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Hiroo Onoda, o soldado japonês que não quis se render

O militar continuou emboscado em uma ilha filipina 30 anos depois de a guerra acabar Ele se alimentava de bananas e cocos. Várias expedições japonesas saíram para buscá-lo Só um antigo superior conseguiu convencê-lo a se render

Jacinto Antón
Hiroo Onoda, esquerda, com seu uniforme do Exército Imperial em 10 de março de 1974, após sua rendição, na ilha filipina de Lubang.
Hiroo Onoda, esquerda, com seu uniforme do Exército Imperial em 10 de março de 1974, após sua rendição, na ilha filipina de Lubang.JIJI PRESS (AFP)

Junto aos ataques dos pilotos camicases, as cargas suicidas da infantaria ao grito de “Banzai!” e o oficial que realiza o haraquiri com sua espada, o arquétipo popular do combatente japonês da Segunda Guerra Mundial é o soldado que se recusa a aceitar a rendição e a derrota e continua a sua luta, emboscado na selva de uma ilha perdida. Os estereótipos são apenas isso, estereótipos, e muitas das cartas privadas e testemunhos pessoais dos pilotos da tokkotai - como os japoneses chamavam os camicases – de soldados e marinheiros revelam o mesmo temor e desespero que os de quaisquer outros combatentes, independentemente da sua nacionalidade. Livros e filmes como Não deixarei os mortos, Furyo, em nome da honra ou Cartas de Iwo Jima ajudaram a mostrar essa realidade para além da visão propagandística ocidental dos “demônios amarelos” expressada nos clássicos como Um punhado de bravos e em tantos quadrinhos.

Dito isso, é verdade que alguns aspectos particulares da mentalidade japonesa, a perversa ideologia totalitária e a suposição geral entre os militares do código do bushido e a ideia de que a rendição é algo vergonhosa levaram a tremendos excessos e a uma horrível desumanização na forma de o Exército imperial fazer a guerra. Neste contexto é possível entender os casos de soldados que foram mais além do que seria aceitável ou compreensível em qualquer outro Exército (exceto, talvez, em alguns aspectos, o do Terceiro Reich), desde o suicídio, o desprezo pela vida dos prisioneiros ou situações como a de Hiroo Onoda, o militar que não depôs suas armas até quase 30 anos depois de a guerra ter terminado e que morreu na quinta-feira em Tóquio aos 91 anos.

Alguns elementos da mentalidade japonesa propiciaram tremendos excessos e uma horrível desumanização

“Era um oficial e recebi uma ordem, se eu não a tivesse cumprido, teria me envergonhado”, explicou Onoda, sobre sua atitude, em uma entrevista. A experiência de Onoda, que por outro lado é uma maravilhosa aventura em que se misturam Robinson Crusoe e a Batalha de Guadalcanal, mostra até que ponto chegou o fanatismo do soldado japonês. É difícil não sentir, contudo, paradoxalmente, certo fascínio e admiração pela tenacidade e o espírito de dedicação e resistência de homens como Onoda, últimos combatentes de uma guerra há muito tempo terminada e perdida.

Hiroo Onoda tinha 20 anos quando se alistou. Foi treinado como oficial da Inteligência (o que certamente não o ajudou a ficar sabendo logo que a guerra tinha acabado) e em dezembro de 1944 foi enviado à ilha Lubang, nas Filipinas, com ordens para fazer todo o possível para evitar sua queda em mãos inimigas. Onoda não devia sob nenhuma circunstância se render, nem se suicidar.

Quando os aliados desembarcaram, o tenente Onoda e outros três soldados se refugiaram nas montanhas e começaram sua resistência pessoal. Parte da simpatia que pode despertar o recalcitrante japonês se dissipa quando se leva em conta que em sua guerra particular de guerrilha ele e seu mini Exército mataram 30 habitantes da ilha – coisa que o tenente não considerou necessário explicar em sua autobiografia (No surrender: my thirty year war, 1974). Várias vezes Onoda e seus três irredutíveis soldados tiveram notícias de que a guerra tinha terminado, mas não acreditavam. Liam e reliam folhetos que relatavam a rendição japonesa e acabaram concluindo que se tratava de falsidades da propaganda inimiga.

A Filipinas perdoou o deslize de Onada ter matado alguns locais após o fim da guerra 

Um dos soldados se rendeu em 1950 e os outros dois foram mortos em confrontos com moradores ou com a polícia filipina. Em 1972, Onoda ficou sozinho. Ele havia sido declarado morto em 1959. Em fevereiro de 1974, o tenente teve um encontro surpreendente: ele se deparou com um viajante japonês que tinha o objetivo de encontrá-lo, um panda e um ieti, nesta ordem. Onoda disse que não se renderia até que recebesse a ordem de seu oficial superior. Assim, o governo japonês localizou o major Taniguchi e o enviou a Lubang, onde em 9 de março de 1974 Onoda finalmente se rendeu, depondo sua espada e seu rifle de ferrolho Arisaka, a arma padrão do Exército japonês, que conservava em perfeito estado de revista.

Magro, marcial e orgulhoso, Onoda voltou ao Japão e foi recebido como um herói (e recebeu todos os pagamentos em atraso!). Foi o último dos soldados japoneses encontrados ainda em serviço (embora ainda continue havendo registros de rumores de outras pessoas que podem ter sido ainda mais teimosas do que ele).

Na realidade, Onoda não foi o último. O soldado Teruo Nakamura ganhou por alguns meses. Ele foi recuperado na ilha indonésia de Morotai em 18 de dezembro 1974. Mas Nakamura, embora alistado no Exército Imperial, nasceu em Taiwan e era membro do povo Amis, por isso os japoneses costumavam não considerá-lo. Além disso, não era oficial.

Onoda, perdoado pelo presidente Marcos das Filipinas pelo deslize de ter matado alguns civis após o término da guerra, não se sentia confortável no Japão moderno e imigrou para o Brasil, onde se dedicou à criação de gado. Posteriormente, ele voltou ao seu país e criou escolas de natureza para jovens. Tinha experiência, sem dúvida: sua estada em Lubang é um excelente exemplo das primeiras técnicas de sobrevivência.

Ele se alimentava principalmente de bananas cozidas e de cocos, além do arroz que podia roubar das populações vizinhas. De vez em quando caçava uma vaca e secava a carne. Manteve seu boné e uniforme com mil remendos, e fabricava sandálias. Curiosamente conservou uma saúde quase perfeita. Só teve que ficar de cama uma vez em trinta anos. Escovava meticulosamente os dentes e não perdeu nenhum deles. De fato, um fuzileiro naval veterano da campanha do Pacífico, que ressaltou que havia gastado a maior de seu patrimônio em dentistas, disse que não tinha muito o que admirar em Onoda, mas esperava que pudesse aprender alguma coisa com a dentição dele.

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