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‘Vacinas VIP’ contra a covid-19 e os fura-filas abrem crise política na Argentina

Ministro da Saúde renuncia após o escândalo e um promotor inicia ação penal sobre as vacinações irregulares em todo o país

Enric González
O ministro da Saúde da Argentina, Ginés González García, com a secretária da mesma pasta, Carla Vizzotti, na sexta-feira, durante entrevista coletiva em Buenos Aires.
O ministro da Saúde da Argentina, Ginés González García, com a secretária da mesma pasta, Carla Vizzotti, na sexta-feira, durante entrevista coletiva em Buenos Aires.JUAN MABROMATA (AFP)
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O ministro da Saúde da Argentina, Ginés González García, reservou 3.000 doses da vacina russa Sputnik V para seu uso discricionário. E ele mantinha um espaço VIP de vacinação ao lado de seu escritório. Este é o cerne de uma crise política que pode causar sérios danos ao presidente argentino, Alberto Fernández, e que não termina com a renúncia do ministro: um promotor protocolou na sexta-feira, assim que estourou o escândalo, uma ação penal para que sejam investigadas as vacinações irregulares em todo o país.

O uso político da vacina era conhecido fazia dias. La Cámpora, organização intimamente ligada à vice-presidenta Cristina Fernández de Kirchner, instalou postos de vacinação em várias de suas instalações em Buenos Aires. Suspeitava-se também da existência de uma rede de privilégios, desde que, no início de fevereiro, a professora e ensaísta Beatriz Sarlo revelou que lhe haviam ofertado uma “vacina por baixo dos panos” e que a tinha rejeitado, sem dar maiores detalhes.

Vários jornalistas seguiram a pista. Mas foi um jornalista ligado ao peronismo e do lado dos privilegiados, Horacio Verbitsky, que desvendou o assunto com uma declaração no rádio: “Ontem fui vacinado”. Seu “velho amigo”, o ministro da Saúde, disse ele, lhe havia marcado um encontro na sede do ministério.

Verbitsky agora mantém silêncio. Após seu anúncio, foi demitido de uma estação de rádio e recebeu duras críticas do órgão de direitos humanos (o Centro de Estudos Jurídicos e Sociais) que preside. Diversas personalidades da esfera peronista, como a presidenta das Avós da Plaza de Mayo, Estela de Carlotto (também ela, 90 anos, vacinada a convite do Governo provincial de Buenos Aires) e o dirigente social Juan Grabois, atribuíram a Verbitsky uma “intenção política” difícil de entender.

Para o presidente Fernández, que sem êxitos na economia planejava ir às eleições parlamentares de novembro sob a bandeira de uma campanha eficaz de vacinação, a crise constitui um grave problema. Foi ele quem exigiu a renúncia imediata do ministro (este, na carta de demissão, culpou seu secretário pessoal) e quem eliminou da delegação que o acompanhou em sua viagem oficial ao México, a partir deste domingo, o muito influente deputado Eduardo Valdés e o senador Jorge Taiana. Quis se mostrar inflexível. Mas o dano estava feito. O ministro Ginés González, amigo do presidente há décadas, vacinou irregularmente não apenas políticos afins, mas também familiares e amigos. E a sucessora do ministro, sua até então número dois, a infectologista Carla Vizzotti, chega ao cargo em meio a evidências de que não poderia desconhecer a presença de vacinadores no ministério.

Além dos nomes já conhecidos, como o sindicalista, milionário e presidente do clube de futebol Independiente, Hugo Moyano, e seus familiares, provavelmente se somarão outros nos próximos dias. O promotor Guillermo Marijuan entrou com uma ação penal contra o ministro, o jornalista Verbitsky e “outras pessoas” pelo suposto crime de prevaricação, e exigiu que o Governo e as províncias entreguem as listas de vacinados de forma regular e irregular. “Este é um ato de inusitada gravidade institucional”, disse o promotor Marijuan.

Na Argentina, 241.000 pessoas foram totalmente vacinadas com a Sputnik V, segundo relatos oficiais, e outras 392.000 receberam a primeira dose. Mais de dois milhões de pessoas contraíram o vírus e o número de mortos ultrapassa 51.000.

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