ficção é um dos sintomas de que Ingrid Betancourt, a mais midiática refém das FARC, embora contra sua vontade, esteja curada, ainda que tenha alguma cicatriz. Publicou um testemunho sobre seu sequestro. Mesmo o silêncio tem fim, mas já não quer continuar falando sobre sua experiência. “O romance me oferecia essa possibilidade e queria compartilhar a reflexão sobre o destino e sobre a liberdade, que não consiste em mudar o que acontece, mas em escolher a maneira de enfrentar, reagir, refletir, sobre o que não podemos mudar em nossas vidas”.

Em A Linha Azul, Betancourt desenvolve uma história de amor, a de Julia e Theo, penetra no horror da perseguição política da ditadura argentina e da tortura, e o faz com grande força narrativa, por meio de um certo realismo mágico. Julia pode ver o futuro. “É a influência latino-americana e a necessidade de acrescentar ao romance a dimensão do metafísico, do espiritual”, afirma.

Betancourt escreveu esta perturbadora história em francês, um idioma no qual sente-se protegida, frente ao espanhol, língua na qual afirma estar mais restringida. Mas Julia também é uma criatura de maio de 68, como ela mesma, quando era uma jovem burguesa idealista que queria mudar o mundo. Hoje acredita que continua sendo possível.

A ficção não é, em última análise, uma fuga. No momento, transformou-se em uma “experiência lúdica”, um prazer que lhe ensinou como entrar em sua própria dimensão e penetrar em territórios desconhecidos de si mesma.

Participou recentemente da política colombiana; sobretudo, depois do primeiro turno eleitoral. “Pensava que tinha que defender a mudança que significa a paz. A guerra não é a mudança. Nela vivemos há mais de sessenta anos”, afirma sem dissimular sua satisfação pela vitória recente de Juan Manuel Santos à presidência e, sobretudo, pela maturidade dos colombianos, que elegeram o caminho mais complexo, o da reconciliação e da negociação frente ao extermínio do inimigo. “Qualquer um poderia encontrar-se algum dia sentado em um ônibus junto ao seu algoz e os colombianos preferiram isso que somar mais crianças, mulheres e homens mortos”.

Mas o território que Ingrid Betancourt mais explora agora é o do pensamento. Durante seu cativeiro leu a Bíblia e de sua leitura, diz, surgiram muitas perguntas. Estudar esta ciência não passou por sua cabeça antes do sequestro. “Nem remotamente”, acrescenta. Agora, com sua temporada em Oxford e com a Teologia, sobre a qual quer fazer um doutorado, quer chegar a “uma reflexão racional sobre algo que é irracional. A relação com Deus através da fé”.

É provável que esta mulher de cabelos ainda de adolescente demore muitos anos para conseguir libertar-se da imagem pública que projeta. Filha de embaixador, com dupla nacionalidade colombiana e francesa, possui a Legião de Honra da República e o Prêmio Príncipe das Astúrias da Concórdia. Em plena promoção de seu romance, posou para a Paris Match em Oxford luzindo uma roupa simples em tons pastel a bordo de uma bonita bicicleta de passeio. É uma cidadã que parece não ter muitas dificuldades em pagar suas contas e essa faculdade lhe causou desgostos em seu próprio país, onde chegou a pedir uma milionária indenização por seu sequestro, à qual em seguida renunciou. Mantém, diz, uma relação “complexa” com a Colômbia. Ainda faltam dois anos de estudo, dois anos de imersão nas classes dos professores teólogos, através das quais tenta “entender a revelação”.

Por trás de sua imagem de mulher simples, mas elitista, cosmopolita e culta, existe um empenho titânico.

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