Equador sangra até a morte em suas prisões após motim mais violento da história
Nova rebelião tem saldo de 116 mortos, decapitações e expõe as limitações do Estado diante da atividade das gangues
A contundência das quadrilhas criminosas no Equador é tão grande que as próprias autoridades reconhecem que se trata de “uma ameaça com poder igual ou superior ao que possui o Estado”. Essa é a descrição de Fausto Cobo, que foi diretor do sistema penitenciário do país até esta semana. A frase mediu a dimensão do último motim na antiga Penitenciária do Litoral, em Guayaquil, iniciado na terça-feira (28). As 116 mortes contabilizadas até o momento e um saldo de pelo menos 80 feridos (já transferidos para os hospitais) representam o confronto mais violento entre presos nas prisões do país. No entanto, o massacre de agora não o primeiro: é apenas o mais violento dentro de uma escalada de tumultos e ataques sangrentos que vêm acontecendo desde 2019.
Outro episódio semelhante aconteceu de forma simultânea em quatro prisões do país, deixando 79 mortos em fevereiro deste ano. A onda de violência, porém, começou há dois anos, quando Lenín Moreno ainda era presidente; à época, imagens de um único preso decapitado escandalizavam a opinião pública. Hoje, no entanto, a polícia não consegue sequer contar quantos presos foram esquartejados ou queimados no presídio de Guayaquil, ao passo que os parentes das vítimas desse novo massacre ainda não sabiam, nesta quinta-feira, se seus parentes estavam entre os mortos e feridos, ou mesmo se estavam a salvo. Preocupados e irritados, dezenas deles estiveram plantados em frente ao complexo prisional à espera de notícias. “Não há nem uma lista”, gritaram. “Eu o reconheci por uma tatuagem no braço direito”, lamentou Jazmín Quiroz, que viu o irmão desfigurado em um dos vídeos transmitidos de dentro da prisão.
O testemunho de Quiroz é o mesmo de todos os que compareceram nesta quinta-feira às instalações improvisadas em um parque de Guayaquil. Por ordem do Presidente Guillermo Lasso, o local vai tentar concentrar informações oficiais e atendimento psicológico aos familiares dos detentos. Até a noite desta quinta-feira, apenas quatro corpos dos 116 encontrados nos blocos penitenciários foram entregues às famílias. O motim começou entre tiros e detonações na manhã de terça-feira, mas seguiu descontrolado mesmo dois dias depois, apesar de tanques terem sido mobilizados para a prisão de Guayaquil. No final do dia, questionado sobre se agentes já haviam recuperado o controle da situação, o presidente equatoriano admitiu que “não” durante uma entrevista coletiva. “Eu gostaria de dizer que sim, mas não posso. Ações levam tempo”, disse o mandatário.
Segundo detalhou o comandante da polícia Fausto Buenaño no primeiro dia do motim, os cadáveres encontrados “tiveram impactos de projéteis de armas de fogo e também de granadas”. Já o diretor que está de saída explicou, um dia depois, quais são os risco da operação para pacificar a prisão: “Nossas tropas entram com escudos e sem armas, enquanto os detentos estão com granadas, fuzis e pistolas”.
O presidente Lasso foi a público na quarta-feira com uma cara séria e deu poucas explicações. Sua aparição veio depois de se encontrar com o Ministro do Governo, o Secretário de Direitos Humanos, o novo diretor do sistema penitenciário, o Governador da província de Guayas e os policiais envolvidos na ação. O líder, que foi deslocado com urgência para Guayaquil devido à magnitude da tragédia, determinou estado de exceção por 60 dias em todas as prisões do sistema penitenciário, de forma a evitar novas rebeliões. O presidente também defendeu que sua declaração de emergência, ao contrário das que já foram decretadas por se antecessor Lenín Moreno, conta com um plano de investimentos de 75 milhões de dólares para restaurar os presídios no que diz respeito ao caráter de reabilitação social.
“O objetivo é proteger os direitos das pessoas privadas de liberdade, os direitos humanos, o direito à vida, o direito à integridade”, disse Lasso. A nova matança entre os presos, segundo ele, está relacionada às lutas pelo controle que o crime organizado mantém no país dentro e fora dos presídios. “É lamentável que a intenção de gangues criminosas seja transformar as prisões em um território de disputa de poder”, disse.
Por último, disse que a situação atual é um problema alimentado pela superficialidade dos Governos equatorianos dos últimos 14 anos. Apesar do discurso duro, não foi a primeira vez que Lasso culpou seus antecessores por terem sido permissivos com o narcotráfico e com o crime organizado, bem como por um modelo de gestão penitenciária que enfrenta um quadro crítico de superlotação. As prisões do Equador têm capacidade para 30.000 pessoas. No entanto, mais de 39.000 delas estão presas —boa parte ainda à espera de julgamento.
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