Cunha adia decisão de impeachment para que oposição reforce pedido
Opositores vão incluir argumento de que pedaladas foram adotadas também em 2015 Em vitória do Governo, STF impede manobra de Cunha que facilitaria abertura do processo
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, decidiu adiar a decisão do principal pedido de abertura impeachment contra Dilma Rousseff. A atitude foi tomada, segundo ele, a pedido da própria oposição, que quer juntar ao pedido original o adendo de que a presidenta continuou com as chamadas pedaladas fiscais, manobras contábeis que desequilibraram as contas públicas, no ano de 2015. Essa prática caracterizaria crime de responsabilidade fiscal no atual mandato, um pré-requisito para a saída de Rousseff do cargo. O processo, portanto, ganharia assim mais embasamento jurídico para ser aberto, o que complica a situação da presidenta.
O Governo, entretanto, recebeu um alento nesta terça-feira. O Supremo Tribunal Federal decidiu favoravelmente a dois mandados de segurança que impossibilitam uma manobra planejada por Cunha, segundo apontavam os jornais brasileiros. Segundo o STF, Cunha terá que tomar uma decisão definitiva sobre os pedidos de abertura de impeachment feitos pela oposição (arquivar ou não). Não poderá arquivá-lo para que a oposição recorra no Plenário precisando apenas dos votos da maioria simples dos deputados (257 dos 513). Apontava-se que essa era uma das intenções do presidente da Câmara para evitar o desgaste que a decisão poderia causar e também facilitar a abertura, pois caso Cunha acate o pedido diretamente, a oposição precisará de dois terços do Plenário (342) para aprovar a saída de Rousseff. A decisão tem caráter liminar e cabe recurso. Os ministros ainda terão que se pronunciar definitivamente, mas não há prazo para que isso ocorra.
Em ação coordenada com o Governo, deputados da base aliada entraram com os pedidos de liminares no Supremo. O do deputado Wadih Damous (PT-RJ) recebeu decisão favorável do ministro Teori Zavascki; o de Paulo Pereira Júnior (PC do B-MA), da ministra Rosa Weber.
As liminares se baseiam em questões internas da Câmara que previam quais os ritos seriam adotados por Cunha no caso de um pedido de impeachment ser acatado. Cunha havia estabelecido o seguinte ritual: caso alguém não concordasse com sua decisão (de aceite ou não do impeachment) um deputado poderia recorrer ao plenário que, com uma maioria simples, conseguiria alterar a definição. Ou seja, ele estabeleceu como funcionaria o processo, antes de um fato consumado. Por não concordarem com essa questão, Zavascki e Weber suspenderam esse ritual criado pelo deputado.
Nos bastidores, Cunha avaliou que a ação não deve interferir diretamente nos pedidos de destituição de Dilma Rousseff. Até por isso, ele aceitou o pedido da oposição de não tomar nenhuma decisão antes do adendo das pedaladas de 2015.
Já o Governo disse que está aberto ao diálogo, negou que tenha solicitado que seus aliados entrassem com ações judiciais e que entende que nenhum pedido de impeachment irá prosperar sem um fato jurídico. “O Brasil não pode resolver suas questões políticas com uma ruptura institucional”, afirmou o ministro da Secretaria da Comunicação Social, Edinho Silva.
Essa foi a primeira vitória, ainda que parcial, do Governo na guerra do impeachment. Até o momento, porém, o cenário é de mais perguntas do que respostas.
Cunha se segura no cargo por um fio depois de terem se tornado públicos os documentos enviados pela Suíça que comprovam que as quatro contas da família dele no país teriam sido alimentadas por verba desviada de um contrato de 34,5 milhões de dólares da Petrobras em Benin, na África. Neste sábado, líderes da oposição, incluindo os do PSDB e do DEM, assinaram uma nota pedindo o afastamento dele do cargo.
A jogada da oposição trouxe ainda mais dúvidas para cenário. Seria apenas um posicionamento burocrático dos parlamentares para passar a imagem de que seus partidos não toleram a corrupção? A intenção seria a de chantagear o presidente e pressioná-lo a aceitar o pedido de impeachment rapidamente? Ou tudo faria parte dessa encenação maior em que Cunha aceitaria o pedido de abertura do processo de afastamento da presidenta e, logo em seguida, renunciaria? Nesta última hipótese, a carta da oposição seria importante para mostrar que ele se afastou por pressão destes parlamentares e não dos deputados de esquerda que fizeram o mesmo pedido semana passada. Com o acordo, ele teria a garantia da oposição de que não perderia o mandato e garantiria o foro privilegiado que evitaria sua prisão por envolvimento na Lava Jato.
