Tarantino: “Com o formato digital, o cinema que eu conhecia está morto”
O cineasta vai a Cannes para celebrar os 20 anos da Palma de Ouro de ‘Pulp fiction’ e apresentar ‘Por um punhado de dólares’
![Tommaso Koch](https://imagenes.elpais.com/resizer/v2/https%3A%2F%2Fs3.amazonaws.com%2Farc-authors%2Fprisa%2F68f039d0-7e15-4275-b68c-0f5747bd8547.jpg?auth=ab477fa72e4d40980cc54ff252de262685cd61f4b72ce8c852dce82548a7134e&width=100&height=100&smart=true)
![Quentin Tarantino, no Festival de Cannes.](https://imagenes.elpais.com/resizer/v2/X4CJLRJC2UPEABNDDLI5436RSM.jpg?auth=cad79dad260c0c0b603b75573e8e1ccc69e830153926ef83e80c0e4342aa7407&width=414)
Em Cannes há filas para tudo. Embora também haja nuances. Uma espera normal dura praticamente toda uma projeção. Para os filmes inevitáveis ou encontros como a master class que Sophia Loren ofereceu, a fila se prolonga notavelmente. E depois estão situações como a de hoje: uma coletiva de imprensa de Quentin Tarantino anunciada de um dia para outro. Mais filas com dezenas de fotógrafos e inclusive redatores com as credenciais mais privilegiadas esperando há uma hora antes da chegada do cineasta. Por essas razões, custa imaginar o que pode ocorrer esta noite, quando o diretor apresentará na tela que Cannes tem montada na praia uma projeção de Pulp Fiction, com acesso livre às 21.30, para celebrar os 20 anos da Palma de Ouro que o filme recebeu e à qual irão também Uma Thurman e John Travolta.
O cineasta começou disparando rajadas de palavras, como faz normalmente, como uma homenagem aos Bang-bangs italianos que tanto ama e principalmente Por um punhado de dólares, cuja edição restaurada, apresentada pelo próprio Tarantino, fecha o festival amanhã.
E, justo depois, o diretor elogiou também os 35 mm, o formato no qual seu filme será projetado esta noite: “O fato de que já não se apresentem filmes assim significa que a guerra está perdida. Não entendo. Com o formato digital, o cinema como eu conhecia está morto. Se converteu em ver televisão em público, e se tenho uma tela grande em casa, não vejo razão para fazê-lo”.
Os fogos artificiais do princípio levaram a muitas perguntas centradas na vitória do digital sobre o cinema, que o cineasta anunciou. “Acho que para esta geração é demasiado tarde, mas espero que a seguinte recupere o que se perdeu”, afirmou Tarantino. E o show continuou, ao ritmo frenético que o cineasta impõe às suas frases e ao seu entorno. “Vou considerar que você está exagerando”, soltou Tarantino a um jornalista que disse que Godard falou que ele era um “homem pobre”. E a um redator de Bangladesh disse que adorava sua voz e perguntou na sala se tinha “alguém da Pixar [produtora]” para contratá-lo.
Ovacionado ao entrar na sala, o cineasta estava encantado com a atenção midiática que desperta tudo o que faz: “Francamente, não sinto uma pressão. Quero que as pessoas esperem muito de mim, quero que tenham grande expectativa pelo meu prósimo trabalho”, defendeu Tarantino, em sua sétima aparição na Croisette. A primeira foi em 1992, quando apresentou Reservoir dogs fora de competição. Desde então, o cineasta levou até Cannes Kill Bill vol. 2, Death proof e Malditos bastardos, além de presidir o júri em 2004. E também premiou Fahrenheit 9/11.
Tanto gosta de seus filmes que ele mesmo os assiste várias vezes: “Quando estou diante da televisão e abro o menu dos filmes, se vejo algum meu, ponho sempre. Outro dia transmitiram Kill Bill vol. 1 e pensei: ‘Vou ver o começo’. E vi até o último título dos putos créditos”. Tarantino reconheceu que a Palma de Ouro que ganhou em 1994 é o troféu que ocupa o lugar mais importante em sua casa dos muitos que acumulou ao longo de sua carreira. E esclareceu porque nunca usa uma trilha sonora original para seus filmes: “Precisaria contratar um compositor que seja capaz de dar uma alma ao filme. E não confio em ninguém até esse ponto”.
Afinal de contas, a confiança de Tarantino em relação ao seu entorno também deve ter sido afetada pelo recente vazamento do roteiro de um de seus novos projetos, o faroeste The hateful eight. Em seu momento, o diretor assegurou que renunciaria ao filme, embora finalmente acabou participando de uma leitura do roteiro ante o público, junto com Tim Roth. “Já me acalmei. Até quero voltar a organizar leituras com outros roteiros, embora talvez não publicamente. Estou terminando o segundo rascunho de The hateful eight. Não sei o que farei: talvez grave, talvez publique ou talvez o converta em uma obra de teatro”. Faça o que faça, será um show.