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Uma filha do rei da Espanha acusada por crime fiscal

A filha do rei foi convocada a depor em Palma de Mallorca em 8 de março Ela é acusada pelo juiz de crime fiscal e lavagem de dinheiro dos negócios do marido

Cristina chegando ao seu trabalho, em abril do ano passado.
Cristina chegando ao seu trabalho, em abril do ano passado.Andreu Dalmau (EFE)

O juiz José Castro decidiu acusar a Infanta Cristina de Borbón pelos crimes de suposta lavagem de dinheiro na gestão e administração de fundos suspeitos gerados pelos negócios sujos de seu marido Iñaki Urdangarin e contra o Tesouro público. Em um auto de 227 folhas, o magistrado convoca a filha do rei a depor no próximo dia 8 de março às 10h da manhã em Palma de Mallorca, no marco do processo por suposta corrupção do caso Urdangarin, também chamado de caso Nóos.

Nesta causa, o genro do rei Juan Carlos, Iñaki Urdangarin, e seu ex-sócio Diego Torres são investigados por desvio de fundos públicos. Ambos estão sob suspeita judicial depois de embolsarem 5,8 milhões de euros através do Instituto Nóos – sem fins lucrativos – em sua relação com os governos da Comunidad Valenciana e das ilhas Baleares, ambos do Partido Popular. O promotor anticorrupção Pedro Horrach, que não vê elementos para envolver a Infanta, pedirá mais de 12 anos de prisão para o marido dela pelos supostos crimes cometidos, entre eles os crimes fiscais.

O juiz Castro esteve nove meses dedicado de maneira quase que exclusiva na reconstrução do retrato da vida financeira e tributária de Cristina de Borbón, rastreou suas contas, cartões, faturas e gastos, as propriedades e declarações de imposto de renda. No processo, há uma biografia completa da atividade econômica particular dela entre 2002 e 2012. Em um auto de 227 folhas, o juiz sustenta que existem indícios penais suficientes para contrastar com a protagonista a versão sobre os fatos e sua suposta responsabilidade criminal.

A convocação da também duquesa de Palma – que não tem um foro especial diante dos tribunais – foi feita pelo juiz apesar da oposição aberta da Promotoria Anticorrupção, a Advocacia do Estado e o advogado de Urdangarin e seu próprio defensor. O Ministério Público e os advogados dispensam a filha do rei e defendem que ela não participava das atividades da empresa do marido e ignorava todos os detalhes financeiros. Apenas o sindicato Mãos Limpas reivindica a participação penal da filha do rei no caso.

José Castro argumentou a necessidade de investigar e tomar o depoimento de Cristina de Borbón a partir de duas reflexões: “evitar que a incógnita [sobre o papel da infanta] se perpetue” e não contradizer a máxima que estabelece que a “justiça é igual para todos”.

Se o Tribunal de Palma não bloquear a imputação e desautorizar o juiz – como já ocorreu numa primeira decisão em abril de 2013 no mesmo sentido – a Infanta Cristina deverá comparecer ao tribunal para ser interrogada em relação à gestão dos fundos de origem ilícita, provenientes dos supostos negócios ilegais do genro do rei, Iñaki Urdangarin, no Instituto Nóos. Também está sob as lupas do juiz a riqueza econômica gerada na sociedade patrimonial Aizoon, propriedade do casal Urdangarin-Bourbon.

O juiz, sobre a base de reiterados relatórios e análises que encomendou à Agência Tributária e à Polícia de Crime Econômico, fundamentou a estrutura de sua decisão com cifras e declarações.

Castro tinha duas saídas depois de esgotar suas investigações sem interrogar a investigada: envolver a filha do rei e convocá-la a depor; ou, do contrário, arquivar definitivamente a parte do processo aberta contra ela devido à inexistência de elementos para articular uma decisão.

O magistrado, por indicação do Tribunal, traçou “uma linha de investigação com tendência a declarar ou descartar a possível comissão” do crime pela gestão de bens de origem ilegal conseguidos por Urdangarin e a sociedade comum Aizoon. A Infanta e seu marido gastaram cerca de seis milhões de euros na compra de seu palacete de Pedralbes e mais de três milhões em obras e decoração. Todas as faturas e itens da reforma foram analisados pelo juiz.

A oposição do promotor

O promotor anticorrupção Pedro Horrach, que há três anos começou o caso Urdangarin com o juiz José Castro, não concorda com o critério do magistrado sobre a Infanta ao sustentar que “não há a existência de indícios incriminatórios dos quais poderiam derivar a imputação”. Além disso, Horrach indica que “não se pode imputar nem castigar ninguém pelo o que é, senão pelo o que fez” e insiste que “por sua suposta participação dos fatos criminosos e não por sua condição”. Por sua vez, o promotor geral do Estado, Eduardo Torres-Dulce, que pelo menos em meia dúzia de vezes explicou nos últimos meses que não há indícios para envolver a Infanta, rejeita um tratamento especial à filha do rei por parte do Ministério Público. “Não há nenhum tratamento privilegiado. Seria um tratamento de desfavor fazer o contrário do que alguém pensa justificadamente em Direito”, garantiu.

