Peru vai às urnas eleger um novo presidente sob a sensação de urgência histórica

O país andino precisa escolher neste domingo entre os candidatos Pedro Castillo, de esquerda, e Keiko Fujimori, de direita, protagonistas de uma campanha áspera e que dividiu a sociedade em dois extremos

Os candidatos à Presidência do Peru, Keiko Fujimori e Pedro Castillo, no último debate em que se enfrentaram, em maio.Francisco Vigo (AP)
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O povo peruano vai às urnas neste domingo, 6 de junho, com a sensação de viver talvez o momento mais transcendental de sua história recente. Pedro Castillo e Keiko Fujimori ―os dois candidatos a presidir o Peru pelos próximos cinco anos― são vistos por parte da sociedade como um perigo para o instável sistema político local. O país teve cinco presidentes distintos nos últimos cinco anos, um por ano. Todos os chefes de Estado eleitos desde 1986 passaram um período na prisão por acusações de corrupção. Neste contexto, os eleitores precisam escolher entre Keiko Fujimori, filha do autocrata Alberto Fujimori, um político conservador e populista cujo partido ―e ela própria― são acusados de corrupção, e um professor de esquerda radical, Pedro Castillo, socialmente conservador e imprevisível. Eles chegam empatados nas pesquisas após uma campanha dura e agressiva. O vencedor, previsivelmente, o fará com uma margem pequena de votos.

A eleição chega em um momento de crise. O Peru registrou mais de 185.000 mortes por covid-19, o que o coloca como o país com o maior número de mortes per capita no mundo. A pandemia destacou as falhas do sistema público de saúde. Muitas pessoas morreram sem supervisão médica ou tanques de oxigênio. Aqueles que recorreram ao sistema de saúde privado às vezes se endividam para sempre. Há casos de peruanos que não buscam os corpos dos seus parentes dos hospitais porque não podem arcar com os custos dos tratamentos, que podem chegar a 300.000 dólares.

A eleição chega em um momento de crise. O Peru registrou mais de 185.000 mortes por covid-19, o que o coloca como o país com o maior número de mortes per capita no mundo. A pandemia destacou as falhas do sistema público de saúde. Muitas pessoas morreram sem supervisão médica ou tanques de oxigênio. Aqueles que recorreram ao sistema de saúde privado às vezes se endividam para sempre. Há casos de peruanos que não buscam os corpos dos seus parentes dos hospitais porque não podem arcar com os custos dos tratamentos, que podem chegar a 300.000 dólares. dólar. A economia peruana caiu 11% em 2020 (o maior retrocesso em três décadas) devido à pandemia, que fez o país adotar um rígido confinamento entre março e junho do ano passado, e também causou um aumento de 10 pontos percentuais da pobreza em relação a 2019. Atualmente quase 10 milhões de pessoas não conseguem atender às suas necessidades essenciais, ou seja, 30% da população.

As duas opções de voto pareciam as mais improváveis quando a campanha para o primeiro turno começou. Keiko Fujimori desperdiçou quase todo o seu capital político nos últimos anos depois de afirmar, em 2016, que as eleições das quais saiu derrotada foram fraudadas e, desde então, com maioria no Congresso, passou a dificultar a governabilidade do país. Paralelamente, suspeitas de corrupção a assombram e, somadas ao sobrenome do pai, fizeram com que parte do eleitorado peruano acreditasse que Alberto Fujimori será o comandante de uma cleptocracia caso ela saia vencedora. Ainda assim, a votação foi tremendamente fragmentada e ela se destacou no primeiro turno, com 13% dos votos, sobre as demais opções da direita.

O mais votado no primeiro turno foi, surpreendentemente, Pedro Castillo, que ficou conhecido em 2017 ao liderar uma greve de professores. Quatro anos depois, muitos não se lembravam dele. Mas Castillo, com um discurso a favor dos pobres e prometendo combater a histórica desigualdade social, as oligarquias empresariais e o sistema de castas, percorreu o país de ponta a ponta. Por outro lado, mostrou-se conservador nos costumes e ostentou ideias contra as liberdades, como o casamento homossexual e o aborto, e chegou a dizer que introduziria a pena de morte. Então recuou no discurso. O que foi uma constante em sua campanha. Ele está ligado a um partido marxista-leninista liderado por um político muito dogmático, mas não se diz comunista, embora abrace muitas de suas teses. No dia da votação, foi votar a cavalo, que se assustou ao ver a multidão esperando pelo candidato.

Assim, os dois permaneceram, frente a frente. O establishment peruano optou massivamente por Keiko Fujimori. As grandes cidades se encheram de outdoors alertando para os riscos da chegada do comunismo, de um Peru chavista no horizonte, prestes a ver seus cidadãos fugindo pelas fronteiras, como em Cuba. Nem é preciso dizer que eram indiretas contra Pedro Castillo, mesmo quando os murais não citavam seu nome. Qualquer pessoa entendia a mensagem. Enquanto isso, quase sempre que se ligava a televisão, a candidata conservadora aparecia, fosse em programas de entretenimento ou de entrevistas. Ela foi vista ao meio-dia cozinhando uma receita de seco, um prato típico peruano; à tarde, com as filhas e uma celebridade batendo papo sobre temas variados. Dois dias antes, foi entrevistada por duas horas por Magaly Medina, apresentadora do programa de maior audiência do país. Em outros programas televisivos, os apresentadores, mesmo que ela não estivesse, vestiam a camisa do time de futebol peruano, que tem sido o uniforme de campanha da candidata. E, assim, convidavam os eleitores a pensarem sobre “liberdade e contra o comunismo”.

Uma eleitora de Keiko Fujimori exibe em um ato de campanha uma foto do ex-presidente Alberto Fujimori, em 3 de junho, em Lima. STRINGER (AP)

Castillo, por sua vez, quase não deu entrevistas aos grandes meios de comunicação. Quando queria se posicionar sobre qualquer tema, fazia um pronunciamento na rádio Exitosa. Sua campanha foi mais clássica. Como seus adversários querem relacioná-lo ao venezuelano Nicolás Maduro, ele transmitiu ao vivo uma entrevista com José Pepe Mujica, o ex-presidente uruguaio que se tornou santo secular da esquerda democrática e austera. Mas o mercado não está convencido. Algumas empresas em Lima fecharam suas portas neste domingo por temerem saques e atos de vandalismo caso o candidato seja derrotado. Há quem interprete esses gestos como mais uma forma de propaganda a favor de Fujimori.

As pesquisas favoreceram o professor rural durante todo o mês. Na última semana, porém, Fujimori o alcançou. Existe um empate técnico. A foto final decidirá quem fica com o poder.

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