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Donald Trump, de presidente a incômodo vizinho em Palm Beach

Flórida é reduto do trumpismo, mas os bilionários que frequentam esta região do Estado sulista temem que a chegada do ex-presidente estrague sua luxuosa tranquilidade

David Marcial Pérez
O então presidente Trump fala a jornalistas na porta da sua mansão Mar-a-Lago, após reunião com funcionários do Pentágono, em dezembro de 2020.
O então presidente Trump fala a jornalistas na porta da sua mansão Mar-a-Lago, após reunião com funcionários do Pentágono, em dezembro de 2020.Carlos Barria (REUTERS)
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O dia seguinte de Trump

- Ele está te vendo. Vai descer agora. É melhor você ir embora.

O jardineiro adverte ao repórter de que este cruzou uma linha vermelha e que tudo está sendo registrado nas câmeras de segurança. “Podemos continuar conversando, mas na rua. O que o incomoda é que você esteja aqui na entrada. Melhor sair, porque ele vai chamar a polícia e vão levar você. Isto é propriedade privada”, insiste, em espanhol, o funcionário mexicano de uma das mansões à beira-mar em Palm Beach, imóvel que está entre os novos vizinhos de Donald Trump.

A rua, na verdade, é uma estrada. A calçada é uma faixa também asfaltada de meio metro entre o meio-fio e os primeiros tijolos da casa. Sem cercas, sem arbustos, sem grades. Sem nenhuma sinalização. Não é preciso, porque todo mundo sabe que, em caso de dúvida, tudo em Palm Beach é propriedade particular.

– O que o dono da casa acha de Trump vir morar aqui agora?

– Está preocupado por coisas como esta.

São os transtornos que surgem quando se tem um ex-presidente por perto. E ainda mais um ex-presidente como Trump, um personagem megalomaníaco, que passou os quatro anos de mandato tentando chamar a atenção de forma quase compulsiva. Um ímã para curiosos, fanáticos pró e contra, jornalistas e qualquer pessoa que venha importunar um dos lugares mais exclusivos do mundo, o quintal da aristocracia norte-americana desde o final o século XIX. Os Rockefeller, os Carnegie e os Kennedy passaram por aqui.

Trump decidiu trocar Nova York pela Flórida sobretudo por motivos fiscais —é um dos Estados onde menos se pagam impostos nos EUA— e aproveitando que desde a década de 1980 possui uma mansão à beira-mar na ilha dos super-ricos. A Flórida, sobretudo o sul, é além do mais um reduto trumpista, onde ele ganhou as duas eleições que disputou. Na quarta-feira passada, foi recebido como herói em Palm Beach, um condado próspero a 110 quilômetros de Miami.

Centenas de seguidores recepcionaram a comitiva familiar no trajeto até a ilha. Ali havia mulheres de classe média, motoqueiros com adesivos do paranoico movimento radical QAnon, indivíduos brancos da classe trabalhadora vindos de outros pontos do Estado. “Dirigi quase duas horas para estar aqui e apoiar o meu presidente”, afirmou o caminhoneiro Mike Reynolds, de 52 anos.

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Os fanáticos trumpistas não vivem no lugar mais caro da Flórida, onde o preço médio de um imóvel é de sete milhões dólares (38,2 milhões de reais), o triplo que em Miami Beach, segundo a imobiliária local Douglas Elliman. A ilha de Palm Beach é também o refúgio de democratas ilustres como Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York e inimigo declarado de Trump. E anda procurando casa aqui o dono da Amazon, Jeff Bezos, um dos homens mais ricos do mundo e também adversário do republicano.

A carta aos serviços de Inteligência

A rejeição de alguns moradores vem de longe. Em dezembro, alguns deles enviaram uma carta conjunta endereçada à administração do condado e aos serviços secretos, alegando que o ex-presidente não poderia viver na mansão de Mar-a-Lago por razões jurídicas. Na década de 1990, o próprio magnata alterou a escritura da sua residência particular, transformando-a em clube social. “Palm Beach tem muitos outros imóveis adoráveis, certamente ele pode encontrar algum que satisfaça as suas necessidades”, conclui a carta, articulada pelos advogados dos vizinhos de Trump, os DeMoss, uma rica família de filantropos evangélicos.