O chefe da Casa do Rei, Rafel Spottorno, disse em entrevista concedida à TVE há alguns dias que os três anos de instrução do caso Urdangarin foram “um martírio” devido à enxurrada de notícias. Semanas antes, o juiz Castro havia repreendido duas instâncias governamentais, a Agência Tributária e a Polícia, pela “grande demora” em emitir seus últimos relatórios encomendados sobre a Infanta e a Aizoon, o que motivava um atraso desnecessário na conclusão da investigação judicial.

Castro argumentou a necessidade de interrogar a filha do rei e refletiu que seria “uma clara contradição à prática cotidiana dos tribunais, que em casos semelhantes é muito escassamente provável que prescindissem deste trâmite”, o de não chamar a depor. Ou seja, acusá-la para interrogá-la acabaria com qualquer “sombra de suspeita” de favoritismo sobre ela. Ele já havia se manifestado desta forma em abril de 2013 em sua primeira decisão sobre a Infanta.

Embargo do palacete de Pedralbes

Em novembro, o juiz embargou a mansão de 1.000 metros quadrados em Barcelona, cuja propriedade é compartilhada em 50% cada entre a Infanta e seu marido. A casa foi posta à venda por 10 milhões de euros depois que a família foi para a Suíça. O juiz Castro bloqueou o palacete e outros 15 bens porque o genro do rei e seu ex-sócio, Diego Torres, não pagaram a fiança de responsabilidade civil, solidariamente para ambos, de 6,1 milhões.

O Tribunal reduziu a fiança inicial para não incidir duas vezes o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) , pois Urdangarin alertou à Corte que no caso de um duplo pagamento tributário ele sofreria um “empobrecimento injusto”. Segundo o Tribunal de Palma, a Aizoon era usada de fachada para lavar os fundos ilícitos ou evitar o pagamento de impostos. A Aizoon tinha sua sede no palacete, e os duques tramaram e declararam um aluguel fictício – a si mesmos – que o Tesouro rejeitou como dedução de despesas. A política examinou também as contas da reforma da mansão para saber quem e quais empresas operaram e de que maneira faturaram os trabalhos de “reabilitação, fornecimento e manutenção” da casa em Barcelona.

Aizoon, a sociedade-fachada sem estrutura

A Aizoon era a sociedade na qual o marido da Infanta Cristina colocava centenas de milhares de euros por ano – até mais de um milhão – procedentes de seus contratos com administrações públicas através do Instituto Nóos e as empresas privadas. Um relatório da Agência Tributária sinaliza que em quatro anos de atividade do Nóos (2004-2008), dos quase 10 milhões de euros conseguidos, pelo menos 6,4 milhões acabaram nas arcas de empresas privadas de propriedade de Urdangarin, de Torres ou de ambos. O Tesouro conclui que o conglomerado de empresas privadas de Urdangarin e Torres cruzava faturas “sob conceitos extremamente genéricos ou imprecisos”, por “valores redondos” e com múltiplas duplicidades em relação a fornecedores externos, assim como incongruências, inexistência dos serviços supostamente prestados e “no extremo” de falsificação material da fatura. A tese de defesa do promotor é de que a Infanta não dirigia a Aizoon, apesar de ser acionista e administradora formal, participar de seu conselho e assinar atas.

Entre 2004 e 2006, a Aizoon, empresa de Urdangarin e a Infanta, emitiu faturas a outras empresas do grupo por prestação de serviços, apesar de que naquela época carecia de “estrutura empresarial”. “O resto de entidades [do conglomerado de Urdangarin e Torres] tornam-se meros instrumentos para drenar e distribuir os recursos obtidos através do Nóos entre seus dois proprietários e líderes”.

Fora da agenda de eventos da Família Real

O genro do rei e a filha menor do monarca, a Infanta Cristina, estão fora da agenda de atividades oficiais da Família Real. Com o envolvimento de Urdangarin no caso, sua atuação foi rotulada como pouco “exemplar” pelo Palácio La Zarzuela e ele ficou fora das atividades protocolares. O ex-jogador de handebol do Barça e da seleção espanhola foi chamado a depor como acusado diante do juiz. Ele está acusado e com fiança de responsabilidade civil de 6,1 milhões de euros. Sua mulher também está afastada da agenda de atos da Casa Real, antes mesmo de se ver relacionada com as investigações do escândalo que seu marido começou a protagonizar com seu ex-sócio Diego Torres.

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