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Orgia de poder e polêmicas

‘Welcome to New York’, o filme de Abel Ferrara sobre o escândalo que acabou com Strauss-Kahn, é exibido em Cannes e estreia diretamente na Internet

Tommaso Koch
O ator Gérard Depardieu em uma cena de 'Welcome to New York', de Abel Ferrara.
O ator Gérard Depardieu em uma cena de 'Welcome to New York', de Abel Ferrara.

Um enorme tipo bem vestido chega a um hotel de Nova York. Dirige-se a sua suíte. E lá, surpresa!, o esperam champanhe em quantidade industrial e três prostitutas pagas para uma única tarefa: satisfazer seu apetite sexual. O homem em questão se chama Deveraus, pelo menos no filme. Mas o personagem, interpretado por Gérard Depardieu, remete a outro rosto, real e igualmente famoso, o de Dominique Strauss-Kahn.

Porque Welcome to New York, o novo filme de Abel Ferrara, retrata precisamente a desgraça do ex-diretor do Fundo Monetário Internacional, após ser detido em 2011 por acossar sexualmente uma camareira do hotel onde estava hospedado.

Por causa dele, o filme, que foi projetado em Cannes —na praia, com um cachorro latindo ao findo, sem aplausos no final— está há dias na capa das revistas de cinema em La Croisette. Por causa dele e de uma variedade de razões que vão desde sua estreia também online até os ataques que sofreu. Tanta expectativa fez com que só se pudesse comparecer à exibição com um convite. E só depois de entregá-lo se descobria onde seria exibido o filme.

Depardieu: “Nunca me perguntei sobre a moralidade do meu personagem”

“Tinha sexo, poder e os elementos para uma grande tragédia. E é um caso que todos sabiam”, disse Depardieu em entrevista coletiva após a projeção. “Nunca me perguntei sobre a moralidade do meu personagem. Não se trata disso. Entendo seus impulsos e acho que todos podemos tê-los e enlouquecer por eles. Ainda que isso não me converta na mesma pessoa”, acrescentou o ator, protagonista da conferência.

“Não é pornô. É uma historia real”, continuou Depardieu. O filme começa com o ator explicando porque fez este personagem. Fundo negro. Toca America the beautiful. E se desata a parábola orgiástica de um homem convencido de que podia tudo, como indica o subtítulo do filme: “Sabe quem sou eu?”. O filme todo, após a estreia em Cannes, já está disponível em sites de Video on demand (aluguel online). Tanto que o produtor, Vincent Maraval, sugeriu que talvez DSK já o estivesse vendo. Quem já o viu, certamente, são os advogados da produtora. Nunca se sabe.

Essa fórmula peculiar de lançamento para Welcome to New York foi decidida pela produtora francesa Wild Bunch, também para resolver as dificuldades que encontrou pelo caminho. Antes de tudo, faltavam emissoras de televisão que quisessem financiar o projeto: finalmente tirou dinheiro do próprio bolso e de particulares, até completar os dois milhões de euros (seis milhões de reais) necessários. Depois, esbarrou na lei francesa, que estabelece uma janela obrigatória de quatro meses entre a estreia nas salas de cinema e em VOD. Então Wild Bunch, que queria lançar o filme também na tela grande, ficou somente com a Internet. E com uma estratégia inovadora, sobretudo para um filme com tamanha expectativa, que incluiu gastar na promoção os milhões típicos das estreias em cinemas.

À publicidade calculada se somou outra, infalível: a polêmica. Maraval declarou ao Journal du Dimanche que a produção sofreu enormes pressões e “amigos e inimigos” o desaconselharam a seguir adiante. E afirmou que um amigo de Strauss-Kahn e de sua ex-mulher, Anne Sinclair, o avisou que esta última gastaria “toda sua fortuna” para destruir a vida dele.

Sinclair também aparece no filme, batizada como Simone e interpretada por Jaqueline Bisset (que substituiu Isabelle Adjani). Na realidade, o filme não cita nem ela nem seu ex-marido, à época favorito nas pesquisas para ser o candidato socialista nas eleições presidenciais francesas. No entanto, uma frase elimina dúvidas que jamais existiram: “Este filme é inspirado em um caso judicial cujas fases públicas foram filmadas, retransmitidas e comentadas por meios do mundo inteiro”.

Refere-se à detenção de DSK em 2011 e ao que aconteceu depois. O ex-diretor do FMI foi acusado por Nafissatou Diallo, uma camareira de hotel, de tentar abusá-la. O caso penal acabou arquivado depois que o tribunal considerou os depoimentos de Diallo pouco críveis. O procedimento civil, no entanto, terminou com uma indenização milionária, cujos valores jamais foram divulgados. Seja como for, o escândalo destruiu a imagem de Strauss-Kahn até o ponto que desapareceu dos holofotes. Antes de Cannes.

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