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Tribunal na Holanda decide que cantadas e assobios ofensivos são liberdade de expressão

Homem multado em 200 euros por importunar mulheres denunciou a Prefeitura de Roterdã, e o Tribunal de Apelação lhe deu razão

Isabel Ferrer
Reprodução de cartaz de uma campanha da Prefeitura de Sevilha (Espanha) contra o assédio.
Reprodução de cartaz de uma campanha da Prefeitura de Sevilha (Espanha) contra o assédio.

As cantadas e os assobios ofensivos ou de tom sexual em espaços públicos fazem parte da liberdade de expressão, protegida pela Constituição holandesa, e as normas municipais não podem proibi-los. Somente uma lei aprovada pelo Parlamento seria válida para evitar esse tipo de assédio verbal. Foi o que concluiu nesta quinta-feira o Tribunal de Apelação da cidade holandesa de Haia, numa decisão que contradiz as diretrizes estabelecidas em 2017 e 2018 pelos Governos municipais de Amsterdã e Roterdã para frear a intimidação sexual verbal na Holanda. No ano passado, Everon el F., de 36 anos, morador da cidade portuária, foi o primeiro a ser punido no país por importunar um grupo de mulheres. Ele recebeu uma multa de 200 euros (900 reais), que já não precisa ser paga.

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A sentença acaba de ser proferida em apelação em virtude do caso de Everon el F. Em 2018, o Ministério Público de Roterdã pediu 340 euros (1.530 reais) de multa porque, como ficou provado, o homem perseguiu um grupo de mulheres em duas ocasiões com frases do tipo: “Oi, meninas. Vocês são bonitas. O que estão fazendo? Puxa, já vai? Ei, linda, você é muito atraente”. Depois ele se sentou ao lado delas e mandou beijos com as mãos. As mulheres o denunciaram e, durante o julgamento, ele disse que era solteiro e que “eram apenas elogios sem má intenção; não sabia que eram um crime”.

Os promotores remeteram o processo ao Tribunal de Apelação de Haia para se certificarem de que tinha fundamento jurídico. Os juízes reconheceram que “houve assédio verbal e lançamento de beijos”, mas “ambos correspondem à liberdade de expressão, e a normativa municipal não estabelece de maneira clara o limite entre um comportamento aceitável e outro intolerável”. Este último, diz a decisão, “é indispensável de acordo com a Convenção Europeia de Direitos Humanos”. A sentença respeita “o desejo da Prefeitura de Roterdã de lutar contra esse tipo de ofensa”, mas lembra que “apenas o legislador, em escala nacional, tem competência para decidir algo assim”.

As dúvidas sobre a validade legal de uma disposição municipal já surgiram em Amsterdã, em 2017, quando o então prefeito, Eberhard van der Laan, anunciou a proibição do assédio verbal em público. Foi o primeiro Governo municipal do país a fazê-lo. Depois foi a vez de Roterdã, mas os assessores de Van der Laan tinham opiniões contrárias. O prefeito, que morreu naquele mesmo ano, perguntou-lhes se a interdição podia colidir com a liberdade de expressão, e dois deles disseram que sim. Outra equipe jurídica afirmou que uma norma local “para punir a alteração da ordem pública resistiria à prova dos tribunais”.

Caso o cidadão recorresse contra as multas, que podiam chegar a 4.100 euros (18.450 reais), a decisão dependeria dos juízes. Foi exatamente o que aconteceu agora com o morador de Roterdã. A proibição da capital holandesa foi aprovada após uma pesquisa encomendada pela Prefeitura indicando que 59% das mulheres (entre 1.000 participantes) haviam sofrido assédio. Entre 15 e 34 anos, oito de cada 10 disseram ter sido objeto de insinuações e assobios ofensivos ou ter recebido insultos por rejeitarem os avanços de desconhecidos.

Em maio passado, o ministro holandês da Justiça, Ferd Grappenhaus, afirmou que queria incluir a intimidação sexual em público no Código Penal. Segundo seus planos, as penas aplicáveis seriam de até três meses de prisão ou multa de 2.000 euros (9.000 reais).

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