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ENTREVISTA AO DIÁRIO AS | ZICO

"Com 18 anos abandonei o futebol porque não fui convocado para as Olimpíadas"

Considerado um dos melhores jogadores da história do Brasil, Zico é uma voz autorizada para falar do Mundial agora que se aproxima do torneio no país

O ex-jogador Zico, ao ser homenageado pela Imperatriz no Carnaval do Rio.
O ex-jogador Zico, ao ser homenageado pela Imperatriz no Carnaval do Rio.Nelson Antoine (AP)

Pergunta. Seus treinadores na base achavam que você era pequeno para jogar o futebol?

Resposta. Quando cheguei pela primeira equipe do Flamengo me chamavam de galo por ser pequeno. Reuniram-se algumas pessoas que trabalhavam no clube e decidiram potenciar meu físico e minha alimentação. Fiz um trabalho específico dos 15 ao 17 anos que me serviu para me desenvolver.

P. Por isso Zagallo não confiou em você no seu início?

R. Não é que não confiasse em mim, é que eu era jovem. O paraguaio Solich já contava comigo, mas nesse momento jogava o Dida, que era um dos melhores jogadores da equipe e um de meus ídolos. É normal que o Zagallo tivesse paciência com os jovens. Depois cheguei a jogar com ele em diversas posições e torneios.

P. E tanto. Foi campeão da Libertadores e do Mundial depois de derrotar o Liverpool. Uma marca histórica.

R. Sem dúvida. Foi uma das melhores equipes da história do futebol brasileiro. Quase todos jogamos na seleção, ganhamos a Libertadores, o Mundial, o Brasileirão, vários torneios de relevância na Espanha... Em cinco anos ganhamos mais títulos dos que o Flamengo já tinha ganhado até então.

Zico é marcado por Claudio Gentile, da Itália, na Copa de 1982.
Zico é marcado por Claudio Gentile, da Itália, na Copa de 1982.Getty Images

P. Por outro lado, a experiência na Europa, em concreto na Udinese, não foi muito boa para você.

R. Para mim foi importante. Era outra cultura, converti-me em um jogador muito maduro e considero esse período chave para mim. No primeiro ano foi muito bom; no segundo o presidente decidiu vender jogadores importantes a outras equipes. A decepção nesse segundo ano foi grande porque simplesmente jogamos para não cair.

P. Era a época em que a Itália reunia os melhores jogadores do mundo, você inclusive.

R. Todos os grandes nomes dos mais importantes países estavam ali. Foram os melhores anos da história do campeonato italiano. Tinha brasileiros, argentinos, alemães, ingleses, escoceses, poloneses...

P. A lesão que sofreu na sua volta ao Brasil freou demasiado sua carreira?

R. Por desgraça estas coisas acontecem. Em um dos primeiros jogos recebi uma entrada violenta e tive de ser operado três vezes. Mesmo assim consegui me recuperar, jogar e voltar a ser campeão no Brasil. No entanto, comecei a ter problemas musculares que me fizeram perder a alegria pelos treinamentos e por jogar.

P. Depois você se destacou inclusive como ministro de Esportes do Brasil. Como surgiu isso?

R. Nunca entrei com um sentimento político. Eu queria ajudar, mas era um trabalho pelo bem do desporto de Brasil. O projeto era muito bonito e fizemos uma lei que ajudou muito o nosso esporte. A partir desse momento várias modalidades começaram a crescer: voleibol, natação, atletismo... Entendi que esse era minha área. Mas eu nunca me senti político. Quando não tive mais motivo para ficar, fui embora.

P. Sempre se moveu por impulsos. É verdade que deixou o futebol ao se ver fora da lista para os Jogos Olímpicos de 1972 ?

R. Claro. Foi o único momento da minha carreira que deixei de brigar. Brigava desde 1971 e tínhamos nos classificado para os Jogos de Munique. No entanto, o Zagallo me deixou de fora. Fiquei um mês ou dois sem jogar. Foi o próprio treinador que disse ao Flamengo que voltasse. Voltei e acabamos sendo campeões da liga, mas por desgraça não fui convocado. Me doeu.

P. Seu primeiro Mundial, de fato, foi em 1978, na Argentina. Equipe rara aquela.

R. Sim, era uma seleção com muitos problemas que foi definida praticamente muito próximo do Mundial. Ficamos em uma sede difícil como Mar del Plata. O campo era muito ruim e a grama estava muito alta, algo que acho que fizeram de propósito. Acabamos sofrendo muito. Jogamos mau contra a Suécia e contra a Espanha. Empatamos as duas partidas, embora depois conseguimos nos classificar. Por sorte depois fomos a Mendonza, onde o campo e a cidade eram melhores.

