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Meio Ambiente
Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

A lei mais urgente do mundo

Embora as alterações do clima sejam a maior ameaça ambiental atualmente e o Governo possa fazer muito para garantir a segurança climática dos cidadãos, a palavra “clima” não aparece na Constituição Federal brasileira

Imagem de operação do Ibama que registrou focos de desmatamento.
Imagem de operação do Ibama que registrou focos de desmatamento.Lilo Clareto (EL PAÍS)

O Conselho de Direitos Humanos da ONU reconheceu, no começo de outubro, que ter o meio ambiente limpo, saudável e sustentável é um direito humano fundamental. Com a decisão, o Conselho pediu aos Estados em todo mundo que trabalhem em conjunto e com outros parceiros para implementar esse novo direito reconhecido. No Brasil, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado já consta da nossa Lei Maior. Todavia, o desafio da questão climática ainda não aparece nela de forma explícita.

Também este mês, a Organização Mundial da Saúde (OMS) informou que as mudanças climáticas são a maior ameaça à saúde da humanidade. No mesmo dia, um artigo publicado na Nature Climate Change revelou que 85% da população já são afetados por mudanças climáticas induzidas pelo ser humano. O 6o relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima da ONU, lançado em agosto passado, foi ainda mais alarmante em relação ao fato de que as mudanças do clima e seus impactos já estão afetando a todos em todo o planeta.

Embora as alterações do clima sejam a maior ameaça ambiental atualmente e o Governo possa fazer muito para garantir a segurança climática dos cidadãos, a palavra “clima” não aparece na Constituição Federal. Explica-se: a Constituição é de 1988 e a convenção de mudança climática foi assinada quatro anos depois, na Rio 92. Isso não significa que seja aceitável: essa ausência permite que Governos atuem contra o melhor interesse de seus cidadãos neste tema —como, por exemplo, no fraco combate ao desmatamento, que não só turbina as emissões nacionais de gases de efeito estufa, como já está afetando o regime hídrico do qual dependem nossa segurança energética, hídrica e alimentar. Para piorar, atividades econômicas altamente emissoras de gases do efeito estufa e nocivas à saúde ainda recebem muitos incentivos fiscais.

Os compromissos que o Brasil assumiu sob o Acordo climático de Paris —nossa NDC— nos colocam no caminho de um aumento médio da temperatura global de 2,5ºC a 3,0ºC até o fim do século, o que exporia o país a impactos gravíssimos. Alguns deles já começam a ser sentidos porque estamos muito perto do limite de 1,5C, que poderá ser ultrapassado já na próxima década. Isso significa que teremos secas mais frequentes e severas. A maior irregularidade e redução da pluviosidade afeta diretamente os reservatórios que abastecem o país de água e energia elétrica. A água é também um insumo estratégico para a agropecuária. E afeta a todos, mas sobremaneira as populações mais carentes das periferias urbanas e rincões rurais que pouco ou nada usufruem de investimentos em adaptações às mudanças do clima.

Ondas de calor cada vez mais frequentes e intensas trarão sérias consequências para a saúde pública. Há, ainda, o risco apresentado por eventos meteorológicos extremos que causam inundações e deslizamentos. Não raro, as consequências são fatais. Ao longo de nossa extensa costa ficam populosas cidades que vão perder área pela elevação do nível dos oceanos. O aumento da temperatura do mar e as mudanças na salinidade oceânica, por sua vez, afetam a pesca. O aumento do nível do mar afetará a logística dos portos, com impactos sobre o setor de exportações e commodities. Adaptações na infraestrutura serão inevitáveis. Por qualquer ângulo que se olhe, os riscos são consideráveis e não podem mais ser ignorados.

É este o contexto da minuta de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para inserção da segurança climática. Não por acaso, ela está sendo chamada de Lei Mais Urgente do Mundo. Ela propõe a inserção da segurança climática expressamente em três dispositivos estruturantes de nossa Constituição: no artigo 5º —cláusula pétrea, como Direito Humano Fundamental; no artigo 170 – princípio da Ordem Econômica e Financeira Nacional; e no artigo 225— núcleo essencial do Direito ao Meio Ambiente ecologicamente equilibrado.

O objetivo é assegurar que o Estado brasileiro, independentemente do Governo vigente, trabalhe para mitigar o risco climático. Ao ser integrada à Constituição, nos três pilares citados, servirá também para salvaguardar o país e seus biomas dos desmandos de governantes, Presidentes e ministros do Meio Ambiente eventualmente adversos ao tema e à preservação, como tivemos nos anos mais recentes, e ainda vemos no momento atual.

Em um assunto que infelizmente sofre com a radicalização dos extremos ideológicos, é auspicioso que esta proposta tenha sido desenvolvida por um grupo de deputados membros da Frente Parlamentar Ambientalista, mas também de diversos campos políticos da direita à esquerda, com o apoio da sociedade civil, ambientalistas e pesquisadores. Mais de 100 deputados já apoiam sua tramitação, mas ainda precisamos de mais 71 para que passe a tramitar formalmente pela Câmara. No Senado, PEC similar infelizmente está paralisada na Comissão de Constituição e Justiça (PEC 233/2019).

Às vésperas da Conferência do Clima, é urgente que o Congresso Nacional paute a votação da lei que impõe ao Estado brasileiro a garantia da segurança climática aos seus cidadãos e ecossistemas, ao lado de outros direitos fundamentais, como o direito à vida, à dignidade da pessoa e à saúde. Sem um clima seguro, não há meio ambiente ecologicamente equilibrado, saúde e vida digna.

Carlota Aquino é diretora executiva do IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).

Paula Johns é diretora-geral da ACT Promoção da Saúde.

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