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Governo argentino ataca a Corte Suprema e a acusa de golpismo

Sentença do principal tribunal do país autoriza a cidade de Buenos Aires a manter escolas abertas, apesar do decreto presidencial que suspendeu as aulas presenciais por causa da covid-19

Enric González
Alberto Fernández, presidente da Argentina, em uma imagem de julho de 2020.
Alberto Fernández, presidente da Argentina, em uma imagem de julho de 2020.ESTEBAN COLLAZO (AFP)

Alberto Fernández sofreu um novo revés. A Corte Suprema da Argentina decidiu que o governo nacional não tem autoridade constitucional para ordenar o fechamento das escolas na cidade de Buenos Aires, apesar da emergência sanitária. A sentença nesse sentido já era esperada, mas não a furiosa reação do presidente e de sua vice, Cristina Fernández de Kirchner, que acusaram a Corte de golpismo e “decrepitude”. A guerra entre os Poderes Executivo e Judiciário alcançou um ponto crítico.

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A ex-presidenta e atual vice de Fernández fez suas queixas pela conta no Twitter. “Está muito claro que os golpes contra as instituições democráticas eleitas pelo voto popular já não são como antigamente”, disse, comparando a sentença da Corte Suprema a golpes militares do passado. “A Corte Suprema acaba de decidir, em plena pandemia decretada pela OMS, da emergência sanitária sancionada pelo Congresso da Nação e com mais de 65.000 mortos na Argentina, que o Poder Executivo Nacional não tem competência para tomar medidas sanitárias”, acrescentou. Depois, em tom irônico, disse que, para governar o país, mais do que ganhar eleições o melhor é “fazer concurso para um cargo de juiz”.

O presidente Alberto Fernández tampouco se conteve. “Eu sou um homem do direito, respeito as sentenças judiciais, mas não sabem que pena me dá a decrepitude do direito transformada em sentença; é o tempo que me tocou, e também temos que lutar contra isso”, escreveu. Prometeu continuar “cuidando da saúde dos argentinos e argentinas, por mais folhas de sentenças que escrevam”.

Essa derrota judicial frente ao chefe de governo de Buenos Aires, o oposicionista Horacio Rodríguez Larreta, doeu profundamente para os governistas. O prefeito decidiu manter as escolas abertas na capital depois que a Casa Rosada baixou um Decreto Nacional de Urgência, em 14 de abril, estabelecendo toque de recolher diário a partir das 20h e o fechamento dos estabelecimentos educativos. Alberto Fernández queria frear o vertiginoso aumento dos contágios na região metropolitana portenha, mas Larreta argumentou que não estava demonstrado que as escolas fossem um foco pandêmico e que, em última análise, a decisão caberia a ele, pela autonomia que a reforma constitucional de 1994 conferiu à capital nacional.

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Quatro dos cinco membros da Corte Suprema (houve uma abstenção) concordaram que a cidade de Buenos Aires goza de direitos federais semelhantes aos das províncias (o assunto vem sendo discutido desde 1994), e que a sentença deveria estabelecer jurisprudência para o futuro. Criticaram a redação do Decreto Nacional de Urgência, já caducado e substituído por outro, e não consideraram válido o argumento do Governo federal de que a cidade e a província de Buenos Aires precisavam andar no mesmo passo, porque o território que compartilham, a chamada Área Metropolitana de Buenos Aires (AMBA), é o principal foco de contágios do país. Segundo a Corte Suprema, a AMBA é uma entidade administrativa sem previsão institucional, por isso prevalecem os direitos autônomos da capital.

A província de Buenos Aires, na qual a capital está encravada sem dela fazer parte, é o grande bastião do peronismo kirchnerista, e seu governador, Axel Kicillof, muito próximo da vice-presidenta, foi quem mais pressionou Alberto Fernández a fechar as escolas em todo o país. Precisava conter a onda pandêmica e preferia que a Casa Rosada assumisse o custo político. Na verdade, Cristina Fernández de Kirchner e Axel Kicillof se transforaram em um poder à sombra, capaz de impor decisões ao presidente ou anulá-las, como se viu há alguns dias, quando Alberto Fernández ordenou a destituição do subsecretário de Energia, Federico Basualdo, mas a dupla Cristina-Axel, contrariando-o, ordenou ao subsecretário que permanecesse no cargo, o que ocorreu.

A sentença da Corte Suprema e a posterior reação do presidente e da vice-presidenta elevaram a intensidade do conflito entre os Poderes Executivo e Judiciário. As múltiplas ações abertas contra Cristina Fernández de Kirchner por diversos supostos delitos, entre eles os de corrupção e enriquecimento ilícito, estão na origem de uma crise que corrói a estrutura institucional do país. Foi significativo que, apesar da gravíssima situação econômica da Argentina, a reforma do Judiciário tenha sido a primeira grande iniciativa da administração peronista.

Larreta, o prefeito portenho, já tinha anotado um tento político hasteando a bandeira da educação ao desobedecer o decreto de Fernández. A sentença da Corte Suprema o fortalece como principal figura da oposição e provável candidato às eleições presidenciais de 2023.

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