_
_
_
_

Um grupo de crianças bloqueia a lei que limita o trabalho infantil na Bolívia

O presidente Evo Morales adia a aprovação da norma depois de reunir-se com trabalhadores menores de idade

O presidente Evo Morales, no sábado passado.
O presidente Evo Morales, no sábado passado.Yan Yan (AP)

Nenhum deles havia sequer imaginado conhecer a Casa do Governo e, muito menos, tomar o café da manhã com o chefe do Estado Plurinacional da Bolívia. No entanto, diante do grupo de jovens estava Evo Morales, com caneta e caderno, como aluno aplicado, para anotar o argumentos dos menores a favor do trabalho infantil e juvenil.

Na segunda-feira bem cedo, um pouco mais de 30 crianças e adolescentes, com o rosto brilhando e o cabelo bem penteado, mas de mãos ressecadas, olhavam ainda com surpresa para o presidente e o lugar onde se encontravam: a sala de refeições do Palácio Quemado.

Apenas três dias antes, a polícia havia lançado gás lacrimogêneo para dispersá-los quando tentavam realizar uma manifestação diante da Assembleia Legislativa, o que provocou uma onda de críticas e condenações de cidadãos à Unidade Tática de Operações da Polícia. Os jovens pediam diálogo com os membros da Assembleia para discutir o projeto de lei que limita o trabalho infantil, mas a polícia os bloqueou.

Morales disse, no final do café da manhã, que o trabalho das crianças e jovens não pode ser eliminado, embora isso não signifique que se vá permitir que sejam explorados. “Eliminar o trabalho infantil é eliminar a consciência social”, declarou o presidente.

A União de Crianças e Adolescentes Trabalhadores da Bolívia rejeitou o projeto do Código da Infância e Adolescência, que pretende proibir o trabalho de menores de 14 anos, com a finalidade de garantir aos pequenos o direito de estudar, divertir-se e ter acesso aos serviços de saúde, entre outros. A aspiração é louvável, mas não tem relação com a dramática realidade em que vive um numeroso grupo de bolivianos, obrigado a sair às ruas – ou viver nelas – para levar algo à boca dos filhos.

O trabalho infantil não pode ser eliminado por lei porque, “como dizem as crianças, será criado o trabalho clandestino”, declarou Morales ao comentar que os menores citaram casos concretos. O de um menino pequeno de 14 anos, por exemplo, que sustenta a irmãzinha: “Meu pai nos abandonou.” Ou os órfãos que vivem com a avó e têm de sair em busca de meios de sustentar todos no núcleo familiar.

“Outro menino viciado em cola me disse: ‘eu me reabilitei com meu trabalho’ e, outro órfão pergunta: ‘se não trabalho, quem vai me manter?’, contou o presidente Morales depois do contato com os representantes das crianças trabalhadoras.

O Ministério do Trabalho divulgou um estudo sobre esse segmento da população que está plenamente incorporado à força de trabalho do país. São 848.000 meninos e meninas, com idades entre 5 e 14 anos, que trabalham no país, muitos deles em dezenas de atividades consideradas perigosas para menores de idade.

Um estudo menciona que há crianças trabalhando na safra de cana e de castanha amazônica, na mineração, fabricação de tijolos, pesca, coleta de lixo, limpeza de hospitais, venda de bebidas alcoólicas e comércio noturno nas ruas, guardador de carros, e também como operários da construção civil ou de marcenarias, entre outras atividades.

Uma usina de açúcar acaba de concluir sua produção, a primeira em que nenhum menor participou da safra, como uma forma de mostrar preocupação social com o trabalho arriscado dos menores na colheita de cana.

No setor da mineração muitos jovens se veem obrigados a herdar o trabalho dos pais falecidos para manter a família, outros passam horas na água, empenhados na busca de ouro nos rios do norte do país.

Tanto o estudo do Ministério do Trabalho como o do Centro Boliviano de Ação Educativa e Pesquisa, que elaborou um relatório para a Organização Internacional do Trabalho (OIT) como parte do dia dedicado ao trabalho infantil e juvenil, coincidiram em destacar que a precária situação dos pequenos trabalhadores tem origem na pobreza, desintegração familiar, abandono, falta de emprego para os adultos da família e, também, na irresponsabilidade dos pais.

O governo do presidente Morales reduziu os índices de pobreza de forma significativa, reconheceu a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), mas ainda há muito por fazer para a população juvenil. Segundo esse mesmo órgão, 88% das crianças e jovens que trabalham recebem pouco mais de 1 dólar por dia e as condições de trabalho são deploráveis, conforme o relatório da Defensoria do Povo, de 2013, observando que 6 de cada 10 não encontram melhor serviço por falta de capacitação técnica ou de apoio à suas iniciativas.

A Assembleia Legislativa Plurinacional decidiu deixar esse código em suspenso até janeiro e mostrou disposição de dialogar com as crianças e jovens trabalhadores para debater o projeto de lei que, para a União Nacional e o Movimento Departamental de Crianças em situação de rua, não lhes favorece de modo algum.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_