Em 1985, um Donald Trump já milionário graças aos negócios de seu pai construtor comprou por 10 milhões de dólares o terreno de sete hectares, incluindo a mansão, construída na década de 1920 pela oligarca nova-iorquina Marjorie Merriweather Post, então a mulher mais rica dos Estados Unidos. Essa dama de alta sociedade contratou arquitetos norte-americanos e decoradores europeus que conceberam um conjunto de inspiração mediterrânea, com telhas cubanas e milhares de azulejos espanhóis. Merriweather Post morreu em 1973, e no seu testamento determinou que Mar-a-Lago passasse a ser uma residência de inverno para os presidentes dos Estados Unidos. Esse desejo nunca foi atendido, e seus herdeiros acabaram vendendo a propriedade a Trump, persuadido por sua ex-esposa Ivana.

Em meados dos anos noventa, num momento difícil para seus negócios, ele primeiro tentou derrubar a mansão para lotear e vender o terreno, mas o condado não permitiu. Seu movimento seguinte foi transformar o imóvel em um clube privado, com quadras de tênis, spa, mais de 100 quartos e uma cota de inscrição para sócios que atualmente é de 200.000 dólares (1,1 milhão de reais). Os quatrocentões de Palm Beach temeram uma invasão de novos-ricos e pressionaram o condado. Desta vez, sem sucesso.

Trump continuou irritando seus vizinhos ao içar uma bandeira norte-americana de 24 metros de altura no jardim, infringindo as normativas de altura, mas sobretudo o gosto discreto de seus vizinhos. A tensão cresceu quando ele virou presidente. Suas contínuas viagens à que chamou de “a Casa Branca do sul” paralisavam o trânsito num raio de vários quarteirões, interrompendo o acesso a ruas e praias e resultando em aglomerações de curiosos, fãs e jornalistas.

Foi exatamente o que voltou a ocorrer nesta quarta-feira após sua chegada ao novo lar. Desde a noite anterior, as imediações da mansão já estavam tomadas pela polícia, com helicópteros sobrevoando a área e interrupções de trânsito que na quarta-feira chegavam à ponte que liga a ilha ao continente. “É muito incômodo porque não dá para caminhar nem ir à praia. Além disso, eu quase não posso nem sair de casa porque não sou daqui”, dizia CK Magalli, de 22 anos, uma estudante de psicologia de origem filipina. Sua tia trabalha como cozinheira em uma das mansões dentro do perímetro de segurança e recomendou à sobrinha que evite deslocamentos nestes dias.

A nova polêmica da casa de Mar-a-Lago surgiu no último dia do ano. O salão de baile da mansão, decorado no estilo Luis XIV, abrigou uma festa para mais de 500 convidados, a 1.000 dólares por pessoa. Num vídeo publicado nas redes sociais pelo filho mais velho do magnata, Donald Trump Jr, se vê a multidão sem máscara, enquanto Vanilla Ice, a réplica branca e desbotada do boom do hip-hop nos anos noventa, canta sobre o palco. As autoridades locais intervieram com uma carta ao gerente do imóvel em que o advertiam de que uma nova violação das normas sanitárias acarretará uma multa de 15.000 dólares (82.000 reais).

O deputado democrata local Omari Hardy se lamentava dias depois: “A permissividade do condado lança a mensagem de que você pode violar as normas se for rico e tiver bons contatos”. Um argumento similar ao da jornalista Lysandra Ohrstrom, ex-amiga de Ivanka Trump, colegas numa escola de elite para meninas no Upper East Side de Manhattan. Em um duro artigo publicado na Vanity Fair, dava-lhe definitivamente as costas por se alinhar com as políticas mais selvagens de seu pai, rompendo com a Nova York cosmopolita e liberal onde se conheceram: “Espero que Ivanka encontre uma aterrissagem suave em Palm Beach e viva onde a supremacia branca é de rigor e a maioria das maldades é perdoada se você tiver dinheiro suficiente”.

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