Brasil rebate OMS sobre eficácia de testes em massa de coronavírus para controlar doença
Para Governo e especialistas, isolamento é a melhor medida para evitar a propagação da doença. Orientação da entidade, testagem em larga escala funcionou em países como Coreia do Sul
A Organização Mundial da Saúde (OMS) informou nesta segunda-feira que a realização de testes em larga escala em casos suspeitos do coronavírus e o isolamento dos doentes são a fórmula para se conter a pandemia. “A mensagem central é: testar, testar e testar”, afirmou a médica Maria Van Kerkhove, do programa de emergência sanitária da entidade, durante uma entrevista coletiva. “Você não consegue parar essa pandemia se não souber quem está infectado”. A mensagem é uma novidade diante do que o Governo brasileiro vinha adotando até o momento, de testar somente os casos mais graves e com necessidade de internação.
Por isso, a orientação pegou as autoridades brasileiras de surpresa. “Não estávamos esperando por essa determinação”, afirmou o secretário de Saúde do Estado de São Paulo, José Henrique Germann, em entrevista coletiva no início da tarde. “Estou surpreso entre o mundo ideal e o mundo real. Uma coisa é disponibilizar testes, a outra é realizar testes”, disse o infectologista David Uip, coordenador do Centro de Contingência para o Coronavírus de São Paulo. “Vamos ver como o ministro da Saúde [Henrique Mandetta] reage a essa situação”, completou Uip. Em Brasília, João Gabbardo, secretário-executivo do Ministério da Saúde, respondeu mantendo a política que o país já estava adotando: “Vamos manter a nossa posição, [que é] testar nos locais onde tiver transmissão comunitária os casos graves e [de pessoas] internadas”, disse. “Me estranha muito a OMS recomendar dessa maneira uma vez que os insumos são insuficientes para testar todo mundo”.
Testes em massa foram realizados por países que conseguiram controlar a pandemia. É o caso da Coreia do Sul, que, desde o primeiro momento da doença no país, adotou um agressivo plano para fazer exames que identificassem o SARS-CoV-2 (nome do vírus que causa a doença Covid-19). Por isso, realizou testes não somente em quem apresentava os sintomas da doença, como também em qualquer pessoa que tivesse tido contato direto com algum caso confirmado. O Governo sul-coreano também passou a ir até a casa dos pacientes possivelmente infectados para tentar barrar o contágio aos demais. Assim, realiza mais de 15.000 testes por dia.
Além dessa experiência no país asiático, uma pesquisa realizada por cientistas chineses e norte-americanos apontou que os infectados não detectados aceleraram a explosão dos casos da doença na China. Por meio de um modelo matemático, os cientistas conseguiram mostrar que a maioria dos contágios na China foi realizada por doentes não detectados. E que apenas depois do confinamento é que esses infectados invisíveis reduziram seu potencial de propagação do vírus.
Para a infectologista Rosana Maria Paiva dos Anjos, especialista em saúde pública e professora da PUC São Paulo, a única coisa capaz de conter, de fato, essa pandemia é o isolamento e não necessariamente a confirmação da doença. “Como infectologista eu tenho certeza de que o melhor é fazer testes somente nos pacientes graves. Os que estiverem com quadro respiratório, permaneçam em suas casas, não circulem, usem máscaras e lavem as mãos”, afirma. “Fazer testes indiscriminadamente só vai gerar pânico e mais custos para o sistema de saúde”.
Nesta segunda-feira, João Doria (PSDB), governador de São Paulo, Estado que é o epicentro da doença e o local onde foi registrada a primeira morte no país, anunciou medidas de contenção. Museus e centros culturais fecharão, cirurgias eletivas nos hospitais públicos foram adiadas e, na capital, o prefeito Bruno Covas (PSDB) decretou estado de emergência, com uma série de medidas, como a suspensão do rodízio de automóveis, a proibição de qualquer evento público ou privado e um esquema de turnos e home office para os servidores. A cada dia, o número de casos de coronavírus aumenta de 40% a 50% no município, informou Covas.
Racionalização de testes
De acordo com Mauricio Zuma, diretor do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz (Bio-Manguinhos/Fiocruz), cerca de 10.000 testes para o coronavírus já foram realizados pela rede pública em todo o país até o momento. Nesta segunda-feira, a unidade, responsável por distribuir os kits de testes e realizar o processamento do material coletado em toda a rede pública, enviou mais 6.000 novas provas para que o Ministério da Saúde repassasse aos hospitais. Para Zuma, a política do Governo deve continuar sendo a mesma. “Eu acredito que a prioridade agora não deve ser testar todos os suspeitos e, sim, os casos em que já há uma avaliação clínica, ou uma suspeição grande”, afirmou.
Embora a OMS tenha informado que distribui milhares de testes aos países mais afetados, o ministério afirma que não recebeu, até o momento, nenhum. Para Zuma, a questão agora não é a quantidade de testes e sim a capacidade de processar os resultados. “A rede hoje ainda não está preparada para um processamento muito grande de amostras”, disse. Atualmente, o Brasil tem uma capacidade estimada de processar cerca de 1.450 amostras por dia, em seus 26 laboratórios, além dos três centros de referência.
Mas, segundo Zuma, o plano é de ampliar essa capacidade de análise, chegando ao processamento de mais de 3.000 amostras por dia em abril, e cerca de 4.500 por dia em maio. “Para isso teremos que aumentar os turnos de trabalho”, afirma ele. A ideia é também tentar acelerar o resultado, que hoje leva cerca de quatro horas para ficar pronto. Para isso, além de recursos para o aumento no número de pesquisadores, a luta contra a pandemia esbarra em outra questão: muitos dos insumos necessários para realizar a prova são importados. “Os insumos mais críticos são importados e muito caros, a maioria vindo da Europa. Com o câmbio alto e o preço no mercado por conta da alta demanda, corremos o risco de não ter insumos suficientes no mercado”, diz.
A corrida contra o relógio não é só um problema para a rede pública de saúde. Nesta segunda-feira, o hospital Albert Einstein em São Paulo informou que estava adotando uma medida de racionamento de testes. Suspendeu a realização das provas em indivíduos assintomáticos, sintomáticos leves, com pedido médico de fora do hospital e também a coleta domiciliar de amostras para a execução do teste. O objetivo, segundo a assessoria de imprensa do hospital, é usar o recurso apenas nos casos graves, que necessitam de internação. A medida foi tomada como forma de racionalizar a utilização do teste e evitar seu desabastecimento. O hospital afirma ter capacidade de realizar cerca de 3.500 testes por dia. E que o número de exames diários aumentou gradualmente, atingindo a marca de 1.700 no último fim de semana. Além disso, o prazo para o resultado do exame para detectar o coronavírus foi ampliado para sete dias úteis, por causa da alta demanda.