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Belarus força desvio de um voo comercial para prender jornalista crítico a Lukashenko e provoca reação global

Autoridade informaram à aeronave da Ryanair, que voava de Atenas a Vilnius, de uma ameaça de bomba e a escoltaram ao aeroporto de Minsk com um caça por ordem do presidente. União Europeia estuda sanções ao país: “Terá consequências”

Detenido Roman Protasevich
A polícia belarussa prende o jornalista Roman Protasevich durante um protesto da oposição em Minsk, em 2017. SERGEI GRITS / APSergei Grits (AP)
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Belarusian opposition leader Svetlana Tikhanovskaya is welcomed by supporters, during a rally, by the Brandenburg Gate in Berlin, Monday, Oct. 5, 2020. Tikhanovskaya fled from Belarus following the disputed Aug. 9, presidential election, that forced her into exile. (Kay Nietfeld/dpa via AP)
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As autoridades de Belarus prenderam neste domingo no aeroporto de Minsk o jornalista Roman Protasevich, perseguido pelo regime de Aleksandr Lukashenko, após o avião em que ele viajava ter sido obrigado a aterrissar de emergência na capital. A aeronave da Ryanair, que voava sobre o país rumo à Lituânia vinda da Grécia, recebeu a notificação das autoridades belarussas de uma “potencial ameaça de segurança” a bordo, segundo a empresa irlandesa. O avião, um Boeing 737-800, foi escoltado à terra por um caça de combate por ordem direta do presente, segundo o serviço de imprensa de Lukashenko. No aeroporto de Minsk, os serviços especiais de Belarus não encontraram explosivos no avião. O inaudito incidente e a prisão do destacado blogueiro crítico ao regime provocou indignação internacional.

“O comportamento escandaloso e ilegal do regime de Belarus terá consequências”, reagiu neste domingo Ursula von der Leyen, presidenta da Comissão Europeia —braço executivo da União Europeia, chamando a operação de “sequestro” de um avião e pedindo a libertação do detido “imediatamente” . “As sanções estarão sobre a mesa”, disse Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, antes do encontro com chefes de Estado e de governo na cúpula que ocorre esta segunda-feira em Bruxelas. O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, também exigiu a libertação imediata do jornalista crítico do regime de Lukashenko e informou que seu Governo está coordenando de perto a questão com seus aliados, incluindo funcionários da UE, Grécia e Lituânia, de acordo com comunicado do Departamento de Estado. O Governode Belarus defende a manobra como uma questão de “segurança” para os passageiros, acusou o Ocidente por “politizar” o caso e garantiu que vai colaborar com especialistas internacionais “para descartar qualquer indício” de má conduta.

A líder oposicionista Svetlana Tikhanovskaya denunciou o “sequestro” do jornalista e da aeronave, em que voavam 170 passageiros de 12 nacionalidades, que aguardaram em Minsk durante quase sete horas antes de retomar a viagem em direção a Vilnius, a capital lituana, deixando para trás Protasevich e sua namorada, que também pode ter sido presa, segundo a oposição. Também não continuaram quatro passageiros russos que haviam iniciado a viagem na Grécia, segundo fontes lituanas. A OTAN pediu uma investigação do “sério e perigoso” incidente em um voo de uma empresa aérea europeia (a Ryanair é irlandesa) que cobria o trajeto entre duas capitais da UE: Atenas e Vilnius.

Protasevich, de 26 anos, foi diretor e um dos fundadores do Nexta e Nexta Live, dois conhecidos e influentes canais do Telegram (com mais de 1,2 milhão e 2 milhões de assinantes) com base na Polônia muito acompanhados pela oposição durante os protestos pela democracia e contra Lukashenko que ocorreram no ano passado em Belarus, que foram chamados de “extremistas”. O jornalista, que mora no exílio na Lituânia desde 2019, onde recebeu asilo político, é acusado de “organização de distúrbios e ações coletivas que ferem gravemente a ordem pública” e de “cometer ações deliberada destinadas a incitar a inimizade social”; crimes que podem ser punidos com até 15 anos de prisão. Os serviços secretos belarussos (KGB, Belarus é o único país que conserva o antigo nome soviético da agência) o incluíram em novembro na lista de pessoas envolvidas em atividades terroristas.

O repórter, que agora estava em outra publicação do Telegram, Belamova, foi preso ao aterrissar em Minsk, como confirmou o departamento contra o crime organizado do Ministério do Interior em seu canal oficial do Telegram em uma publicação apagada poucos minutos depois. Depois evitou fazer novos comentários sobre o caso. A Associação de Jornalistas Belarussos e a organização de direitos humanos local, Viasna, confirmaram a prisão do jornalista, mas não conseguiram entrar em contato com ele, como dizem em uma nota. Protasevich, que estava em Atenas para acompanhar a visita de Svetlana Tsikhanouskaya à Grécia, comentou a um amigo antes de decolar que notou como um homem que falava russo o seguia pelo aeroporto e que havia até mesmo tentado tirar fotos de seus documentos por trás dele na fila para embarcar.


