_
_
_
_
_

“A história está passando na nossa frente, mas não sabemos o que vem”

A torcedora que põe a mão no coração na hora do hino nacional, antes da partida Brasil e México, tenta preservar o amor pela seleção na Copa mais politizada da sua geração

Carla Jiménez
Torcedora assiste a partida Brasil e México, em São Paulo, na terça, 17
Torcedora assiste a partida Brasil e México, em São Paulo, na terça, 17Dario Lopez-Mills (AP)

Numa das mesas de um bar na Vila Madalena, em São Paulo, assistindo ao jogo entre o Brasil e o México na tarde de terça-feira, uma torcedora se destaca na hora do hino nacional, antes do início da partida. Roberta, gerente de marketing, pele clara e cabelos lisos, se levanta, leva espontaneamente a mão ao coração, enquanto mantém os olhos no telão, e canta, concentradamente, o hino brasileiro. Senta, bebe chope, se diverte, troca de maquiagem com a amiga no intervalo, e como todos os brasileiros, se frustra com o resultado zero a zero.

Roberta pagou 70 reais para poder assistir ao jogo nesse bairro de classe média alta, onde a juventude tem se encontrado desde o início da Copa. Ela se angustia com o zero a zero no final, e tenta seguir o fio da meada do Mundial. Da mesma forma que também tenta decifrar o momento sui generis do país. Por que colocou a mão no coração na hora do hino? “Porque esta Copa foi muito politizada e foi no sentido de dizer: somos nós”, tenta racionalizar Roberta ao final do jogo. Não está convencida da resposta, e volta para a jornalista minutos depois e diz: ”tenho a sensação de que estamos vivendo um momento histórico, a história está passando na nossa frente. Mas não sabemos o que vem.”

A jovem torcedora, assim como sua amiga advogada Rafaela, expressam um pouco do sentimento nacional. Elas, que protestaram nas ruas de São Paulo no ano passado, “se permitem” torcer para a seleção, pagar um pouco para sentar-se comodamente, rir com as amigas, mas não esquecem as causas pelas quais brigaram no ano passado. Saúde, educação, transporte padrão Fifa. E neste momento, afirmam: acho que o país está em busca de outra causa. “Estamos todos contra a Dilma, mas não sabemos a favor de quem”, repetem elas, que dividiam uma mesa com cerca de dez amigas solteiras.

Nenhuma salada ou Coca light na mesa. As moças, que eram maioria no bar, comiam frituras, caipirinhas e chopes, num momento de descontração, em que valia maquiagem no intervalo, e gritos de raiva quando Ochoa frustrava os lances dos atacantes brasileiros. “Que saco, essa seleção defende mas não finaliza as jogadas!”, reclamava uma torcedora, que queria ver um 3 a zero, conforme havia apostado no bolão da sua empresa.

Não se deve resistir ao futebol, e boicotar a festa que coalhou a dura e apressada São Paulo de turistas, que lhes trouxe uma matiz cosmopolita. Mas ao mesmo tempo em que não se pode politizar o evento, é impossível disfarçar que uma ferida está ali. A frustração com os altos gastos da Copa é um incômodo latente entre os brasileiros. E o empate com o México refrescou a memória da sua dor. “Se o Brasil perder vai ser pior”, dizem as jovens, cientes de que esta alegria de ver o jogo em conjunto, sentir-se pertencente a uma tribo comum, tem minorado esse choque de realidade, que foi a má gestão dos preparativos com a Copa.

Mas sempre foi assim, neste país, em obras de infraestruturas, e negócios ligados a qualquer governo, sempre pairaram desconfianças sobre sua real dimensão. Notícias sobre superfaturamento estão desde sempre no noticiário. Por que agora é diferente, então? “Porque a Copa materializou o que se falava sempre”, responde sem pensar Rafaela, a advogada, num raciocínio que fecha a conta para a juventude, sobre o Brasil atual. Os pés no chão de uma geração, que começou a debater política, entre eles, nas redes sociais, ou em mesas de bar, pois não se pode desprezar que a história viva está dentro da nossa porta.

Da imagem dos japoneses que recolheram o lixo na arquibancada de um estádio, à festa das torcidas estrangeiras, tudo tem feito o Brasil parar para pensar, e se emocionar. O país está à flor da pele, reconhecem as duas torcedoras, que se dão conta de que a Copa no Brasil será lembrada para o resto das suas vidas. Assim como as causas dos protestos de 2013. O Brasil, segue assim, vivendo fortes emoções, no campo e nas ruas.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_