P. No entanto, na segunda fase ficaram fora depois do famoso 6-0 de Argentina a Peru. O que te pareceu?

R. A Argentina era uma seleção muito boa e podia ganhar por goleada de qualquer um. O que nos surpreendeu foi que o Peru estava fazendo um grande Mundial e nesse dia estiveram especialmente desmotivados. Jogava contra nós e sofríamos. A facilidade com que os argentinos chegaram à área peruana nos surpreendeu, é verdade.

P. Na realidade sua geração é lembrada mais pelo Mundial de 82. Não puderam ganhar, mas deixaram boa impressão.

R. Foi uma seleção que entrou na história de outra forma, sem ganhar. Era uma grande equipe que jogava bem, como Hungria em 54 ou a Holanda em 74. Caímos diante de outra grande seleção, a Itália, que depois foi campeã do mundo. Eu acho que o Brasil jogou um torneio, não um Mundial. Importava-nos mais jogar bem do que o resultado final. Essa era a filosofia do treinador. As pessoas estavam felizes conosco e sem dúvida deixamos boa impressão. Mas o que marca sempre é ganhar, não importa a maneira.

P. Brilhou o 10 que te deixava Rivelino e a gente te apelidou de ‘Pelé branco’. Quase nada...

R. Sempre é uma grande responsabilidade levar a 10 do Brasil. Em meu caso tinha o melhor jogador da história, o Pelé, tinha usado essa camisa. A gente lembrava disso e teve comparações que complicavam mais. Mas eu, graças a Deus, não me deixei levar e fiz meu trabalho.

P. Diante da Escócia você fez um grande gol de falta. Sempre foi um especialista na matéria?

R. No Flamengo vi que tinha essa qualidade e treinei muito. Fiz bastante gols de falta, alguns importantes como aquele. Eu gostava.

P. O Brasil x Argentina do Mundial da Espanha 82 serviu de revanche com os argentinos pelo acontecido quatro anos antes?

R. Não, também não foi uma revanche. Eram momentos para pensar na vitória e passar de fase. Foi um jogo que também poderia cair do lado argentino. Eles tinham grandes jogadores que vinham de ganhar o Mundial, além de Maradona, sua grande esperança. Jogamos muito bem e aproveitamos nossas oportunidades.

P. E conseguiram irritar o Maradona.

R. Não preparamos nenhuma marcação especial para ele, não era a característica do Telê Santana. Deu uma dura entrada e Batista e recebeu o vermelho. Antes Pasarella já tinha que ter visto.

P. Até que chegou a Itália. Valia um ponto, Zico.

R. Pois sim. Não soubemos manter durante mais tempo os empates. A cada vez que empatávamos nos metiam um gol. Não jogamos 20 ou 30 minutos iguais, senão sempre em desvantagem. Muita gente acha que a cada vez que empatamos devemos aguentar mais atrás. Mas aquela equipe não sabia jogar de outra forma que não fosse pensando na vitória.

P. Foi o triunfo do ‘catenaccio’ (tática defensiva) sobre o ‘jogo bonito’?

R. Também não acho que a Itália tivesse um estilo unicamente defensivo. A nós nos marcou três gols e depois também os fez na Alemanha na final. Tinha jogado mal na primeira fase e por isso não era muito considerada como favorita. A nós sim nos puseram essa marca ante a Argentina e a Italia e os italianos a aproveitaram muito bem. Foi uma grande decepção porque todos pensávamos que podíamos ter sido campeões.

P. Sim, porque ao Mundial de 86 já chegou quase como reserva.

R. Não! Eu me considerava titular. O problema é que tinha muitos problemas físicos. Lembro o jogo ante a Espanha da primeira fase. O gol de Míchel. A boa entrou. São esses tipos de ações que a tecnologia poderia ajudar a solucionar. Também passou com o famoso gol de Maradona contra a Inglaterra.

P. Caíram ante a França de Platini nas quartas.

R. As duas equipes tiveram muitas oportunidades. Nos pênaltis estas coisas passam. Tínhamos treinado muito durante o torneio. Por desgraça ficamos fora. Todo mundo dizia que França ganharia o Mundial e três dias depois a Alemanha os mandou para casa. Assim é o futebol.

P. Agora que é treinador saberá isso melhor que ninguém. Tudo vai bem?

R. Comecei no Japão. A ida para o banco depois de 15 anos jogando foi a melhor experiência de minha vida. Depois em Fenerbahçe, CSKA, Olympiacos, Iraque, Uzbequistão e recentemente no Qatar. É uma forma de estar unido a minha grande paixão. Trabalhar e ensinar aos demais me enriquece. Gosto.

P. Em uns meses verá o Mundial do Brasil e poderá seguir ensinando. O que espera?

R. O Brasil joga em casa e é o favorito. Já demonstrou na Copa das Confederações que é uma equipe muito forte. Sabe que tem que ganhar porque joga em casa. Os grandes adversários vão ser a Argentina e a Espanha. E não me esqueço do Uruguai, da Alemanha e da Itália.

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