Dia dos namorados
Coluna
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O amor nos tempos da covid-19

A pandemia roubou, principalmente dos jovens, a liberdade de amar como tem que ser, ou seja, sem pensar em mais nada

Julio Llamazares
Pessoas protegidas por máscara passam por uma foto, numa parede, em que duas pessoas com máscaras se beijam, em Córdoba, Espanha.
Pessoas protegidas por máscara passam por uma foto, numa parede, em que duas pessoas com máscaras se beijam, em Córdoba, Espanha.Salas (EFE)
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Apesar de o Dia dos Namorados ser de certo modo algo brega, sua celebração neste sábado faz com que muitos de nós nos perguntemos como a pandemia de coronavírus mudou os relacionamentos amorosos, em especial entre os mais jovens. Nessa idade em que o amor é tudo, ou a busca do amor, ou a sua fabulação, ter que estar confinado, reprimir toda a aproximação do outro, não poder abraçar nem beijar sem enfrentar um perigo certo, imaginar por trás da máscara, deve ser um suplício, por mais que digam que é necessário para não pôr em risco a sua saúde ou a das pessoas a quem você ama. É como se não existisse argumento para a repressão do desejo, muito menos a do amor. Essa paixão sobre a qual tanto se escreveu e da qual realmente sabemos tão pouco.

Peste e amor, doença e amor, foram binômios muito comuns ao longo dos séculos e alimentaram muitas histórias tanto na literatura quanto no teatro e no cinema. De Tucídides a Albert Camus, passando por Shakespeare e Virginia Woolf (Orlando), a peste e o amor andaram de mãos dadas tantas vezes que ninguém deveria se surpreender que, nos tempos de covid-19 em que vivemos, estejam surgindo histórias muito semelhantes a esta que García Márquez imortalizou em O amor nos tempos do cólera, algumas das quais vão aflorar mais cedo ou mais tarde na forma de um romance ou de um filme para nos lembrar de uma época sombria e cheia de incertezas, mas em que a vida continua como sempre, com todos os sentimentos e as paixões à flor da pele e mesmo extremados pela dificuldade, como aquele amor de Fermina Daza e Florentino Ariza que sobreviveu a tudo, até à pandemia e à morte. E, como escreveu Cottard, um neurologista que estuda as paixões, ser presa de uma doença deixa a pessoa a salvo de qualquer outra doença.

Mas isso é bom como teoria. Ou como idealização poética, que é outra forma de pensamento. Na prática, neste momento, a realidade é que a dificuldade em manifestar e expressar paixões e emoções, e nem falo em realizá-las, com os confinamentos, os toques de recolher, a desconfiança, o distanciamento social obrigatório e tantos impedimentos que vivemos por causa da covid-19, transformou as relações, que necessariamente têm que ser formuladas de outra maneira.

Muito se escreveu sobre as relações sociais, mas pouco sobre as pessoais. E me ocorre que já é hora de fazer isso porque, se é verdade que a incerteza afeta a economia e a política, não é menos verdade que a solidão perturba muita gente de forma mais pronunciada por causa da pandemia, do mesmo modo que para outras, as jovens, sobretudo, a covid-19 lhes roubou a liberdade de amar como tem que ser, isto é, sem pensar em nada além do seu amor. Algo que era simples até muito pouco tempo, mas que de repente se tornou uma aventura ou uma tragédia, ou ambas as coisas ao mesmo tempo, e que deixa no ar um cheiro inconfundível, o cheiro penetrante do romance de García Márquez, que quem leu não esquece: “Era inevitável: o cheiro de amêndoas amargas sempre o lembrava do destino dos amores contrariados”.

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