O avião da Ryanair, um Boeing 737-8AS, em que viajava Protasevich, no aeroporto de Minsk, onde aterrissou de emergência neste domingo. - / AFP
O avião da Ryanair, um Boeing 737-8AS, em que viajava Protasevich, no aeroporto de Minsk, onde aterrissou de emergência neste domingo. - / AFP- (AFP)

Assim que aterrissou na capital belarussa e percebeu o que aconteceu, Protasevich “entrou em pânico”, como relatou um dos passageiros à edição lituana do jornal Delfi. “Depois da manobra repentina do avião, um jovem começou a balançar a cabeça nervoso. Só depois entendemos porquê”, contou o homem, que pediu que seu nome não fosse publicado, no aeroporto de Minsk. Já em Vilnius, ao chegar depois de sete horas de espera, estresse e terror, uma passageira afirmou à imprensa local que no momento em que aterrissaram em Minsk, o blogueiro começou a mexer em sua bagagem de mão e entregou seu celular e seu computador a uma jovem que viajava com ele e que depois foi identificada como sua namorada.

O restante da equipe do canal do Telegram gerido por Protasevich comunicou que cancelou a autorização do blogueiro imediatamente após saber de sua prisão, para se assegurar que os dados de seus quase 300.000 assinantes não caiam nas mãos das forças de segurança belarussas. “Eles nos tiraram do avião, os cachorros farejaram nossas coisas. Levaram o jovem a um lado e ele retirou suas coisas na passarela. Perguntamos o que estava acontecendo. Ele explicou e acrescentou: ‘A pena de morte me espera aqui’”, disse ao Delfi outro viajante do mesmo voo, que afirmou que um oficial custodiou Protasevich o tempo todo do momento em que desceu do avião até ser levado.

A Organização Internacional para a Aviação Civil (ICAO), da ONU, se mostrou extremamente preocupada pelo incidente com o voo FR4978 da Ryanair. A agência disse em um comunicado que a “aparente aterrissagem forçada” da aeronave da Ryanair pode ter violado o Convênio de Chicago, um acordo de 1944 que estabeleceu os princípios fundamentais da aviação civil.

Svetlana Tsikhanouskaya denunciou o que considera uma operação dos serviços secretos belarussos e pediu novas medidas contra o presidente do país, que está há mais de 26 anos no poder. “O regime de Lukashenko colocou em perigo a vida dos passageiros a bordo do avião. A partir de agora, ninguém que voa sobre Belarus pode estar seguro. É preciso uma reação internacional!”, escreveu nas redes sociais a oposicionista, que enfrentou Lukashenko nas eleições presidenciais em agosto que causaram gigantescos protestos contra a fraude após o líder belarusso se atribuir a vitória com 80% dos votos. Tsikhanouskaya precisou abandonar Belarus em agosto, pouco depois das eleições, após receber ameaças contra sua família, e se instalou em Vilnius.

Indignação na União Europeia

A oposição considera o ocorrido com o avião da Ryanair neste domingo como uma nova manobra de Lukashenko e mais um passo e sem precedente em sua política repressiva contra a dissidência. O presidente da Lituânia, Gitanas Nauseda, que chamou o acontecimento de “abominável” e “sem precedentes”, pediu à Aliança Atlântica e à União Europeia que tomem medidas sobre a ameaça que representa à aviação civil o desvio sob essas circunstâncias. O mandatário acha que a ameaça de bomba era um truque para obrigar o avião a aterrissar e deter o jornalista, e exigiu a imediata liberação da nave.

“A UE vai estudar as consequências desta ação, incluindo a adoção de medidas contra os responsáveis”, declarou Josep Borrell, alto representante da Política Externa da UE, por meio de comunicado. “Uma investigação internacional deve ser realizada sobre este incidente para determinar qualquer violação dos padrões internacionais de aviação”, afirmou o chefe da diplomacia do bloc . Em cima da mesa está a opção de medidas tradicionais, como punir pessoas específicas ligadas ao caso. Há atualmente 88 funcionários e membros do regime de Lukashenko nessa lista, que foram privados de viajar pelo território europeu e congelaram todos os seus ativos financeiros na UE, e sete outras entidades foram alvo de sanção, segundo fontes do bloco. A UE também está considerando dar outro passo, como proibir os voos da companhia belarussa Belavia de pousar em aeroportos da UE, como afirmou o primeiro-ministro belga, Alexander de Croo. Ou mesmo fechar todo o tráfego aéreo com Belarus.

Em contraste, na Rússia, o deputado Viacheslav Lysakov declarou que a prisão do jornalista foi uma “brilhante operação especial”, enquanto a diretora do canal oficialista RT, Margarita Simonyan, frisou nas redes sociais que com a manobra o líder belarusso “fez uma jogada excepcional”.

Lukashenko, que está no poder desde 1994, aumentou a repressão contra a oposição e contra os veículos de comunicação independentes. Todos os opositores políticos destacados estão hoje na prisão — como Maria Kolesnikova e Serguéi Tijanovski, esposo de Tsikhanouskaya — e no exílio. Na terça-feira, em mais um movimento contra a liberdade de imprensa, as autoridades russas iniciaram outra ação contra o portal de notícias independente belarusso Tub.by por “sonegação fiscal em grande escala”, revistaram seus escritórios em Minsk e bloquearam seus servidores.

Os numerosos protestos que esquentaram o verão belarusso, e nos quais mais de 30.000 pessoas foram presas, segundo os cálculos das organizações de direitos civis, perderam fôlego por medo da repressão. Lukashenko se mantém no cargo, também sustentado pela Rússia com o apoio do presidente Vladimir Putin e novos empréstimos econômicos, e a oposição e a sociedade civil passaram a um protesto de guerrilha com atividades nos bairros e pequenas manifestações.

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