Os sem-teto suspendem os protestos, mas garantem que as mobilizações continuam
O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, que conquistou o apoio do Governo brasileiro à causa das moradias populares, amplia as suas demandas e pode retornar às ruas
A moradia popular é a meta central do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, mas quem viu as bandeiras vermelhas do MTST somadas às da greve dos metroviários na semana passada, pode ter se confundido. Arroz de festa é apenas uma das críticas que o movimento tem enfrentado nos últimos meses. Esse é o apelido dado a quem não perde um evento festivo, mas neste caso, a referencia é à participação em protestos. “Temos uma postura de solidariedade com as outras lutas do país. Não é algo recente. Consideramos uma greve justa e legítima, por demandas razoáveis para os trabalhadores do metrô, que foram tratados de forma repressiva e inclusive com demissões”, explica Guilherme Boulos, um dos líderes do MTST, pelo telefone. O momento para ganhar ainda mais visibilidade não poderia ser mais oportuno: as três pautas centrais em nível nacional da organização foram atendidas pelo Governo federal.
A primeira delas era o comprometimento de que a última ocupação, a Copa do Povo, a dez minutos em transporte público do terminal de trem, ônibus e metrô Itaquera, onde está também o estádio construído para o Mundial, a Arena Corinthians, seja transformada em um lote popular de moradias. Para isso, o Plano Diretor da cidade de São Paulo, que está sendo definido na Câmara dos Vereadores de São Paulo, terá que alterar o tipo de zoneamento do terreno, de 150.000 metros quadrados, para que o empreendimento possa ser construído nesta área da zona leste da capital paulistana.
O MTST também conseguiu que Brasília se comprometesse a criar uma Comissão interministerial para prevenir os despejos forçados, que envolverá a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, o Ministério da Justiça e de Cidades para resolver os conflitos urbanos. As entidades que participam do programa, como o MTST, agora poderão construir até 4.000 unidades ao invés do limite anterior, que era de 1.000 prédios. Por último, algumas regras para participar do programa federal Minha Casa Minha Vida foram alteradas conforme solicitaram – como o salário-limite da primeira faixa do MCMV, que passará a abranger pessoas que ganhem até três salários mínimos (ou 2.172 reais) ao invés de até 1.600 reais por mês.
O MTST também conseguiu que Brasília se comprometesse a criar uma Comissão interministerial para prevenir os despejos forçados
Antônio é um baiano de 62 anos que está acampado na Copa do Povo desde a ocupação, que começou na madrugada do dia 3 de maio. O cozinheiro ganha 1.200 reais por mês. “600 reais vão para o aluguel aqui em Itaquera, com o transporte que gasto para vir até aqui e pagar as contas de casa, mal sobra para comer”, conta no ônibus, durante o curto trajeto até o terminal Itaquera. Esse é um dos objetivos do MTST que ainda não entrou na lista de demandas de forma contundente: fazer com que as demais construções realizadas pelo Governo federal sejam feitas na melhor localização possível, ou seja, próxima a serviços públicos de saúde, creches e escolas e, principalmente, que tenha facilidade de transporte. Outro ponto central, segundo Boulos, é resolver uma pendência antiga e burocraticamente mais demorada: a lei do inquilinato, para congelar o valor dos aluguéis e conter o que os acampados chamam de “especulação imobiliária e ampliação do centro”, algo intimamente relacionado com as constatações levantadas pelos manifestantes anti-Copa.
Pela falta de energia elétrica nos barracos improvisados de lona e paus de madeira, as poucas tomadas que há ficam ocupadas com as geladeiras das oito cozinhas do acampamento de 4.000 famílias. Beatriz, uma das coordenadoras do G2, como são denominados os grupos de barracos, de um a oito, entende que a participação do MTST em outras manifestações se deve a "uma necessidade geral de mudanças" e comenta que muitas famílias já desistiram de ocupar. "Tem que ter muita garra para ficar na lama e na lona", comenta, enquanto atualiza a lista de espera da Copa do Povo à mão. Pese às desistências, o acampamento conseguiu formar 20 times masculinos para participar do torneio que nesta semana substituiu o evento do futebol mundial televisionado. "Não estou de acordo com o que gastaram, mas tem que torcer um pouquinho, né?", se defende Antônio. Já Josué, um jovem de 23 anos que também coordena a ocupação, garante que se divertiu muito mais com a festa de que acontece na quinta-feira. "Fiquei dançando e cantando, nem lembrei do jogo", explica.
Tem que ter muita garra para ficar na lama e na lona", diz uma sem-teto acampada na Copa do Povo
Outro ponto, a da presença de imigrantes africanos e haitianos, que serviu como mais um argumento para engrossar as críticas do movimento, foi rebatido pelos entrevistados de forma contundente. “Somos todos seres humanos. O Brasil é um país de todos e deve acolher todos, não importa de onde venham”, opina Beatriz. Já Josué, vibra com a presença dos estrangeiros. “Eu vou sair daqui trilingue. Como meu sonho é viajar o mundo, vai ser muito bom pra mim”. Para Boulos, apesar das conquistas já alcançadas e das críticas, com ou sem os gringos que se somaram ao movimento a mobilização continua. “Mesmo que todos tenham casa, a luta é bem mais ampla: a reforma urbana é uma mudança de lógica na organização da cidade e uma garantia de vida digna", conclui.
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