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Caso Urdangarin

Entre o arquivamento e o banco dos réus

O juiz contrapões suas teses às da procuradoria, da Agência Tributária e da Advocacia do Estado. O interrogatório tentará desequilibrar a balança

Gráfico: os protagonistas da sala
Gráfico: os protagonistas da sala

Quatro juízes, um procurador, pelo menos três inspetores da Agência Tributária e a advogada-geral do Estado tentam elucidar há meses se a filha mais nova do rei da Espanha participou ou não dos delitos atribuídos a seu marido, Iñaki Urdangarin, no caso Nóos, e se deve sentar-se no banco dos réus quando for realizado o julgamento desse processo.

Urdangarin montou, com seu sócio Diego Torres, uma estrutura societária que se aproveitou de fundos públicos obtidos para organizar eventos através do Instituto Nóos – que, aparentemente, não tinha fins de lucro. No entanto, grande parte do dinheiro pago pelas administrações públicas – os Governos das Ilhas Baleares, da Comunidade Valenciana e do município de Valência, todos do Partido Popular – acabou nas mãos de empresas privadas com fins de lucro pertencentes a Urdangarin e Torres.

O foco do debate é se a infanta Cristina se beneficiou desse desvio de dinheiro público por meio de uma empresa, a Aizoon, da qual era proprietária meio a meio com seu marido.

Segundo o juiz, a acusação tem fundamento. A Procuradoria Anticorrupção, a Agência Tributária e a Advocacia-Geral do Estado isentam a herdeira de responsabilidade penal.

A FAVOR

Alguns dos argumentos apresentados pelos organismos do Estado em favor de Cristina são os seguintes:

» Fraude fiscal não imputável. O acusação se baseia na suposta fraude na declaração do Imposto de Sociedades da Aizoon. Tanto a Fazenda como a Advocacia-Geral do Estado (ao contrário do juiz) afirmam que só pessoas físicas – e unicamente o administrador, que era Urdangarin – podem ser indiciadas por essa fraude, não pessoas jurídicas (a própria sociedade). Além disso, a quantia não declarada não supera, em 2007 (o ano em questão), os 120.000 euros (cerca de 390.000 reais), o valor mínimo que caracteriza a existência de um delito.

“Para ser considerado cúmplice de um delito contra a Fazenda Pública é necessária uma participação prévia na fraude, seja induzindo o autor a cometer o delito, seja cooperando em sua execução com uma ato sem o qual o delito não teria ocorrido ou, finalmente, cooperando em sua execução por meio de atos anteriores ou simultâneos”, afirma o procurador, eximindo a infanta de ter cometido o delito de fraude.

A Advocacia-Geral do Estado sustenta que “para atribuir à Aizoon um delito contra a Fazenda Pública seria preciso atribuir-lhe um rendimento que não foi gerado pela entidade, mas sim pela pessoa física, e além disso atribuir a ela um rendimento ainda maior que o gerado pela pessoa física”. “Ainda nessa hipótese”, acrescenta, “não se atribui responsabilidade penal a Cristina de Borbón pelo simples fato de ser sócia com 50% da entidade”.

» Trata-se de uma sociedade fantasma e sem atividade real. A Agência Tributária considera que a Aizoon é uma sociedade fantasma que foi constituída com finalidade fraudulenta e que quem gera o rendimento é o genro do rei e não a infanta, por isso só se poderia atribuir a ele o delito. Além disso, afirma que o juiz, em um processo, atribuiu o rendimento à Aizoon e em outro à pessoa física (a Diego Torres e não a suas sociedades fantasmas).

» Não há lavagem de dinheiro se não há conhecimento. O procurador assinala que para acusar a filha do rei de lavagem de dinheiro será necessário um “mínimo indício incriminatório de que ela conhecia a origem criminosa dos fundos da Aizoon”, algo que considera que não foi provado. Além disso, afirma que, de qualquer forma, o faturamento da Aizoon a partir de 2006, quando a infanta começou a usar o dinheiro da empresa, não procedia das atividades ilícitas da Nóos, mas das cobranças de Urdangarin por vários serviços de assessoria. Segundo essa tese, portanto, Cristina não gastou dinheiro procedente de atividades ilícitas.

» Atribuir gastos não imputáveis não é crime. “O fato de imputar gastos pessoais alheios à atividade mercantil da Aizoon como custos de exploração não é contemplado no Código Penal como um delito”, afirma o fiscal, que se refere ao gasto doméstico e a outras despesas particulares que o casal Borbón-Urdangarin pagou atribuindo-as à Aizoon.

CONTRA

Mas o juiz José Castro, que indiciou a infanta, tem posições contrárias.

» A Aizoon se beneficiou de negócios ilegais. O indiciamento sustenta que a Aizoon se beneficiou de dinheiro público do Instituto Nóos e de dinheiro privado procedente de fraude tributária e malversação. Esse dinheiro, ou parte dele, não ficou na conta da sociedade, foi destinado a gastos particulares, com possível conhecimento da origem ilícita. A infanta era titular de 50% da Aizoon e, portanto, poderia estar em condições de impedir a fraude na hora de apresentar as declarações fiscais da empresa.

» Cristina cooperou no delito fiscal. “Seria desejável que a sra. Cristina de Borbón y Grecia explicasse as motivações que a levaram a participar da constituição de uma sociedade que seu marido poderia muito bem ter constituído de uma maneira unipessoal e que, pelo menos formalmente, nunca distribuiu benefícios. Se houvesse tido algum interesse, que aliás seria legítimo e de se esperar, em conhecer qual seria o domicílio social da entidade que, com evidentes características familiares, acabara de constituir, teria comprovado que era compartilhado com a entidade Nóos Consultoria, da qual seu marido era sócio, mas neste caso com Diego Torres.” Esse é um dos argumentos do juiz para afirmar que a cooperação da filha do rei foi necessária para a criação da Aizoon e sua posterior atividade fraudulenta.

Além disso, Castro afirma que a fraude da Aizoon é imputável à pessoa jurídica, ou seja, à própria empresa, e consequentemente a seus dois proprietários. Afirma ainda que é ultrapassada a quantia mínima para a caracterização de delito. Ele sustenta que a base para calcular a fraude é maior que a utilizada pela Fazenda, já que é preciso somar todas as despesas que foram deduzidas e não eram dedutíveis.

» Lavagem para aproveitamento próprio. “O aproveitamento para gastos pessoais, em benefício próprio e de seu marido, do dinheiro obtido torna necessário que [Cristina] no mínimo dê explicações pelo suposto delito de lavagem de capitais”, afirma o juiz. Ele assinala que o Código Penal também incrimina a pessoa que “adquire, possui, utiliza, converte ou transmite bens sabendo que estes têm origem em uma atividade delitiva, cometida por ela ou por qualquer outra pessoa, ou realiza qualquer outro ato para ocultar ou encobrir sua origem ilícita, ou para ajudar a pessoa que tenha participado da infração a escapar das consequências legais de seus atos”.

» Conhecimento do destino dos fundos da Aizoon. O juiz afirma que os delitos fiscais atribuídos a Iñaki Urdangarin dificilmente poderiam ter sido cometidos sem, ao menos, o conhecimento e a concordância de sua mulher, por mais que ela tenha tido uma atitude de quem olha para o outro lado. Além disso, Cristina participou da contratação, por meio da Aizoon, de empregados domésticos em situação irregular, e com dinheiro da sociedade também foram pagas obras e reformas na residência familiar da infanta.

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