_
_
_
_

Mais tempo no ônibus que no trabalho

Cerca de 25 horas são perdidas, por semana, se locomovendo em São Paulo

Marina Rossi
Gildete, saindo de casa, com o nascer do sol.
Gildete, saindo de casa, com o nascer do sol.Victor Moriyama

No bairro Jardim da Alegria, na cidade de Francisco Morato na Grande São Paulo, (a 60 quilômetros da capital), a diarista Gildete Carvalho de Sousa, de 46 anos, sai de casa todos os dias com o nascer do sol. São 6h15 da manhã quando ela deixa os dois filhos adolescentes em casa e começa a via sacra até o trabalho.

Da casa dela até o ponto de ônibus são 10 minutos de caminhada. Ali, o ônibus passa de oito em oito minutos. “É rapidinho”, diz ela. Gildete conta que a ida ao trabalho é mais tranquila que a volta, quando os ônibus e trens costumam estar mais cheios. “Quando chove, a rua por onde o ônibus passa aqui no bairro enche de água. E não dá para atravessar”, diz. “Aí não tem outra solução senão esperar a água baixar”. Essa espera pode levar uma, até duas horas, segundo ela.

Seguindo o trajeto para o trabalho, de ônibus ela vai até a estação de trem de Baltazar Fidélis, na linha 7 - Rubi, onde chega em 20 minutos. Ali, o primeiro macete para encarar uma longa viagem: Gildete precisa ir em direção à estação da Lapa, seu destino, na zona oeste de São Paulo. Mas invés disso, ela vai para a direção oposta. Anda uma estação e para no ponto final da linha do trem, na estação de Francisco Morato. Lá, muita gente desce do trem, e ela aproveita o vagão mais vazio para se sentar. Como é o ponto final, dali o trem parte para a direção correta que Gildete tem que ir. Ela usa essa estratégia para poder viajar sentada, já que o caminho é longe. Sua profissão, diarista, já exige que ela passe o dia todo de pé.

O segundo macete dela é sentar nos vagões das pontas. “Nunca me sento nos vagões do meio”, conta. “É onde os assaltos mais ocorrem. Outro dia, mesmo três meninos assaltaram um monte de gente aqui. O trem teve que parar por um tempão, até a polícia conseguir pegar os ladrões”, diz. Fatos como esse, usuais no transporte público, podem acrescentar até 40 minutos no tempo total que ela gasta para chegar ao trabalho.

Mais informações
As passagens de ônibus custam 20% do salário de um trabalhador
“O que está em debate em São Paulo é a estupidez do automóvel”
Vale a pena migrar para o Bilhete Único Mensal em São Paulo?
“Não adianta ter ônibus rodando se você não tem 3,50 para pagar”
“Não aumentar a tarifa de ônibus seria demagogia, puro eleitoralismo”
Os latino-americanos perdem até quatro horas diárias em engarrafamentos
São Paulo, onde o carro é mais lento que o lento transporte público

No trem, Gildete vai contando que o tempo gasto no trajeto para o trabalho ou para a escola castiga toda a família. Sua filha, Dara de Sousa Guanais, de 18 anos, estudava até o ano passado em uma escola em Jundiaí, onde cursava um colégio técnico gratuito. “Ela gastava seis horas por dia para ir e voltar”, diz Gildete. “Passava mais tempo no trajeto do que na escola”.

Passadas dez estações e cerca de uma hora e meia depois, Gildete chega na Lapa. Ali, sai da estação de trem e vai até o ponto de ônibus, bem em frente, onde espera pela terceira condução do dia: mais um ônibus. “Às vezes passa rápido, às vezes demora até 40 minutos para passar”, conta. Somados, o tempo de espera e o trajeto no ônibus podem ultrapassar uma hora e meia.

Gildete conta que não usa o bilhete único mensal, que custa 230 reais e dá direito a viagens ilimitadas ao longo de um mês em trens, ônibus e o metrô de São Paulo. “Não sei o quanto gasto por mês com passagem. Prefiro nem saber", brinca. "Então não sei se vale a pena comprar o bilhete”. A passagem de ônibus, trem e metrô em São Paulo custa 3,50 reais. Além dos cálculos, porém, há um empecilho que faz com que Gildete não use o bilhete mensal: a dificuldade de solicitá-lo. “Para fazer o bilhete é difícil, sei que uma parte do cadastro é pela internet, mas depois tenho que pegar a maior fila para buscar e não é em um terminal específico, não é no mais perto da minha casa”, conta, enquanto sai da estação da Lapa e vai até o ponto de ônibus.

Quase duas horas e meia depois, Gildete chega no seu destino final: o bairro da Pompéia. Como é diarista, cada dia da semana ela vai para um endereço diferente. Por sorte, a maioria deles tem o mesmo tempo distância, já que ficam quase todos na mesma região. O tempo gasto para chegar a um endereço já fez com que ela abrisse mão do trabalho. "Eu demorava mais de três horas para chegar, porque além dos ônibus e do trem, ainda tinha que pegar o metrô", conta. “Era muito longe para mim”, disse.

As horas que Gildete gasta se locomovendo, se somadas durante uma semana inteira, chegam cerca de 25. Ou seja, a cada cinco dias, Gildete perde um inteiro no transporte público. Mas ela não se queixa. “Aqui ninguém reclama”, diz. “Não temos tempo para isso”.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_