Por uma agenda de recuperação verde e inclusiva no Brasil
Pandemia acelerou mudanças na política econômica sobre a agenda ambiental e o combate à desigualdade e à pobreza
A pandemia criou uma grande distância entre os mais vulneráveis e as classes mais abastadas, aumentando a desigualdade social e a pobreza. Um estudo recente do FMI mostra que os efeitos de longo prazo da pandemia serão bastante elevados e se decompõem em duas vertentes.
A primeira vertente está associada à demanda. Países que possuem uma parcela importante do PIB associada ao setor de serviços, mais intensivo em mão de obra, tendem a se recuperar mais lentamente, e o mercado de trabalho poderá sofrer por mais tempo. Em virtude disso, há necessidade de políticas assistenciais e de geração de emprego que contenham o aumento da pobreza enquanto as economias não se normalizam.
A segunda vertente está associada ao lado da oferta, por conta da redução no processo de acúmulo de capital humano. Aqui, os problemas decorrem de exclusão tecnológica, que resulta em baixo aprendizado e em abandono escolar. Em ambos os casos, há necessidade de traçar estratégias mitigadoras dos custos econômicos legados pela pandemia, buscando estratégias ativas de inserção social.
Uma estratégia recorrente durante as crises é conciliar seus desafios de curto prazo, em termos de aumento do investimento, do emprego e combate à pobreza, canalizando recursos para atividades com maior possibilidade de crescimento de longo prazo e de geração de bem-estar para a população. A bola da vez é a economia ambiental.
A pandemia, portanto, acelerou a mudança da política econômica nos horizontes de curto e longo prazos em torno de dois elementos: (i) o combate à desigualdade e à pobreza; (ii) a agenda ambiental, que inicia um processo de transição ecológica e se apresenta como um vetor de redução da desigualdade ao criar novos empregos que dão sustentabilidade ao desenvolvimento econômico. Com essa lógica, Estados Unidos, França, Alemanha, Coreia do Sul e outros países articulam planos que combinam o necessário enfrentamento dos custos associados à pandemia com esse novo paradigma de desenvolvimento.
Nos países desenvolvidos, a prioridade tem sido investir na transição energética. No Brasil, o principal responsável pelas emissões de gases de efeito estufa é o uso da terra via desmatamento, o que traz centralidade à questão da proteção da Amazônia e construção de alternativas econômicas sustentáveis para a população da região. Nos últimos anos, o Brasil também tem sofrido na questão energética por causa da elevada instabilidade do regime de chuvas, sendo necessário acelerar a transição da matriz. Essa transição já tem apresentado bons resultados, mas insuficientes.
O ensaio de recuperação no Brasil tem sido um bom exemplo de que, sem estratégias claras de inserção social, a normalização será desigual. A configuração setorial do crescimento recente, puxado pelo setor de commodities, é insuficiente para amenizar a lentidão na recuperação do mercado de trabalho, que, em função dos impactos no setor de serviços, que é intensivo em mão de obra, tem castigado a população de baixa renda, em especial a informal.
A proteção social e a redução das desigualdades se configuram por meio da ampliação dos programas de transferências de renda aos mais pobres. Isso requer a ampliação de recursos para o Bolsa Família. A pandemia trouxe desafios à educação e saúde públicas, de modo que mais investimentos serão necessários para compensar o legado negativo da pandemia. Esses gastos são altamente progressivos em termos da parcela da população atendida.
As estratégias de financiamento combinam vetores que dependem de circunstâncias específicas, como o baixo custo de financiamento da dívida em países desenvolvidos, mas que também envolvem a tributação, principalmente, dos segmentos mais ricos da sociedade. Em muitos casos, isso não é feito pela necessidade do financiamento em si, mas também pela própria ideia de que a desigualdade precisa ser combatida.
No que tange às formas de financiamento de uma estratégia de transição verde que leve em conta tais desafios, é possível combinar recursos públicos e privados, internos e externos, e a regressividade da carga tributária oferece uma oportunidade de ampliação das receitas públicas. Apesar de a carga tributária brasileira ser próxima à média da OCDE, a sub tributação da renda dos mais ricos cria uma possibilidade de elevação substancial da arrecadação, sem onerar a maior parte da população.
Recentemente, o Governo Federal propôs a tributação de lucros e dividendos, atualmente isentos do imposto de renda. Segundo a Receita Federal, são R$ 400 bilhões isentos de imposto. A renda de lucros e dividendos responde por uma parcela muito significativa da renda dos mais ricos. O 0,1% mais rico possui mais de 50% da renda declarada associada a essa fonte de remuneração, o que gera uma grande isenção fiscal para essa camada social. Além disso, é possível ampliar a progressividade do sistema criando alíquotas marginais mais elevadas no imposto de renda de pessoa física. Destaca-se também a necessidade de avançar na discussão de tributos de caráter ambiental.
Ampliação das transferências de renda aos mais pobres, financiado com a tributação sobre os mais ricos, resulta em maior crescimento do PIB, puxado por consumo e investimento
Uma pesquisa do Cedeplar/UFMG simulou os efeitos da ampliação dos programas de transferência de renda financiados com o aumento da tributação sobre o topo da distribuição, em especial aqueles que recebem renda mensal superior a 30 salários mínimos. Os resultados mostraram que a ampliação das transferências de renda aos mais pobres, financiado com a tributação sobre os mais ricos, resulta em maior crescimento do PIB, puxado por consumo e investimento.
Todas as frentes de atuação pública são intensivas em gasto público, e existem alguns vetores de arrecadação que permitem ampliar gastos meritórios e tornam a sociedade mais igualitária. Isso não quer dizer que não possamos eventualmente tornar o gasto público que já existe mais eficiente. Isso é necessário. Mas a demanda por esse gasto é maior do que a velocidade de realocação, e muito maior do que a economia que essas reformas possam gerar.
Do mesmo modo, é importante ter claros os limites de cada escolha e montar uma agenda de forma equilibrada a partir do que deve ser entendido entre os principais desafios da sociedade. Consideramos que a miséria, a fome, a falta de emprego e a crise ambiental são os desafios urgentes com os quais precisamos lidar. Vemos as propostas redistributivas e que carregam a preocupação ambiental como um caminho importante a ser adotado diante dessa conjuntura, para vislumbrar um médio e um longo prazos menos perversos.
Debora Freire é professora e pesquisadora do Cedeplar/UFMG.
Laura Carvalho é professora livre docente da FEA/USP.
Manoel Pires é coordenador do Observatório de Política Fiscal e pesquisador da UnB.
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