_
_
_
_
Opinião
Texto em que o autor defende ideias e chega a conclusões basadas na sua interpretação dos fatos e dados ao seu dispor

A Belo Horizonte rica e planejada tampouco está a salvo das chuvas 

Capital mineira é um exemplo da ocupação que parte do pressuposto de dominação da natureza. Um dos motivos para a escolha do local era a abundância de nascentes e córregos, mas eles foram ignorados pelo projeto urbano

Chuvas inundaram bairros de Sabará, na região metropolitana de Belo Horizonte.
Chuvas inundaram bairros de Sabará, na região metropolitana de Belo Horizonte.DOUGLAS MAGNO (AFP)

As chuvas intensas deste verão resultaram em uma série de tragédias no Estado de Minas Gerais. Foram 53 mortos em 5 dias, graças a deslizamento de encostas e transbordamento de rios e córregos. É hora de oferecer amplo apoio às famílias das vítimas e àquelas que ficaram sem casa.

Evitar esses problemas no futuro demandará esforço bem maior.

O padrão histórico de formação das cidades brasileiras é de investimentos públicos nos centros urbanos e desleixo com as periferias. A expulsão da população pobre das áreas centrais faz parte da fórmula, de Pereira Passos às recentes obras para megaeventos.

Mais informações
Maria das Graças de Andrade caminha pela rua Tite de Lemos, no Jardim Pantanal, nesta terça-feira. A via está alagada desde a chuva de domingo.
Chuva como humilhação na cidade mais rica do Brasil
AME5809. BELO HORIZONTE (BRASIL), 27/01/2020.- Vista este lunes, de los daños causados por el desbordamiento del río Das Velhas, tras las lluvias torrenciales, en Sabara, en la región metropolitana de Belo Horizonte, estado de Minas Gerais (Brasil). El número de muertos por las fuertes lluvias que castigan desde el jueves el estado brasileño de Minas Gerais (sudeste) llegó a 45 mientras que el de municipios declarados en estado de emergencia llegó a 101, informaron este lunes fuentes oficiales. EFE/ Yuri Edmundo
Na tragédia de Minas, o descaso da administração encontra os efeitos da mudança climática
La postura de China es clave en la próxima cumbre del clima en Copenhague.
2019 encerra a pior década da crise climática

Assim, formaram-se duas cidades. De um lado, as cidades formais, construídas para a parte alta da pirâmide social, seguindo regras de zoneamento e ocupação do solo. De outro, as periferias “informais”, em que a atuação do Estado é seletiva, muitas delas instaladas em áreas de risco.

Evidentemente, a maior parte das vítimas das tragédias está na cidade informal. A Prefeitura de Belo Horizonte, nas últimas duas décadas, avançou em políticas de proteção de áreas de risco, mas as tragédias recentes mostram que ainda há muito a ser feito.

Ocorre que a cidade oficial, feita com planejamento de engenheiros e arquitetos, tampouco está a salvo. Nos centros urbanos estão grande parte dos fundos de vale onde transbordam os rios.

Belo Horizonte é um exemplo muito ilustrativo desse modo de ocupar o território que parte do pressuposto de dominação da natureza. Um dos motivos para a escolha do local da nova capital era a abundância de nascentes e córregos, mas eles foram ignorados pelo projeto urbano.

O traçado geométrico das ruas fez dos cursos d’agua seres alienígenas, que passavam pelo meio dos lotes, expondo as moradias às enchentes. O desmatamento das cabeceiras desprotegidas minou nascentes que pouco antes eram fartas.

O resultado é que, 10 anos após a inauguração, já começava a faltar água na desabitada capital mineira. Córregos que corriam limpos e com peixes no antigo arraial estavam poluídos.

Longos debates travaram os engenheiros da comissão construtora sobre o sistema de esgoto, para, ao final, optarem pela separação das águas fluviais e do esgoto. Decisão inócua, pois na pressa da inauguração, os esgotos foram jogados nos cursos d’água mesmo, o que ocorre até hoje em boa parte da cidade.

Estas histórias são contadas em detalhe no livro Rios Invisíveis da Metrópole Mineira, de Alessandro Borsagli, para quem Belo Horizonte não se origina de um plano urbano, mas político. E a relação do poder público com as águas também, sempre obedecendo à lógica das inaugurações apressadas, da ausência de um pensamento sistêmico e da repetição de erros de longo prazo que oferecem sucesso no curto prazo.

O livro evidencia que as supostas soluções para os “problemas das águas urbanas” nunca solucionaram nada – ao contrário, agravaram os problemas. A canalização dos córregos impede a absorção da água pelo solo e acelera a chegada nos fundos dos vales. A cada nova administração, a promessa de uma nova obra era sucedida por uma enchente maior e mais danosa.

O caso de Belo Horizonte não é exceção. Ao contrário, apenas explicita um paradigma de ocupação do território que ignora os elementos naturais e inviabiliza em longo prazo a vida em diálogo com eles. Ao fim das contas, trata-se de uma versão microterritorial do stress dos limites planetários.

Com o aquecimento global, eventos climáticos extremos como os desta semana serão cada vez mais recorrentes. As cidades estão nas duas pontas: nelas são geradas a maior parte das emissões e nelas são sentidas a maior parte dos efeitos da crise climática. A mudança de paradigma é para anteontem.

Roberto Andrés é arquiteto e urbanista, professor na UFMG e editor da revista Piseagrama. Atualmente é doutorando na USP e revisor do Journal of Public Spaces.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_