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Maduro promete “medidas drásticas” para acabar com os protestos

Chegam a 24 as mortes violentas relacionadas com os protestos e a repressão desde seu início, em 12 de fevereiro

Confrontos entre estudantes e a polícia em CaracasFoto: reuters_live | Vídeo: Reuters-LIVE! / AFP

As panelas eram ouvidas com estrondo na noite de quarta-feira em Caracas, em uma atitude de protesto no final de um dos dias mais sangrentos desde que, há justamente um mês, começaram as mobilizações – de início, estudantis – que sacodem a Venezuela. Enquanto as partes em conflito invocam cada vez mais a paz, ela está mais escorregadia em todo o país. O presidente Nicolás Maduro festejou a “impecável” atuação das forças policiais e anunciou que seu governo adotará “medidas drásticas” para acabar com os protestos.

A violência teve seu foco principal na cidade de Valência, capital do Estado de Carabobo, situada cerca de 200 quilômetros a oeste de Caracas. Em uma parte dessa cidade industrial, La Isabelica, foram registrados três mortos à bala. Entre os mortos está um oficial da Guarda Nacional, Ranzor Bracho, de 36 anos. Outro deles, Jesús Acosta, estudante da Universidade de Carabobo, levou um tiro na cabeça embora, segundo diferentes versões, não estivesse participando das manifestações.

Com elas, vêm os distúrbios. Os depoimentos recolhidos nas redes sociais e mídia local indicam que na repressão aos tumultos na Venezuela estiveram ativos membros dos chamados “coletivos”, ou grupos de choque do chavismo. No entanto, o governador do Estado de Carabobo, Francisco Ameliach, evitou abordar esse assunto em declarações à principal emissora oficial de TV, a Venezolana de Televisión. Ameliach, ex-oficial do Exército que integrava o círculo íntimo do falecido presidente Hugo Chávez, apontou, por sua vez, supostos franco-atiradores da oposição como responsáveis pelas mortes.

Em outras cidades no interior houve duros enfrentamentos entre manifestantes e forças de segurança. Em Barquisimeto, capital do Estado de Lara (centro-oeste do país), as autoridades municipais denunciaram que membros da Guarda Nacional revistaram a sede da prefeitura. O prefeito metropolitano é o oposicionista Alfredo Ramos.

O presidente Nicolás Maduro.
O presidente Nicolás Maduro.AFP

Em Maracaibo, segunda maior cidade da Venezuela e capital do Estado de Zulia – o mais populoso do país e tradicional produtor de petróleo –, soldados e coletivos atacaram a tiros áreas residenciais, como a de Torres de Saladillo.

Em San Cristóbal, capital do Estado de Táchira, em Los Andes de Venezuela, uma enorme manifestação convocada por estudantes de oposição conseguiu chegar à sede regional da Procuradoria, onde pediram que seja coibida a impunidade desfrutada pelos integrantes de forças de segurança implicados em maus-tratos e outras violações de direitos humanos.

Mas em Caracas os fatos foram outros. Uma manifestação convocada com a mesma finalidade foi duramente reprimida. Desde o dia anterior, o presidente Nicolás Maduro havia avisado que não seria permitido o deslocamento dos manifestantes. Apesar disso, milhares de pessoas se reuniram no bairro de Bello Monte, a sudeste da capital venezuelana, com o propósito de chegar até a sede da Defensoria Pública, no centro de Caracas.

Um forte aparato de agentes antimotim bloqueava a passagem para o município de Libertador, jurisdição da área metropolitana de Caracas, no qual estão situados o centro histórico e a zona oeste da Capital. Para burlar o cerco os manifestantes atravessaram o campus da Universidade Central da Venezuela (UCV). Na saída da área acadêmica, integrantes da Guarda Nacional e da Polícia Nacional aguardavam em bloco para conter a passeata.

