_
_
_
_
José María Campagnoli | PROMOTOR ARGENTINO

“O Governo quer disciplinar o resto dos promotores com o meu caso”

O promotor José María Campagnoli foi suspenso depois de investigar o construtor kirchnerista Lázaro Báez

Francisco Peregil

O promotor José María Campagnoli é um exemplo claro da polarização que a Argentina sofre. Para alguns, esse jurista de 53 anos é o homem que se atreveu a investigar o construtor kirchnerista Lázaro Báez, o empresário que pagou o mausoléu onde os restos mortais do presidente Néstor Kirchner repousam e também o maior vencedor de licitações de obras públicas na província de Santa Cruz, onde Kirchner foi governador por 12 anos. Para outros, Campagnoli é apenas uma ferramenta usada pelo Grupo Clarín para desgastar o Governo de Cristina Fernández. A verdade é que Campagnoli investigou o construtor Lázaro Báez por 20 dias úteis entre abril e maio de 2013 por suposta extorsão. E isso levou à abertura de um julgamento político, à suspensão do seu cargo e à provável demissão.

A sua chefe, a procuradora-geral da Argentina, Alejandra Gils Carbó, considerou em dezembro “altamente provável” que Campagnoli havia se envolvido em “abuso de poder” e “mau desempenho” das suas funções. Ele foi acusado de transformar um caso de possível fraude administrativa contra o financiador Federico Elaskar em outro caso no qual Elaskar passava a ser vítima de uma suposta extorsão perpetrada pelo construtor kirchnerista. A promotora-geral sugeriu que Campagnoli negligenciou a investigação sobre Elaskar para realizar uma contra Lázaro Báez que já estava nas mãos de outro juiz e um promotor de justiça. Segundo Gils Carbó, “para se manter na investigação dos fatos, o promotor transformou uma causa iniciada pelo crime de fraude [contra o financiador Frederick Elaskar] em um caso de extorsão. E transformou, do dia para noite, um réu [Elaskar] em vítima”.

Gils Carbó descreveu Campagnoli como um profissional “sem moderação, prudência e circunspecção”, que teve “uma atitude desafiadora frente às instituições, que acabou também sendo incompatível com a investigação séria dos crimes que supostamente pretendia investigar”. “Neste caso”, acrescentou a promotora-geral, “nos confronta com a hipótese de um magistrado que oprime as regras básicas de concorrência e que, atuando de um modo descoordenado e sem respeitar as normas de confidencialidade e cautela, invade ilegalmente o âmbito de atuação de outro colega”.

Uma semana depois, o Tribunal de Ajuizamento do Ministério Público ratificou por quatro votos a favor e três contra as acusações de Gils Carbó. Suspendeu Campagnoli de maneira preventiva e abriu um processo político para destitui-lo. Em 11 de abril, um tribunal de investigação administrativa confirmou a suspensão. E nesta semana, o juiz Sebastián Casanello absolveu Lázaro Báez pela suposta extorsão contra Elaskar, embargou os bens de Elaskar e proibiu que ele saísse do país. Nos bastidores do caso de Campagnoli se diz que a Justiça Federal é uma especialista em pegar criminosos pequenos, enquanto os peixes grandes ficam a salvo.

O julgamento político está em andamento. À medida que se aproxima a sua provável destituição, Campagnoli lamenta a “fragilidade” do Ministério Público. “Em nosso país, nós, promotores, temos os mesmos benefícios que os juízes em relação a salário, tratamento e independência. Mas a situação é muito mais desfavorável para nós. Eu posso ser destituído com uma votação simples, de quatro votos a três. Enquanto para um juiz a votação tem que ter uma maioria de dois terços”.

Pergunta. Qual é a sua opinião sobre o fato de que Lázaro Báez tenha sido inocentado da suposta extorsão que o senhor investigava?

Resposta. O nosso sistema judicial não facilita fazer investigações eficientes; às vezes é um caminho cheio de obstáculos, mas às vezes tudo bem que seja assim pelos direitos e garantias que estão em jogo. O que eu posso dizer é que mantenho tudo o que pude provar quando investiguei a extorsão e o que consta no meu arquivo.

P. O que tem a dizer sobre as acusações contra o senhor: abuso de poder e mau desempenho?

R. Não se sabe bem o que engloba o mau desempenho da função pública. E, portanto, é preciso recorrer a outras questões que surgem a partir da acusação da promotora, que são muito difusas. Eu, em nenhum momento, deixei de investigar a primeira denúncia. Mas eu tinha que continuar investigando a extorsão de Federico Elaskar. Não houve deturpação do objeto processual. A investigação continuou, mas ao aparecer outros dados começamos a trabalhar sobre o tema da extorsão.

