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Análise
Exposição educativa de ideias, suposições ou hipóteses, baseada em fatos comprovados (que não precisam ser estritamente atualidades) referidos no texto. Se excluem os juízos de valor e o texto se aproxima a um artigo de opinião, sem julgar ou fazer previsões, simplesmente formulando hipóteses, dando explicações justificadas e reunindo vários dados

Um murro na mesa

Cansado de buscar consenso, Obama provocou uma mudança nas regras de jogo que tira considerável poder da oposição no Senado

Antonio Caño

A medida drástica adotada pelos democratas no Senado de reduzir a capacidade de bloqueio da minoria é um murro a mesa de Barack Obama em um momento em que sua presidência estremece e sua autoridade é posta em dúvida por todos os lados.

Cansado de buscar consenso e de tentar uma aproximação com os republicanos dia após dia, lei após lei durante cinco anos, Obama decidiu o que ninguém esperava: uma mudança nas regras do jogo que tira considerável poder da oposição no Senado. Também deixa claro a todos – essa é a intenção, ao menos- quem manda ainda nesta cidade.

Obama pode ser criticado por atuar como os maus perdedores, que mudam as regras a metade do partido. Inclusive pode-se-lhe acusar de ter violado o espírito fundacional desta democracia

Trata-se de um passo arriscadíssimo. Qualquer mudança na forma em que o sistema político norte-americano funcionou durante décadas é. Obama pode ser criticado por atuar como os maus perdedores, que mudam as regras no meio do jogo metade. Inclusive pode ser acusado de ter violado o espírito fundamental desta democracia. Mas é evidente que precisava fazer algo, e algo grande, para pôr fim a essa sensação de morte prematura na que caiu sua gestão.

O líder republicano no Senado, Mitch McConnell, em seguida acusou seus rivais e a Casa Branca de ter provocado uma manobra de distração para evitar que o debate entre a opinião pública seguisse focado no desastre da reforma do sistema de saúde. Obama, por sua vez, tem recriminado a oposição por utilizar o regulamento do Congresso para quebrar a vontade popular, que o elegeu, e não a outro, como presidente há menos de um ano.

Obama, provavelmente, era consciente de que esse passo tinha que ser dado agora ou nunca. Não só porque agora ainda está em tempo de salvar sua presidência, mas porque está já a ponto de perder o apoio que precisa do seu próprio partido para uma aventura igual a essa.O debate da reforma está minando as possibilidades eleitorais dos democratas, que cada vez mais se sentem menos à vontade ao lado do presidente.

São muitos os norte-americanos que ainda esperam ver outra versão de Obama, um lado mais enérgico, mais firme, mais combativo

No entanto, comandado por um de seus principais aliados no Capitólio, o senador Harry Reid, e por uma base ainda fiel, Obama demonstrou conservar a autoridade suficiente para enfrentar esse inesperado desafio.

Para defender esse passo, Obama teve que recorrer a uma redefinição das normas do sistema político norte-americano. A Costa Leste dos EUA segue sendo formalmente o império das maiorias, recordou Obama nesta quinta-feira. Mas a realidade, acrescentou ele, é que “o voto majoritário não serve já nem para cumprir com as mais elementares tarefas diárias de governo”.

O presidente sabe que, a partir de agora, não poderá contar para nada com os republicanos, o que, seguramente, condenará a reforma da imigração –que ainda está pendente de votação na Câmara de Representantes- ao ostracismo. Obama pode ser esquecer também qualquer colaboração para fechar Guantánamo, negociar com o Irã ou para um plano mais ambicioso contra a mudança climática. Mas o cálculo que ele deve ter feito é o de que importa isso, já que também não contava com essa colaboração quando vestia pele de cordeiro.

Obama conseguiu confundir aos republicanos, que agora estão obrigados a ceder ou a jogar mais forte ainda, o que só os levaria a uma maior e mais impopular radicalización

Nesta quinta-feira o presidente mostrou suas garras de lobo. Várias organizações sociais próximas à esquerda manifestaram rapidamente seu entusiasmo. São muitos os norte-americanos que ainda esperam ver outra versão de Obama, seu lado mais enérgico, mais firme, mais combativo.

O tempo vai dizer se o gesto desta quinta-feira é um avanço de novas ações audazes da parte da Casa Branca ou se é uma mera tática intimidatória. Depois do visto nos últimos cinco anos, é difícil imaginar um Obama diferente. Mas, por enquanto, Obama conseguiu confundir os republicanos, que agora estão obrigados a ceder ou a jogar mais forte ainda, o que só os levaria a uma maior e mais impopular radicalização.

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