“Minha filha está presa no hospital”
Apesar de serem a minoria entre os consumidores de crack, as mulheres se viciam mais rapidamente, mas têm menos vagas de tratamento
“Minha filha está presa no hospital”, dizia Bruna, de 27 anos, desesperada, ao chegar perto dos políticos que visitavam a região da cracolândia na última quarta-feira para acompanhar a derrubada dos barracos da favelinha.
Queria ajuda para reaver a filha, nascida há uma semana, que ela não conseguiu tirar do hospital depois de dar à luz. Frequentadora da cracolândia há dois anos e moradora de um hotel da região, ela chegou ao hospital em trabalho de parto sob os efeitos do crack: não dormia havia três dias. Não tinha também seus documentos pessoais, perdidos há muito tempo. Para conseguir uma nova certidão de nascimento, teria que voltar a sua cidade natal, em Minas Gerais. “Eu só quero a minha filha. Eles me olham e me tratam como se eu fosse um monstro”, dizia ela.
Histórias como a de Bruna são comuns na região. As mulheres são o elo mais frágil na cadeia de consumo da droga. Muitas vezes, começam a usá-la estimuladas pelos parceiros e se tornam dependentes mais rapidamente. “Há uma literatura que mostra que há uma maior vulnerabilidade biológica da mulher”, conta Ronaldo Laranjeira, psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Uma pesquisa feita pela Unifesp divulgada em 2012 mostrou que, apesar de os homens serem a maioria entre os usuários de crack, entre as mulheres o índice de vício é maior. Uma das explicações é que o hormônio feminino deixa a ação da droga mais prazerosa, o que impulsiona a dependência.
Para manter o uso da droga, muitas se prostituem de forma arriscada, sem proteção. Contraem, assim, doenças infecciosas ou engravidam. Estudo feito pela Fundação Oswaldo Cruz também em 2012 mostra que 44,5% das usuárias de crack já haviam sofrido violência sexual e mais de 50% já tinham engravidado ao menos uma vez desde que começaram a usar a droga.
Apesar de serem as mais frágeis, elas são as que têm menos opções de tratamento. A Prefeitura de São Paulo oferece apenas 40 vagas, além de outras 30 para grávidas. E muitas comunidades terapêuticas, pagas pelo poder público, preferem não recebê-las especialmente se estiverem grávidas, já que não têm estrutura médica para lidar com a situação.
Há ainda outro fator que prejudica a busca por ajuda: o medo de perder a guarda dos filhos e a vergonha de se assumir dependente de uma droga considerada tão marginal.
“Usei crack até o quinto mês de gravidez”, conta P.S., 38 anos, mãe de quatro crianças que pede anonimato. Ela só procurou tratamento quando levou uma surra do ex-marido, nas ruas da cracolândia. “Tinha vergonha de procurar tratamento, de me mostrar usuária de crack quando estava grávida”, conta ela. “Há muito preconceito com quem usa crack, muita discriminação até entre os usuários de outras drogas”, diz.
Como já estava livre do uso da droga quando a filha nasceu, há quatro meses, P.S. conseguiu retirá-la do hospital. Ninguém suspeitou que ela já havia sido usuária da droga. Mas muitas mães dependentes do crack não têm a mesma sorte.
Ao perceberem que a mulher em trabalho de parto é dependente, muitos hospitais consideram que os bebês correm risco e acionam a Vara da Infância e da Juventude. Na grande maioria das vezes, a Justiça manda as crianças para abrigos temporariamente até que a mãe comprove ao juiz que buscou tratamento. Caso não consiga, pode perder para sempre a guarda do filho, que é disponibilizado para a adoção.
Já nos abrigos, as crianças sofrem discriminação dos possíveis futuros pais, que acreditam que um filho de uma usuária de crack pode ter problemas no futuro: ou apresentar sequelas neurológicas causadas pela droga ou ter tendência a se tornarem dependentes –tese que muitos especialistas refutam, já que não existem evidências científicas que a droga cause alguma das duas coisas.
O futuro da filha de Bruna, a mãe desesperada da cracolândia, agora está nas mãos da Justiça.
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