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Coluna
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Jesus era branco ou negro?

Caso se pudesse pensar que seu aspecto físico não tinha importância, hoje, com a força dos movimentos negros, a cor da pele do líder religioso tem valor agregado

Presépio de 18 metros de altura em Alicante, na Espanha, que entrou no 'Guinness' como o maior no mundo.
Presépio de 18 metros de altura em Alicante, na Espanha, que entrou no 'Guinness' como o maior no mundo.JOSE JORDAN (AFP)
Juan Arias

Aproxima-se o Natal, que celebra o nascimento do profeta judeu Jesus, um dos líderes religiosos que mais revolucionaram o planeta e que deu origem ao cristianismo, professado hoje por milhões de pessoas no mundo. No entanto, é um personagem do qual quase nada se sabe sobre sua figura física e sua vida fora o que narram os Evangelhos canônicos da Igreja. Quanto aos evangelhos apócrifos, não temos nenhuma prova de sua autenticidade. A data atribuída a seu nascimento, 25 de dezembro, era a da festa do sol do paganismo romano. Os cristãos queriam celebrar o nascimento de Jesus e escolheram essa data das festas pagãs.

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Não sabemos nem mesmo onde Jesus nasceu. O mais certo é que não foi em Belém, e sim em sua aldeia de Nazaré. Nesse caso, tudo o que se conta sobre seu nascimento, como a versão de que nasceu em um presépio e a história dos Reis Magos, também não tem credibilidade.

Nos quatro Evangelhos, ele é chamado sempre de Jesus de Nazaré e nunca de Jesus de Belém, como era o costume daquela época. Tudo fazia pensar que teria de nascer em Belém, onde tinha nascido o rei Davi, já que, segundo as Escrituras, Jesus era da estirpe de Davi. Surgiu assim a história de que seus pais tiveram de ir a Belém para fazer o recenseamento, e lá ele nasceu. Não há, no entanto, nenhum registro histórico de que tenha havido um recenseamento naquela data.

Sobre o que Jesus fez até os 30 anos, nada se sabe, nem se estudou ou se era analfabeto.

As conjecturas são de que, naqueles anos, pode ter viajado para o Egito e até para a Índia, e teria se formado na doutrina gnóstica.

A única certeza é que sua doutrina estava voltada para a defesa dos últimos e desprezados pela sociedade. Sua nova visão do judaísmo foi considerada subversiva e, por isso, ele foi condenado à morte na cruz pelo poder romano que dominava a Palestina.

Sobre a verdade do processo de condenação de Jesus, as narrações dos quatro Evangelhos apresentam grandes divergências. E, se pouco se sabe sobre sua vida e até sobre sua morte, nada sabemos sobre o aspecto físico de Jesus. Será que era branco, como sempre foi apresentado pela iconografia, com olhos azuis, cabelos loiros e lisos e barba, ou tinha pele escura e cabelos crespos?

Hoje os novos conhecimentos da ciência, com base no estudo de crânios daquela época, revolucionam a história sobre seu aspecto físico de Jesus, que seria na verdade moreno, de cabelos crespos, mais negro que branco.

Caso se pudesse pensar que seu aspecto físico não tinha importância, hoje, com a força dos movimentos negros contra o racismo, a cor da sua pele ganha maior relevância.

Nesse sentido, a imagem física de Jesus adquire um valor agregado. A Igreja nunca representou Jesus como negro porque no inconsciente sobrevive a ideia de superioridade dos brancos sobre os negros. A ponto de missionários na África apresentarem Jesus branco como um anglo-saxão, mais que como um palestino.

Lembro que na primeira viagem de Paulo VI à África, em Uganda, os jornalistas que o acompanhávamos nos deparamos com a surpresa de que as fotos gigantes do presidente tinham sido tão branqueadas que ele parecia mais branco do que o Papa...

Vimos também que nas igrejas todas as figuras de anjos eram brancas. Quando perguntamos por que, contaram-nos que a Igreja ensinava às pessoas desde a infância que, se fossem boas, no céu seriam brancas. Caso contrário, continuariam sendo negras. Espanto!

Os cristãos empenhados na luta contra o racismo com os negros deveriam reivindicar que Jesus era mais negro do que branco, nunca fez distinção entre raças ou cores e era mais parecido com um africano do que com um anglo-saxão. Sem dúvida, não se parecia nada com as imagens que, já desde os primeiros anos do cristianismo, quando entrou em Roma, apresentavam Jesus mais como um dos deuses da mitologia.

Que neste Natal —em um mundo em luto pelas vítimas da pandemia e em um Brasil com a anomalia de ter um presidente racista que zomba dos mortos com sua posição negacionista, sua falta de empatia com as famílias que sofrem, sua exaltação das armas e seu espírito de autoritarismo— os cristãos, que são a grande maioria neste país, aproveitem a festividade para recordar a essência do cristianismo de suas origens, que foi a reivindicação da paz contra a guerra, a defesa dos últimos e do amor universal contra o ódio e os racismos. Um cristianismo que, à guerra e à violência, propõe um reino de paz e de perdão.

Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como ‘Madalena’, ‘Jesus esse grande desconhecido’, ‘José Saramago: o amor possível’, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.

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