O presidente Nicolás Maduro festejou a “impecável” atuação das forças policiais

Os funcionários eram nesse momento a única barreira entre a manifestação da oposição e uma marcha que os governistas haviam convocado apressadamente no dia anterior. Os partidários do governo – escassos, se considerado o histórico do chavismo – se encontravam na Praça Venezuela, ao lado da UCV. Assim que os governistas prosseguiram rumo à Praça Morelos, onde se encontrariam com o presidente Nicolás Maduro e o vice-presidente Jorge Arreaza, os agentes da ordem começaram a repelir com gás lacrimogêneo a passeata dos oposicionistas. A operação deixou um saldo de 16 feridos, entre os quais, um com maior gravidade, pois recebeu em cheio no rosto o impacto de uma granada de gás lacrimogêneo.

Na Praça Morelos, Maduro festejou, diante de uma centena de jovens pró-governo, a “impecável” atuação das forças de segurança e ordem pública. “Se tivéssemos deixado passar a marcha fascista, estaríamos contando os mortos e os prejuízos”, garantiu.

O presidente venezuelano realizou nessa noite uma reunião extraordinária do Conselho de Segurança, um órgão que agrupa ministros e autoridades militares e policiais. Maduro prometeu que no encontro seriam definidas “medidas drásticas” que seu governo adotará para acabar com os protestos.

Ainda na noite de quarta-feira ocorreram os já quase rotineiros tumultos da Praça Francia de Altamira, um setor do leste de Caracas que é um reduto simbólico da oposição. Desde a terça-feira à noite se acentuou a repressão da Guarda Nacional nessa zona, com o deslocamento de veículos blindados. Muitos moradores estão tendo sintomas de asfixia provocados pelo uso indiscriminado de gás lacrimogêneo pelos órgãos de segurança. Cortes seletivos no fornecimento de energia elétrica na área e no vizinho bairro de Chacao – antigamente, um povoado nos arredores de Caracas e, hoje, o nome ao mais rico município da região metropolitana da capital – servem de anteparo para as incursões da Guarda Nacional. São muitos os testemunhos nessa área – assim como em outros lugares da Venezuela – que garantem que as ações dos tanques e das brigadas antimotim vêm acompanhadas de musicas atordoantes emitidas por alto-falantes. Essas músicas costumam ser reproduções da voz do ex-presidente Chávez, que gostava de cantar e deixou muitas gravações registradas.

O Governo denunciou na quarta-feira, através de seus órgãos de informação, que os grupos de manifestantes da oposição provocaram danos a áreas públicas

No mesmo tom da escalada, o Governo denunciou na quarta-feira, através de seus órgãos de informação, que os grupos de manifestantes da oposição provocaram danos a áreas públicas e num espaço de um edifício de escritórios perto da Praça Altamira, a Torre Britânica. O prédio abriga vários órgãos governamentais, incluindo a Direção da Aviação Civil, e também serve de casa para famílias desabrigadas pelos deslizamentos de terra de dezembro de 2010. A propaganda oficial também informou sobre saques desencadeados pelos manifestantes em um supermercado nessa região, e os danos causados a outras sedes de órgãos do Estado.

Durante sua intervenção à tarde na Praça Morelos, o presidente Maduro chegou a pedir ao prefeito do município de Chacao, Ramón Muchacho, sua renúncia para que sejam realizadas eleições e designado um substituto. Muchacho governa a jurisdição onde ocorrem os protestos de Altamira. O governo revolucionário acusa Muchacho, bem como aliados seus da oposição na região metropolitana, como também prefeitos dos municípios de Sucre, Baruta e El Hatillo, de displicência e cumplicidade encoberta diante dos distúrbios. E diz que essas autoridades pouco fazem para dissuadir os manifestantes ou até para remover os escombros que dia após dia servem de matéria-prima para armar barricadas.

Nesta quarta-feira o Tribunal Superior de Justiça (TSJ) deu ordens para que esses prefeitos, assim como as autoridades do município de San Diego, subúrbio da cidade de Valência, contribuam para controlar as desordens e manter as vias liberadas. O TSJ é amplamente controlado pelo governo chavista, que o transformou em uma ferramenta maleável de suas políticas.

Os prefeitos opositores têm advertido que os questionamentos sobre seu desempenho durante a crise de ordem pública visam a preparar o terreno para uma intervenção forçada contra seus governos. Trata-se de municípios cujos eleitores em diferentes ocasiões impuseram derrotas aos candidatos e propostas do chavista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV).

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