União Europeia pretende suspender fundos comunitários em caso de afronta à democracia
Polônia e Hungria, que podem estar sujeitas a essa punição financeira, manobram para impedir que o Conselho a endosse, embora a Alemanha tenha amplo apoio entre os parceiros do bloco
As instituições da União Europeia (UE) conseguiram chegar a um acordo nesta quinta-feira para criar um mecanismo que suspenda recursos comunitários para países onde as regras do Estado de Direito são violadas ou estejam em perigo. Pela primeira vez em sua história, o clube europeu vai dispor de uma punição financeira bilionária para frear as tendências antidemocráticas que já apareceram em vários de seus membros, com Hungria e Polônia à frente. O sistema entrará em vigor com o novo quadro orçamentário, que entre 2021 e 2027 movimentará 1,8 trilhão de euros (cerca de 12 trilhões de reais) entre o orçamento ordinário e os 750 bilhões de euros (4,95 trilhões de reais) do fundo de recuperação.
O acordo também elimina um dos obstáculos importantes para a aprovação dos orçamentos e a implementação do fundo de recuperação. As divergências sobre o montante final de alguns programas ainda persistem, mas a criação do mecanismo de proteção do Estado de Direito atende a uma das exigências mais importantes do Parlamento Europeu.
Se a investigação concluir que os fundos estão em perigo, a Comissão poderá propor a suspensão do desembolso, decisão que terá de ser aprovada por maioria qualificada no Conselho. Nenhum país terá, portanto, direito de veto, embora esteja previsto um freio de emergência para levar a questão ao Conselho Europeu e submetê-la à deliberação dos chefes de Estado e de Governo. No entanto, o Parlamento conseguiu introduzir uma cláusula para garantir que esse freio de emergência não paralise indefinidamente o processo. E o acordo inclui o compromisso da Comissão de forçar uma votação no Conselho, caso seja detectado algum adiamento por obstrução.
O acordo amplia a definição do conceito de Estado de Direito para incluir questões como o pluralismo político, a liberdade de imprensa e o respeito às liberdades em geral. Além disso, estabelece um cronograma exigente para a tramitação do processo, que precisa ser concluído entre cinco e nove meses após a sua abertura.
“É um grande avanço”, avalia a eurodeputada socialista Eider Gardiazabal, uma das negociadoras do acordo em nome do Parlamento Europeu. “O mecanismo não só punirá as violações do Estado de Direito, como também terá caráter preventivo, pois poderá ser acionado quando houver suspeitas de que a situação de um país pode afetar a gestão dos fundos”, acrescenta Gardiazabal.
O negociador por parte da bancada dos populares, o eurodeputado Petri Sarvamaa, acredita que o mecanismo “vai permitir endireitar o curso de um navio que tinha começado a se desviar perigosamente”. Sarvamaa aponta como sinal de alerta “o que aconteceu nos Estados Unidos nos últimos quatro anos, com uma extrema polarização que chegou até à nomeação dos juízes. Queremos evitar que isso aconteça na Europa”.
Gardiazabal insiste que o mecanismo não visa nenhum Estado específico e que será aplicado igualmente a todos os membros da comunidade. Mas os candidatos mais claros a alvo são alguns parceiros da Europa Central, como a Hungria e a Polônia, que estão sujeitas há anos a um processo, com base no artigo 7 do Tratado Europeu da UE. Esse procedimento permite suspender no Conselho da UE o direito de voto dos países afetados, uma bomba nuclear política que nunca chegou a ser ativada por falta de maioria suficiente.
O novo mecanismo busca preencher as lacunas do artigo 7 e introduzir um sistema de vigilância preventiva muito mais rápido e contundente. Os fundos comunitários são vitais para países como a Hungria e a Polônia, para os quais foram designados entre 2014 e 2020 um total de 25 bilhões de euros (164 bilhões de reais) e 86 bilhões de euros (565 bilhões de reais), respetivamente. Ou mais de 2.500 euros e 2.200 euros, em média, por habitante nesse período.
O acordo alcançado nesta quinta-feira introduz um novo sistema de gestão de fundos que, em caso de sanção a um Estado Membro, permitirá à Comissão estabelecer um canal direto com os beneficiários finais para evitar que não sejam indevidamente lesados. O sistema visa evitar que algum Governo tome os beneficiários da ajuda como “reféns financeiros” na tentativa de paralisar o processo ou fomentar a reação da opinião pública contra a UE.
O texto pactuado nesta quinta-feira precisa ser ratificado pelo Parlamento Europeu, mas tem o apoio dos partidos populares, socialistas, liberais e verdes, razão pela qual se espera uma rápida tramitação. No Conselho da UE é necessária a aprovação por maioria qualificada. Polônia e Hungria já indicaram nas últimas semanas a sua rejeição do projeto. Mas a presidência de turno alemã está convencida de que possui a maioria qualificada necessária para levá-lo adiante.
As negociações partiram de uma proposta da Comissão Europeia de 2018, que praticamente ficou estagnada tão logo apresentada. A crise econômica desencadeada pela pandemia de covid-19 precipitou o acordo histórico de julho para a criação de um fundo de recuperação com dívida comunitária. E esse pacto também promoveu a formação de um mecanismo de controle, embora, no interesse do consenso, a presidência alemã da UE tenha rebaixado o projeto inicial.
A principal mudança foi estabelecer um vínculo bem estreito entre o mecanismo e a gestão dos fundos, de modo a evitar que a punição pudesse ser usada em casos de violações do Estado de Direito que não tenham impacto no orçamento comunitário. E a isto se acrescenta que a suspensão dos fundos exigirá a aprovação por maioria qualificada no Conselho. A Comissão havia proposto a fórmula inversa, pela qual a suspensão entraria em vigor a menos que uma maioria qualificada do Conselho fosse contra. Dessa forma, o país em questão teria mais dificuldade em encontrar aliados suficientes para frear o processo.
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