Fraude e descontroles nos testes rápidos de coronavírus na Alemanha
Centros para exames de antígenos proliferaram por todo o país quase sem fiscalização: são gratuitos para os cidadãos e necessários para entrar nas lojas e se sentar em mesas externas
A imagem se repete na entrada de muitas lojas de roupa na região da Kurfürstendamm, a famosa avenida comercial do Berlim: filas mais ou menos longas e gente que espera a sua vez segurando um papel ou o celular. “Pode me mostrar o exame negativo? Instalou o aplicativo Luca? Obrigada, pode entrar”, vai controlando uma funcionária na porta de uma loja Primark. O comércio não essencial reabriu em março, mas com restrições. Primeiro era necessário marcar hora; depois, impôs-se a obrigação de apresentar um exame negativo de coronavírus. O mesmo ocorreu com os bares e restaurantes. Sem exame, ninguém pode se sentar nem mesmo nas suas mesas externas.
Para reabrir o país, o Governo alemão apostou na realização generalizada e gratuita de exames de coronavírus, mas o sistema entrou em funcionamento rápido demais e sem os devidos controles. Agora, vários promotores investigam possíveis fraudes maciça entre dezenas de milhares de centros que proliferaram ao calor da subvenção estatal.
Marcar hora para um teste rápido de antígenos em março, quando as lojas de roupas, calçados e decoração reabriram, era muito complicado. Na capital, apenas algumas dezenas de centros médicos ou farmácias o ofereciam, e as vagas se esgotavam rapidamente. Afinal, após três meses com o varejo fechado, os berlinenses estavam ansiosos por irem às compras. Em questão de semanas, no entanto, novos pontos de privados de exame foram abrindo em praticamente todas as ruas da cidade.
É um negócio lucrativo: cada Estado paga os pontos de testagem da sua área, a 18 euros (111 reais) por exame. Estes testes em muitos casos são, conforme comprovou este jornal visitando cinco centros, os mesmos vendidos nos supermercados a menos de 5 euros. Comprados no atacado, são ainda mais baratos. Por isso, praticamente qualquer ponto comercial que estiver vazio ou puder ser adaptado tende a virar laboratório de exame de covid-19: salões de beleza, centros de bronzeamento, estúdios de tatuagens, casas lotéricas… Também há as unidades ambulantes nas ruas ou parques ―caminhonetes, bicicletas ou uma simples tenda com mesas e cadeiras de camping, como a que foi instalada na zona comercial da Alexanderplatz. Nesta segunda-feira, Berlim já tinha 1.296 pontos autorizados de análise de coronavírus.
Qualquer um ―um cabeleireiro, o balconista de uma sapataria― pode oferecer exames grátis à população: em muitas regiões, basta seguir um tutorial on-line sobre como colher a amostra. Não é necessário o envolvimento de profissionais sanitários, e os controles são praticamente nulos, porque os pontos de diagnóstico não enviam a lugar algum a identificação da pessoa examinada. Desse jeito, rapidamente a malandragem aflorou. Uma investigação de três veículos alemães (WDR, NDR e Süddeutsche Zeitung) revelou há alguns dias que na Renânia do Norte-Westfália (leste) uma empresa vinha faturando milhares de exames sem fazê-los realmente. Os jornalistas vigiaram durante um dia vários pontos, como o ônibus da MediCan estacionado em um bairro de Colônia. Ali contaram 80 pessoas fazendo o exame, mas nesse dia a empresa notificou ter usado 977 kits. Comprovaram o mesmo modus operandi em vários outros centros. O Ministério Público da cidade de Bochum investiga o suposto golpe, e a mídia regional noticia inquéritos semelhantes nos Estados da Baviera, Schleswig-Holstein e Saxônia-Anhalt.
As críticas ao ministro da Saúde, Jens Spahn, se multiplicaram nos últimos dias. “Como cliente, o Governo federal é obrigado a garantir um controle adequado dos exames”, disse o diretor da Associação de Cidades e Municípios, Gerd Landsberg. Spahn anunciou na segunda-feira que reforçará os controles depois de manter uma reunião telemática com os secretários estaduais de Saúde. Também afirmou que pretende baixar a menos de 10 euros o preço que os Estados pagam por cada kit de diagnóstico. O Governo acrescenta que a supervisão dos centros de diagnóstico corresponde às autoridades sanitárias locais, mas estas dizem estar sobrecarregadas.
Além das fraudes, que podem ser milionárias ―uma fonte anônima disse à televisão pública ARD que só em maio serão faturados entre 50 e 60 milhões de exames, ou seja, cerca de um bilhão de euros (6,15 bilhões de reais)―, preocupa também o modo como os exames são feitos. Há estabelecimentos sem ventilação e que não cumprem o requisito de ter uma porta de entrada e outra de saída, como comprovou este jornal. Também ocorre que o resultado do exame chega ao celular do interessado antes mesmo de transcorridos os 15 minutos que supostamente demora o processamento da amostra. Há lugares que não mandam nada por e-mail. Simplesmente entregam um papel, do qual não fica nenhum registro.
“Fraude é fraude”, disse na segunda-feira Steffen Seibert, porta-voz da chanceler (primeira-ministra) Angela Merkel, acrescentando que todos os casos suspeitos serão investigados. Alguns Estados anunciaram que intensificarão os controles aleatórios nesses centros, e já houve casos de locais fechados após inspeções. As autoridades do distrito berlinense de Neukölln informaram na quarta-feira que cinco pontos de diagnóstico foram interditados por não cumprirem as normas sanitárias ou não colherem amostras corretamente. Segundo o jornal local Berliner Zeitung, um desses lugares funcionava em um bar.
A terceira onda da pandemia já está praticamente controlada na Alemanha, onde a incidência acumulada em sete dias é de 34,1 casos por 100.000 habitantes. Em Berlim, a partir desta sexta-feira já não é mais necessário apresentar exame negativo para entrar em lojas ou se sentar em mesas externas. Os salões internos de bares e restaurantes serão abertos pela primeira vez desde novembro ―neste caso, só para quem apresentar exame negativo ou comprovar que já foi vacinado ou teve a doença anteriormente. Também foi flexibilizada a norma de contato social, com a autorização de reuniões internas de até seis pessoas moradoras de três lares diferentes.
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