Mais tempo no ônibus que no trabalho
Cerca de 25 horas são perdidas, por semana, se locomovendo em São Paulo
No bairro Jardim da Alegria, na cidade de Francisco Morato na Grande São Paulo, (a 60 quilômetros da capital), a diarista Gildete Carvalho de Sousa, de 46 anos, sai de casa todos os dias com o nascer do sol. São 6h15 da manhã quando ela deixa os dois filhos adolescentes em casa e começa a via sacra até o trabalho.
Da casa dela até o ponto de ônibus são 10 minutos de caminhada. Ali, o ônibus passa de oito em oito minutos. “É rapidinho”, diz ela. Gildete conta que a ida ao trabalho é mais tranquila que a volta, quando os ônibus e trens costumam estar mais cheios. “Quando chove, a rua por onde o ônibus passa aqui no bairro enche de água. E não dá para atravessar”, diz. “Aí não tem outra solução senão esperar a água baixar”. Essa espera pode levar uma, até duas horas, segundo ela.
Seguindo o trajeto para o trabalho, de ônibus ela vai até a estação de trem de Baltazar Fidélis, na linha 7 - Rubi, onde chega em 20 minutos. Ali, o primeiro macete para encarar uma longa viagem: Gildete precisa ir em direção à estação da Lapa, seu destino, na zona oeste de São Paulo. Mas invés disso, ela vai para a direção oposta. Anda uma estação e para no ponto final da linha do trem, na estação de Francisco Morato. Lá, muita gente desce do trem, e ela aproveita o vagão mais vazio para se sentar. Como é o ponto final, dali o trem parte para a direção correta que Gildete tem que ir. Ela usa essa estratégia para poder viajar sentada, já que o caminho é longe. Sua profissão, diarista, já exige que ela passe o dia todo de pé.
O segundo macete dela é sentar nos vagões das pontas. “Nunca me sento nos vagões do meio”, conta. “É onde os assaltos mais ocorrem. Outro dia, mesmo três meninos assaltaram um monte de gente aqui. O trem teve que parar por um tempão, até a polícia conseguir pegar os ladrões”, diz. Fatos como esse, usuais no transporte público, podem acrescentar até 40 minutos no tempo total que ela gasta para chegar ao trabalho.
No trem, Gildete vai contando que o tempo gasto no trajeto para o trabalho ou para a escola castiga toda a família. Sua filha, Dara de Sousa Guanais, de 18 anos, estudava até o ano passado em uma escola em Jundiaí, onde cursava um colégio técnico gratuito. “Ela gastava seis horas por dia para ir e voltar”, diz Gildete. “Passava mais tempo no trajeto do que na escola”.
Passadas dez estações e cerca de uma hora e meia depois, Gildete chega na Lapa. Ali, sai da estação de trem e vai até o ponto de ônibus, bem em frente, onde espera pela terceira condução do dia: mais um ônibus. “Às vezes passa rápido, às vezes demora até 40 minutos para passar”, conta. Somados, o tempo de espera e o trajeto no ônibus podem ultrapassar uma hora e meia.
Gildete conta que não usa o bilhete único mensal, que custa 230 reais e dá direito a viagens ilimitadas ao longo de um mês em trens, ônibus e o metrô de São Paulo. “Não sei o quanto gasto por mês com passagem. Prefiro nem saber", brinca. "Então não sei se vale a pena comprar o bilhete”. A passagem de ônibus, trem e metrô em São Paulo custa 3,50 reais. Além dos cálculos, porém, há um empecilho que faz com que Gildete não use o bilhete mensal: a dificuldade de solicitá-lo. “Para fazer o bilhete é difícil, sei que uma parte do cadastro é pela internet, mas depois tenho que pegar a maior fila para buscar e não é em um terminal específico, não é no mais perto da minha casa”, conta, enquanto sai da estação da Lapa e vai até o ponto de ônibus.
Quase duas horas e meia depois, Gildete chega no seu destino final: o bairro da Pompéia. Como é diarista, cada dia da semana ela vai para um endereço diferente. Por sorte, a maioria deles tem o mesmo tempo distância, já que ficam quase todos na mesma região. O tempo gasto para chegar a um endereço já fez com que ela abrisse mão do trabalho. "Eu demorava mais de três horas para chegar, porque além dos ônibus e do trem, ainda tinha que pegar o metrô", conta. “Era muito longe para mim”, disse.
As horas que Gildete gasta se locomovendo, se somadas durante uma semana inteira, chegam cerca de 25. Ou seja, a cada cinco dias, Gildete perde um inteiro no transporte público. Mas ela não se queixa. “Aqui ninguém reclama”, diz. “Não temos tempo para isso”.
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