P. Mas já havia outro juiz e outro promotor investigando o caso, segundo a promotora-geral.

R. O que havia na justiça federal era uma investigação, que eu também havia promovido pela eventual lavagem de dinheiro proveniente de corrupção de obras públicas. Qualquer coisa que tenha a ver com licitações falsas, subornos, propinas, cabe à justiça federal investigar. Eu disse isso na minha decisão de maio. Mas eu perguntei ao promotor federal se ele estava investigando a questão da extorsão [supostamente cometida por Lázaro Báez e outras pessoas contra o financiador Frederick Elaskar]. E o promotor federal me enviou um documento dizendo que o caso da extorsão não estava sendo investigado. Eu já sabia que eles não estavam investigando. Mas também imaginei que tudo isso que está acontecendo iria acontecer. Por isso que pedi a ele, formalmente, que me dissesse que não estava investigando o caso.

P. O senhor também é acusado de supostamente vazar à imprensa documentos sigilosos.

R. Sim, mas não me dizem em nenhum momento da acusação qual é essa documentação. E a verdade é que o programa Periodismo Para Todos [apresentado por Jorge Lanata em um canal pertencente ao grupo Clarín e transmitido em abril de 2013] foi o catalisador da investigação, é um programa jornalístico. Foi uma investigação jornalística que trouxe à tona essa questão. Eu, em nenhum momento, tive contato, nem passei nenhum tipo de documentação, nem informação a nenhum jornalista. Para mim, na minha estratégia de investigação, não seria conveniente que a imprensa tivesse acesso ao meu trabalho. Eu pedi buscas, escutas telefônicas... Era o principal interessado que essas ações pudessem ser conduzidas. Eu sabia tudo o que estava em jogo e já havia comprometido muitas horas de trabalho dos meus colegas.

P. Parte da imprensa nacional vinculou ao senhor o fato de que sua irmã está ligada ao partido opositor Coalizão Cívica.

R. A minha irmã foi vereadora há uns quatro anos. Mas isso não tem nada a ver. O que significa que a minha irmã seja amiga ou conhecida da [líder da oposição] Lilita Carrió? Mas quiseram colocar Lanata, Carrió e depois eu em um lugar de oposição, que bom... Eu, no primeiro ano do Governo kichnerista, fui funcionário deste Governo [subsecretário de Segurança]. Nunca fui opositor. Não sou nada mais do que um promotor que faz investigações de forma independente, porque esse é o meu trabalho. É ridículo querer dizer que a minha investigação e de toda a minha equipe é parcial por causa da minha irmã. É tão ridículo como outra acusação que também ficou desvirtuada, que diz que o Grupo Clarín havia escrito o meu veredicto. A minha decisão é baseada em uma série de provas e é acompanhada por 3.400 folhas de trabalho da promotoria. Tentaram dizer coisas como essas por meio de veículos aliados do Governo que, aliás, são muito difíceis de defender.

P. Qual foi a principal conclusão da sua investigação durante esses 20 dias úteis?

R. Foi comprovado de forma muito minuciosa que a denúncia pública de Federico Elaskar estava certa.

P. Ou seja, que Lázaro Báez o havia extorquido? Com qual objetivo?

R. Com o objetivo de ficar com a empresa. O motivo da extorsão é econômico. Eu fiz todo o estudo das empresas que usaram para tirar dinheiro do país e trazer de volta da Suíça para cá e transformá-lo em títulos da dívida argentina para, depois, devolver o dinheiro líquido.

P. O senhor acredita que o julgamento político contra o senhor será concluído?

R. A perspectiva é bastante desfavorável. Porque este Tribunal de Ajuizamento, que é formado por sete pessoas, já teve uma votação de quatro a três pela minha suspensão. E estes quatro devem votar da mesma forma quando decidirem sobre a minha destituição. E vão proferir o mesmo voto porque cada um depende de um organismo ligado ao Governo. Enquanto isso, a minha equipe de trabalho foi sendo dissolvida. Eles também perseguiram os meus colaboradores.

P. O senhor acredita que houve uma perseguição política?

R. Sim, e uma tentativa de disciplinar o resto dos promotores com o meu caso. Se você considerar as acusações, não deixam de ser questões técnicas que já foram tratadas no lugar onde deveriam ser tratadas, que é no âmbito do tribunal. Nisso me deram razão. Agora, a autoridade administrativa está revisando algo que já foi revisado por um tribunal de apelações. Esta é uma perseguição para demonstrar que qualquer pessoa que queira investigar grupos poderosos vai ser submetida ao que aconteceu comigo. Tenho 30 anos de trabalho na Justiça. E vou perder a possibilidade de fazer o que eu sei fazer.

P. O senhor acredita que essa suposta mensagem de disciplinar o resto dos promotores está tendo algum efeito?

R. Eu não posso me colocar na posição dos outros promotores. O que podemos ver é quantas investigações independentes contra grupos poderosos existem e estão em andamento. É bastante complicado. Eu estou me defendendo, vou chegar até as últimas consequências e tentar fazer com que não avancem tão facilmente, pelo menos.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_