_
_
_
_
_

“Uma Mercedes não é mais dona de uma rua que uma bicicleta”

Para o político colombiano, resolver o trânsito requer decisões "impopulares"

Marina Rossi
O ex-prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa.
O ex-prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa.Colin Hughes/Flickr

Quando foi prefeito de Bogotá, entre os anos de 1998 e 2001, Enrique Peñalosa foi responsável pela implementação de 300 quilômetros de ciclovias pela cidade. Hoje a capital colombiana tem cerca de 392 quilômetros e tornou-se referência internacional em mobilidade, com diversos prêmios internacionais conquistados nos últimos anos. Conhecido por seu discurso a favor das bicicletas e à restrição ao uso de carros nos grandes centros, Penãlosa estará no Brasil no dia 09 de setembro para participar da Cúpula dos Prefeitos, no Rio de Janeiro.

Em entrevista ao EL PAÍS, concedida por telefone, o político da Aliança Verde falou sobre os incentivos ao uso das bicicletas - e suas críticas - em São Paulo, os problemas de mobilidade e trânsito na cidade e quais seriam as possíveis soluções.

Pergunta. O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, tem sido muito criticado pela maneira como está implementando corredores de ônibus e ciclovias. Como fazer mudanças em uma cidade e, ao mesmo tempo, sobreviver às críticas?

Resposta. Creio que a mudança é sempre difícil. Ao menos as mudanças boas. A responsabilidade de um governante não é sair bem nas pesquisas, mas sim frente à história e ao futuro. Um governante responsável tem que tomar decisões impopulares que só são compreendidas muito mais tarde. O recurso mais valioso que uma cidade tem é o espaço entre os edifícios, ou seja, as ruas. E esse recurso não pertence mais a uma Mercedes do que a uma bicicleta. Não importa se é um menino de 10 anos ou um milionário de 50 anos em um carro de luxo. Então como distribuir o espaço das ruas entre pedestres, ciclistas, ônibus e automóveis? Quem decidiu que se deveria dar mais espaço aos estacionamentos dos carros do que às calçadas e às ciclovias?

P. Bom, um sistema capitalista funciona assim...

R. Não. Hoje, a diferença das cidades avançadas em termos de infraestrutura e transporte não é que tenham metrô ou vias, mas a qualidade das calçadas. Ter boas calçadas é um direito. Ao mesmo tempo em que ter vias em São Paulo que não tenham espaço para ônibus é algo antidemocrático. Mesmo se houver metrô em cima da terra, deveria haver linhas de ônibus ou VLT em cima.

Mais informações
Justiça acata pedido e paralisa construção de ciclovias em São Paulo
Em dia de ‘bicicletaço’, Justiça derruba liminar contra ciclovias
Mais tempo no ônibus que no trabalho
São Paulo, onde o carro é mais lento que o lento transporte público
Por que andar de ônibus no Brasil não é politicamente correto?
Bicicleta ganha espaço nas ruas da América Latina
Da Paulista a Santa Cecília: pedale e encontre boa música e comida
Paris, onde o chefe te paga para ir de bicicleta

P. Uma das críticas a Haddad é que a Prefeitura está implementando ciclovias em locais que são pouco utilizados por ciclistas.

R. O cidadão que usa bicicleta está ajudando a cidade para que ela tenha menos tráfego e menos poluição. Em Bogotá, 600.000 pessoas usam bicicletas todos os dias. Não temos o dilema do ovo e da galinha: Aqui, primeiro deve haver ciclovias protegidas para, depois, surgirem os ciclistas. Havia uma ciclovia em Bogotá que ninguém usava. Agora, há congestionamento. Implementar ciclovias é um experimento que vale a pena fazer e que no começo pode ser difícil, mas acho que São Paulo tem uma grande vantagem que é ter um clima muito amável, não faz frio como na Suécia e no verão não faz um calor de 50 graus. Então imagine uma cidade de São Paulo onde dois milhões de pessoas andem de bicicleta. Seria uma cidade alegre, sensual, segura, com menos crime. Creio que seja preciso criar espaço em todas as ruas para as bicicletas.

P. O senhor acha então que é uma questão de costume?

R. Quando eu era estudante em Paris, e isso já faz muito tempo, ninguém usava bicicleta. Hoje, a meta de Paris é que em cinco anos, 20% da população ande de bicicleta. Isso em Paris, que tem um sistema de transporte público muito bom.

P. Então uma solução seria restringir o uso do carro?

R. As novas obras urbanísticas de São Paulo propõem restringir o estacionamento nos edifícios [segundo as regras do novo Plano Diretor da cidade]. Mas é preciso limitar o estacionamento nos escritórios e não nas casas. As pessoas podem ter carros, embora eu ache que no futuro elas não vão querer tê-los, já que cada vez os carros são menos símbolo de status. Ter 10 carros é como ter 10 pianos: O problema não é ter, é usar. Então, a questão é restringir os estacionamentos nos lugares de destino, como os escritórios e centros comerciais. Não nas casas. É preciso restringir o uso e não a aquisição do carro. O transporte massivo tampouco resolve o problema do trânsito. Ele contribui com a mobilidade.

P. Então como reduzir, efetivamente, o engarrafamento?

R. A única maneira de reduzir o engarrafamento é restringindo o uso de carro, com os rodízios, por exemplo. Quando implementamos o rodízio em Bogotá, eram dois dias por semana de restrição. Agora são três.

P. E como é o trânsito em Bogotá agora?

R. Terrível.

P. Mas qual é a solução então?

R. Aqui é preciso ter mais VLT, mais metrôs e restringir ainda mais o uso dos carros. São duas coisas distintas: trânsito e mobilidade. Para resolver a mobilidade, é preciso investir nos meios de transporte coletivos, no metrô e no uso da bicicleta. Já o trânsito, só é possível ser resolvido com restrições ao uso do carro.

P. Dizer a um cidadão que ele não pode usar seu próprio carro não é uma medida radical?

R. É preciso tomar medidas radicais. Diversas medidas que os governantes têm que tomar incomoda muito uma minoria, que protesta muito. E os que se beneficiam, que são aqueles que usam ônibus e bicicletas, não agradecem. Então é muito difícil. Haddad tem que tomar decisões impopulares, pensando na maioria que não vai agradecê-lo.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_