Cunha já afirmou que só aceitaria o pedido de impeachment caso ele tivesse embasamento técnico. Isso é importante, inclusive, para evitar que haja questionamentos jurídicos posteriores. Para isso, seria necessário que as eventuais irregularidades de Rousseff tivessem sido cometidas no atual mandato, iniciado em 2015. Por isso, a oposição pediu o prazo para acrescentar ao principal pedido de impeachment, feito pelo jurista e ex-petista Helio Bicudo, o argumento de que as pedaladas fiscais, que levaram à condenação do Governo de Rousseff no Tribunal de Contas da União na semana passada teriam acontecido também em 2015. A tese foi favorecida, também no final da semana passada, quando o procurador Júlio Marcelo de Oliveira, que atua no TCU, pediu a abertura de uma representação no tribunal alegando que as pedaladas ocorreram no primeiro semestre deste ano –segundo ele, o Governo atrasou o pagamento de 40 bilhões para os pagamento de programas assistenciais, o que levou os bancos públicos a arcarem com a dívida e cobrarem juros dos cofres federais, segundo O Estado de S. Paulo. Nesta terça, Cunha afirmou que todos os outros pedidos de abertura de impeachment (são dez, no total) serão arquivados.
A dúvida que resta é: seria interessante para Cunha, neste momento em que precisa de todo o apoio que conseguir, deixar claro seu rompimento com Rousseff ao adotar uma postura de enfrentamento tão clara como essa? Ele poderia preferir optar por uma tática de menos confronto na tentativa de manter um eventual apoio de petistas?
A avaliação do Governo é que se o processo de impeachment for aberto, muito pouco poderá ser feito para barrar a saída da presidenta. Com o processo de impeachment aberto, uma comissão para avaliar as irregularidades é formada e, depois de os trabalhos serem concluídos, o pedido volta para a apreciação do Plenário que votará a favor ou não da saída de Rousseff do cargo. Para aprovar o impeachment, a oposição precisará de maioria qualificada (o voto de dois terços da Casa, ou seja, de 342 deputados favoráveis). Mas se o Supremo decidir que a manobra de Cunha e a oposição de deixar que o plenário faça o pedido depois que Cunha 'negue' aceitá-lo, seriam necessários apenas 257 deputados para aprovar o impedimento do Governo Dilma.
Em qualquer dos dois casos, a situação de Rousseff se complica muito porque nada garante que os 180 deputados hoje fiéis ao Governo, na avaliação do PT, permanecerão ao lado dela. Primeiro porque a pressão popular pode mudar alguns votos. Segundo porque eles podem passar a exigir ainda mais cargos para manter o apoio e ela acabou de realizar uma reforma ministerial para aplacar as chantagens dos aliados.
Se passar pela Câmara, a avaliação do impeachment segue para o Senado, onde ela tem como aliado o presidente Renan Calheiros e uma base aliada menos volátil. Mas se a decisão final chegar a esta Casa, dificilmente ela negará a saída de Rousseff porque a pressão popular será insustentável, avaliam especialistas.
Enquanto a oposição arma seu ataque neste momento decisivo, o Governo prepara sua defesa.
Nesta segunda, Rousseff uniu os principais ministros para avaliar como será o contra-ataque na Câmara. A presidenta também armou uma equipe de juristas renomados para rebater os argumentos pró-impeachment. O argumento será que, em qualquer das hipóteses, a abertura de um pedido de impeachment só poderia ser feita com a aprovação da maioria qualificada da Casa.
Rousseff teria ainda uma outra possibilidade para se salvar, mas de enormes custos políticos. Seria a de tentar interferir para que as investigações contra Cunha tomem rumos mais amenos. Na última quarta-feira, o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, se reuniu com Cunha numa tentativa de reaproximação, segundo os jornais. Para salvar Rousseff, Cunha poderia evitar qualquer decisão sobre os pedidos de impeachment. Por outro lado, o presidente da Câmara enfrentaria a fúria da oposição, que faria de tudo para retirá-lo do cargo, com o apoio da opinião pública.
A avaliação da oposição é de que se o processo de impeachment não ocorrer agora, não deve acontecer mais, já que ele se estenderia até depois do recesso de final de ano da Casa e, no ano que vem, as articulações políticas começam a se movimentar por causa das eleições municipais.
Enquanto os analistas já dão como certa a queda de Cunha, o que resta saber agora é: para qual lado ele vai pender?
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