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O pesadelo de 16 crianças venezuelanas separadas dos pais e à deriva, devolvidas ao mar por Trinidad e Tobago

Deportação dos menores, que passaram dois dias em um pequeno barco no Caribe, evidencia o drama de centenas de pessoas

Naufragio embarcacion Trinidad y Tobago
Migrantes venezuelanos chegam de barco a Los Iros Beach, em Trinidad e Tobago, no dia 24 de novembro.LINCOLN HOLDER/COURTESY NEWSDAY (Reuters)
Florantonia Singer

No domingo 29 venezuelanos detidos na costa de Chatham Beach, em Trinidad e Tobago, foram colocados em dois barcos e deportados para a Venezuela. Entre eles estavam 16 crianças, uma delas de quatro meses, sem os pais. Seus familiares passaram quase dois dias sem saber seu paradeiro, até chegarem à Venezuela, a uma ilhota de um canal do Orinoco, na costa do Delta Amacuro, no leste do país. Horas depois, por uma ordem da Suprema Corte de Trinidad e Tobago, emitida antes da deportação, foram embarcados de novo para o arquipélago, onde seus familiares tinham permanecido. Ainda esperam para saber em que situação jurídica ficarão.

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O limbo de ida e volta em que se encontram estes migrantes provocou uma onda de indignação e mal-estar em relação aos maus-tratos aos venezuelanos, que nos últimos anos protagonizaram o movimento migratório mais importante da região, expulsos pela grave crise política, econômica e social e pela emergência humanitária que se vive no país sul-americano sob o regime de Nicolás Maduro. Mais de cinco milhões de venezuelanos emigraram nos últimos anos, segundo as Nações Unidas.

Estes migrantes chegaram às praias do sul da ilha de Trinidad em 17 de novembro, quando foram detidos pela polícia daquele país. Os advogados que os assistiram entraram com um habeas corpus para evitar a deportação. No entanto, pouco antes da audiência, foram expulsos, informou o oposicionista David Smolansky, comissário da Organização dos Estados Americanos (OEA) para a crise dos migrantes e refugiados venezuelanos. De acordo com as informações que obteve, a maioria dos pais dos menores de idade reside legalmente em Trinidad. As crianças viajaram com o objetivo de finalmente se reunir com suas famílias.

Grupo de crianças venezuelanas come depois de passar dois dias no mar, em Trinidad e Tobago, em 24 de novembro.
Grupo de crianças venezuelanas come depois de passar dois dias no mar, em Trinidad e Tobago, em 24 de novembro.LINCOLN HOLDER/COURTESY NEWSDAY (via REUTERS)

Em um vídeo divulgado nas redes sociais, Eliecer Torres se identificou como representante dos familiares das 16 crianças e de outras nove mulheres que foram deportadas. Afirmou que desconhecem os motivos pelos quais foram devolvidos à Venezuela. “Os barcos em que os enviaram não tinham número nem registro, nem sabemos quem é o capitão”, disse o homem, acrescentando que zarparam apesar do mau tempo. Com um céu totalmente cinza coberto de nuvens, voltaram em botes sem coletes salva-vidas ou maior proteção para a travessia.

O alerta sobre a situação dessas crianças chegou até a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que na segunda-feira exortou o Governo de Trinidad a “garantir a entrada no território de pessoas venezuelanas que buscam proteção internacional por urgentes razões humanitárias, bem como a respeitar o princípio de não devolução”. O deputado Julio Borges, que atua como representante da equipe do venezuelano Juan Guaidó em Bogotá, pediu à Organização Internacional para as Migrações e ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados que interviessem no caso.

As tensões de Trinidad e Tobago com os migrantes se repetem, embora Nicolás Maduro –que sofre um intenso cerco internacional– mantenha boas relações com o primeiro-ministro do país caribenho. Trinidad e Tobago concentra cerca de 40.000 venezuelanos e limitou a recepção com a imposição de vistos desde o ano passado. A deportação se tornou algo cotidiano em Trinidad, um destino que fica a apenas 45 minutos de barco das planícies venezuelanas de Delta Amacuro. A polícia de Trinidad pede aos seus cidadãos que comuniquem por telefone a presença de imigrantes ilegais. Mais de 440 venezuelanos foram detidos em 2018 por falta de documentos, sem a devida assistência jurídica e médica, segundo a organização humanitária Refugees International.

O ministro da Segurança de Trinidad, Stuart Young, declarou na terça-feira que desconhecia a situação dos menores deportados e pôs em dúvida as denúncias, mesmo quando acompanhadas por vídeos das crianças dentro das embarcações. Em uma entrevista coletiva, atacou com mais ameaças. “Se um migrante entra ilegalmente na ilha, imediatamente se torna uma pessoa indesejável e deverá enfrentar as consequências”, disse o funcionário. “Dizemos aos venezuelanos legais na ilha: se for descoberto que estão ajudando outros conterrâneos sem documentos, sua permissão será revogada e também serão deportados.”

Smolansky denunciou que não pôde visitar o país caribenho para conhecer em primeira mão a situação dos venezuelanos, apesar de ter pedido permissão ao Governo de Keith Rowley há mais de um ano. “Tornou-se recorrente em Trinidad e Tobago a detenção, a negação de permissões, a violência e os maus-tratos às mulheres e a xenofobia”, afirma. As rotas marítimas entre a Venezuela e Trinidad se tornaram um corredor de escoamento das redes de tráfico de pessoas que alguns pesquisadores estimam em mais de 4.000 venezuelanos nos últimos quatro anos. No ano passado, duas embarcações com 71 migrantes venezuelanos desapareceram depois de terem partido de Güiria, no leste do país.

Em outubro, o senador democrata Bob Menéndez denunciou que o Governo de Donald Trump estava deportando venezuelanos por Trinidad e Tobago. “Os novos documentos fornecidos ao meu escritório confirmam que as deportações dos Estados Unidos para a Venezuela continuaram através de terceiros países até pelo menos março de 2020, enquanto a Administração de Trump ofereceu poucas garantias de que não continuará devolvendo à força os venezuelanos a um regime que as Nações Unidas declararam recentemente cometer crimes de lesa-humanidade”, escreveu Menéndez em uma carta enviada ao secretário de Estado, Mike Pompeo, e a outras autoridades na qual pedia explicações sobre essas denúncias. Até o momento, nem a Chancelaria venezuelana nem Maduro se referiram às crianças deportadas.


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