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Coluna
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A Rússia na América Latina: imagens contra realidades

A pergunta é: o que a Rússia busca ao querer estreitar a relação bilateral com Chile e com o Peru?

O Ministro das Relações Exteriores da Federação Russa Sergéi Lavrov realizou nesta semana uma visita relâmpago à América Latina, na qual se encontrou, no espaço de só três dias, com os presidentes e chanceleres de Cuba, Nicarágua, Chile e Peru. Segundo informou um porta-voz oficial do governo russo, o propósito da viagem foi aprofundar laços de cooperação; e no caso de Nicarágua e Cuba, agradecer pessoalmente a esses países seus votos na contramão da resolução das Nações Unidas que chama à comunidade internacional a desconhecer a mudança de status de Crimeia de província ucraniana a província russa.

A Rússia tenta uma aproximação da América Latina em momentos em que suas tensões com a comunidade internacional se ampliam com mais multas no contexto de atuar na crise que atravessa a Ucrânia. Neste contexto, não é uma surpresa que tente abraçar como velhos amigos àqueles países com os quais mantém relações próximas de longa data, como Cuba, Nicarágua e também Venezuela. A Rússia, além disso, tem contatos com algumas economias latino-americanas nos foros multilaterais BRICS, G-20 e APEC.

A pergunta é o que a Rússia busca ao querer estreitar especificamente a relação bilateral que sustenta com o Chile e com o Peru. O Ministério russo explicou que no caso destes dois países, o passo de Lavrov celebrava anos de relação bilateral (45 anos com o Peru, 70 com o Chile). Um aniversário com visita pessoal no meio da crise da Ucrânia certamente de alto perfil.

Na quarta-feira passada em Lima, o ministro Lavrov e o presidente Ollanta Humala conversaram sobre um possível Tratado de Livre Comércio. O mesmo tema foi tratado umas horas antes em Santiago com a presidenta Michelle Bachelet, que estendeu um convite para que Vladimir Putin visite o Chile. Com ambos países a Rússia busca, além disso, uma possível cooperação militar e a venda de armas. Há que lembrar que em fevereiro passado, o Governo russo anunciava que as negociações para estabelecer bases militares em países latino-americanos amigos estavam avançadas. Em uns dias mais tarde, esclareceu que o que busca é poder abastecer seus navios e aeronaves em diferentes pontos da região.

Ao Peru e ao Chile Lavrov certamente não tinha que lhes agradecer nenhum apoio pela sua atuação na crise da Ucrânia. Ambos países não estiveram entre aqueles que se abstiveram ou que votaram na contramão da recente resolução da ONU sobre a Crimeia. Pelo contrário, estas duas nações votaram, junto à ampla maioria dos membros da ONU, a favor do acordo que determina a ilegalidade da anexação da Crimeia por parte da Rússia. Designadamente, a posição chilena como membro não permanente do Conselho de Segurança –consequente com seu próprio interesse em afirmar o princípio da estabilidade das fronteiras – foi categórica e constante em seu apoio à soberania e a integridade territorial da Ucrânia. O Chile enfatizou a defesa do direito internacional, sublinhando a importância da resolução 1514 da Assembleia Geral das Nações Unidas, que assinala que “toda tentativa encaminhada a quebrar total ou parcialmente a unidade territorial de um país é incompatível com os propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas”.

Desde o Conselho de Segurança, o Chile também criticou a atuação da organização a respeito da crise humanitária na Síria, país onde ações de força se encontram descartadas, entre outros fatores, a raiz do veto da Rússia (a única base militar russa fora do ex-território soviético se acha precisamente na Síria).

Pelo anterior, a declaração do chanceler chileno Heraldo Muñoz depois da reunião com Lavrov, quanto a que a política exterior de seu país é independente e permite relações excelentes tanto com os EUA como com a Rússia é surpreendente no atual momento da agenda internacional.

Na prática, tanto as declarações de Santiago como de Moscou -que indicou que advoga junto ao Chile por uma focagem multilateral em matéria internacional e pelo fortalecimento do papel central da ONU- são comentários diplomáticos que carecem de substância.

O interesse da Rússia é aumentar o alcance global de sua influência, e o tour latino-americano na contramão de Lavrov permitiu demonstrar ante as câmeras que seu atrativo como potência mundial permanece no imaginário latino-americano, inclusive em países com fortes laços com os Estados Unidos e a União Europeia.

O feito com que estas contradições não sejam advertidas pela imprensa local evidencia que a opinião pública da região não somente desconhece majoritariamente o conflito na Ucrânia. Também ignora que o produto interno bruto russo é só uma oitava parte do dos Estados Unidos e a metade do da China. Hoje, a Itália e o Brasil são, por exemplo, economias maiores que a russa. Algo que deve ser levado em conta quando estas novas associações estratégicas devam ser materializadas. Os novos e velhos amigos da Rússia na América Latina devem considerar que a “nova guerra fria”, se tal coisa existe, não versa sobre a ideologia do passado, senão sobre a economia do presente.

Paz Zárate é analista de Oxford Analytica para América Latina.Twitter @pyz30

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