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Lula martela crítica a Bolsonaro e joga seu peso na articulação pelas municipais

Petista repete que é preciso “coragem” para se opor a presidente. Ele recebeu Freixo, pré-candidato pelo PSOL à Prefeitura do Rio

Lula
Lula em Congresso do PT.Nelson Almeida (AFP)
Naiara Galarraga Gortázar

Ele já advertiu quando terminou de ler, contrariando seu costume, um discurso meticulosamente preparado. "Eles não sabem o que é enfrentar um senhor de 74 anos apaixonado”, proclamou o ex-presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva diante de uma plateia, em um palco onde estava acompanhado pela cúpula do Partido dos Trabalhadores e sua namorada, militante do PT. Contra aqueles que esperavam um tom conciliador, voltado para o centro, o recém-libertado Lula apostou, neste fim de semana no Congresso do PT, em fortalecer o perfil da esquerda dura para fazer oposição ao Governo do extremista de direita Jair Bolsonaro.

Lula revitalizou a oposição brasileira, que praticamente não havia conseguido erguer a cabeça desde que o militar reformado venceu as eleições. Aos que criticam ou temem a polarização, temos que ter a coragem de lhes dizer: sim, nós somos o oposto de Bolsonaro. Não dá para ficar em cima do muro ou no meio do caminho”, proclamou na abertura do congresso do partido neste fim de semana em São Paulo. Era seu primeiro discurso eminentemente político depois dos emotivos banhos de massa que protagonizou desde que recuperou a liberdade duas semanas atrás, após 580 dias presos por corrupção. Em São Paulo, o ato foi em um auditório fechado.

Lula anunciou o terreno em que deseja lutar em um ato em que esteve cercado por sua sucessora, Dilma Rousseff, e Fernando Haddad, a quem designou candidato quando a Justiça vetou sua candidatura presidencial em 2018. “Somos e seremos oposição a um Governo que rasga direitos dos trabalhadores, destrói o meio ambiente e ataca a população LGBT”, anunciou. Também respondeu aos que tacham de radical um político que governou com um programa muito mais pragmático do que qualquer um de seus críticos temiam: “Sim, somos radicais na defesa da soberania, da universidade pública e gratuita e do Sistema Único de Saúde".

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A libertação de Lula –consequência da decisão do Supremo Tribunal Federal que estipulou que os condenados só devem ir para a prisão quando esgotados todos os recursos e que beneficiou 5.000 prisioneiros– representou uma importante injeção de energia em uma esquerda que está claramente confusa enquanto Bolsonaro e seus ministros monopolizam o debate público com suas decisões e declarações. Embora as duas condenações que pesam contra ele o impeçam de ser candidato, o PT está confiante em que o Supremo anulará ambos os casos por falta de imparcialidade do juiz Sergio Moro, que deixou a toga para ser ministro da Justiça de Bolsonaro. "Estamos bem vivos, com a cabeça erguida. Dispostos a lutar”, também enfatizou a deputada Gleisi Hoffman, reeleita presidente do PT.

Presença na campanha municipal

A esquerda e Lula têm vários obstáculos importantes diante de si: o antipetismo arraigado que catapultou Bolsonaro após quatro Governos do PT, os processos judiciais pendentes de Lula e a idade dele. Embora o PT possua o grupo parlamentar mais nutrido, com 10% dos assentos no Congresso, precisa de aliados para ganhar uma eleição. Lula já disse isso em seu discurso na sexta-feira: “Salvar o país da destruição não é tarefa para um único partido”, afirmou ante os líderes do PC do B e do PSOL, ao qual pertencia a vereadora assassinada Marielle Franco, grande emblema da esquerda ao lado do tão amado como odiado Lula.

A questão crucial será se o PT vai olhar só para a esquerda ou também para o centro em busca de aliados para as eleições municipais do próximo ano, antessala das presidenciais de 2022. Internamente Lula tem defendido candidaturas solitárias do partido, mas sua presença como cabo eleitoral é um ativo disputado por aliados desde já. Especialmente no Nordeste, Lula no palanque pode ser decisivo. Nesta segunda, ele recebeu o deputado Marcelo Freixo (PSOL), pré-candidato à Prefeitura do Rio. Uma aliança com os petistas é o mais esperado por Freixo, até porque o PT há anos não tem nome competitivo na segunda maior cidade do país. Já os comunistas esperam o mesmo gesto em cidades como São Luís, sob a influência do governador Flavio Din, e Porto Alegre, território de Manuela D’ Ávila.

A decisão do presidente Bolsonaro de abandonar seu partido, o PSL, poderia favorecer a oposição nos próximos meses, porque não está claro que o partido que o militar acaba de criar, a Aliança pelo Brasil, que enfatiza o perfil de extrema direita, consiga cumprir os procedimentos necessários para ser formalizada a tempo de travar a batalha das eleições governamentais e municipais em outubro.

Embora Lula confie que será exonerado dos dois casos em que está condenado a um total de 20 anos de prisão, ele enfrenta pelo menos mais seis processos. "Como eu acredito em Deus e na Justiça deste país, vamos derrotar essa farsa”, disse ele em seu discurso. "É uma questão de paciência”, afirmou.

Lula, que nas próximas eleições presidenciais terá 77 anos, ainda não esclareceu se seria candidato, caso possa entrar na disputa. Está ciente de que a idade é um obstáculo. Por isso cunhou uma frase que repete desde que deixou a cela na delegacia de Curitiba: “Eu tenho a experiência dos 70 anos, a energia dos 30 e o tesão dos 20 anos.” Precisou de quatro tentativas para se tornar o primeiro operário presidente, em 2003, em um país tão desigual e classista como o Brasil.

O líder do PT agradeceu infinitamente aos militantes e seguidores que o acompanharam durante os 19 meses de prisão, mas também olhou para o exterior, para o cenário em mudança na região. Agradeceu o apoio recebido do presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández, parabenizou os chilenos que protestam contra Piñera, enalteceu o apoio de Raúl Castro, de Cuba, e recordou os bolivianos, mas também enviou uma mensagem para aqueles que pretendem se aferrar ao poder. “Cada vez que um dirigente político começa a crer-se imprescindível, começa a nascer dentro dele um pequeno ditador.”

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