Aung San Suu Kyi é condenada a quatro anos de prisão por incitar a violência em Mianmar e não cumprir medidas contra a pandemia
A ex-líder birmanesa e ganhadora do Prêmio Nobel da Paz em 1991 cumpre prisão domiciliar desde que o exército tomou o poder e enfrenta 11 acusações. Sua defesa nega os crimes e diz que se trata de uma manobra para retirá-la da política
Muitos anteciparam que seria uma farsa grosseira, outros, em termos mais diplomáticos, mostraram seu ceticismo sobre um julgamento que ocorreria com a junta militar no poder em Mianmar, mas a verdade é que os piores presságios foram confirmados para Aung San Suu Kyi, que acabou de sofrer sua primeira derrota. A justiça birmanesa condenou nesta segunda-feira a quatro anos de prisão a líder do Governo deposto pelo Exército em 1º de fevereiro por incitar a violência e não cumprir as medidas para conter a pandemia covid-19. Nos dez meses que se passaram desde sua prisão, o número de crimes contra a ganhadora do Prêmio Nobel da Paz só aumentou: ela é atualmente acusada de 11, o que pode levar a uma sentença conjunta de 104 anos atrás das grades.
O tribunal de Zabuthiri na capital Naipyidó condenou Suu Kyi por duas acusações. A primeira, de incitamento a protestos, após um comunicado divulgado por seu partido, quando ela já havia sido presa, que pedia oposição pública ao golpe. A segunda, por violar o artigo 25 da Lei de Gestão de Desastres e os protocolos ativos para conter a pandemia durante a campanha eleitoral das eleições de 2020, apesar de usar máscara e proteção facial.
O ex-presidente Win Myint, aliado de Suu Kyi em seu partido, a Liga Nacional para a Democracia (NLD), também foi condenado a quatro anos de prisão pelos mesmos crimes. De acordo com o portal de notícias Myanmar Now, o ex-prefeito de Naipyidó, Myo Aung, foi condenado a dois anos de prisão por incitar a violência.
Suu Kyi, conhecida como “A Dama”, também é acusada de vários crimes de corrupção —cada um com pena máxima de 15 anos de prisão—, importação e posse ilegal de walkie talkies e violação da lei de segredos oficiais— crime com até 14 anos de prisão. Se condenada, a ex-líder birmanesa de 76 anos pode enfrentar uma sentença conjunta de mais de um século atrás das grades. Seus advogados negam todas as acusações e reiteram que se trata de uma manobra do Exército (o Tatmadaw) para retirá-la da política.
A ganhadora do Prêmio Nobel da Paz de 1991 —que já passou quase 15 anos na prisão entre 1989 e 2010 por liderar o movimento contra a ditadura militar que governou o país por meio século (1962-2011)— está em prisão domiciliar desde o golpe em fevereiro e, por enquanto, não se sabe se ela será transferida para a prisão. A enviada especial da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), com a tarefa de buscar uma via diplomática para resolver a crise, não teve permissão para visitá-la em outubro. Em resposta, Min Aung Hlaing, chefe da junta militar, está proibido de participar das reuniões da organização.
Todos os julgamentos estão sendo realizados a portas fechadas e sem testemunhas. As autoridades birmanesas decretaram sigilo sobre o processo, e os advogados de Suu Kyi estão proibidos de conceder entrevistas.
Após ouvir a sentença, a organização de direitos humanos Anistia Internacional considerou as acusações “falsas” e expressou em nota que o veredicto é “o mais recente exemplo da determinação da junta militar em eliminar qualquer tipo de oposição e sufocar as liberdades de Mianmar “. Analistas internacionais acreditam que esta é uma configuração legal do Tatmadaw para eliminar a ameaça que Suu Kyi e seu partido representariam nas eleições de 2023.
A sentença também ocorre um dia depois que as forças de segurança da ex-Birmânia reprimiram duramente um protesto em Rangoon, a maior cidade do país. De acordo com o Myanmar Now, um veículo do Exército atropelou os manifestantes, deixando pelo menos cinco mortos. De acordo com um comunicado dos militares (que não menciona nenhuma morte ou o suposto veículo que atropelou os civis), 11 manifestantes foram presos, entre os quais dois homens e uma mulher ficaram feridos.
O escritório das Nações Unidas para Mianmar condenou o incidente e criticou o “ataque contra um grande número de civis desarmados”. Acrescentam que “um veículo das forças de segurança atingiu os manifestantes, que posteriormente foram alvejados com munições reais, causando feridos e a morte de dezenas de pessoas”. Segundo a Associação de Assistência a Presos Políticos, mais de 10.600 pessoas foram presas nas mobilizações sociais ocorridas desde fevereiro e mais de 1.300 foram mortas.
Dez meses após o golpe, a junta militar governante continua a lutar para impor a ordem à nação. O Conselho Consultivo Especial de Mianmar denuncia que os sistemas de educação e saúde entraram em colapso, a economia não se recuperou e as taxas de pobreza dispararam. A organização alerta que o Tatmadaw está bloqueando o acesso a alimentos e suprimentos médicos em muitas comunidades, o que está levando a população à fome.
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