Lei na Nicarágua prevê pena de prisão para quem o Governo considerar que publica notícias falsas
Norma, conhecida como ‘Lei Mordaça’, não afeta apenas jornalistas, mas também qualquer cidadão que fizer críticas à Administração de Daniel Ortega em plataformas digitais
O Governo de Daniel Ortega continua tolhendo a liberdade de expressão na Nicarágua. Nesta terça-feira, o Parlamento leal ao sandinismo aprovou a chamada Lei Especial de Delitos Cibernéticos, cujo objetivo principal é criminalizar a publicação em meios independentes e redes sociais de conteúdos que o Governo considerar falso. A pena será de 1 a 10 anos de prisão. Essa norma, conhecida como Lei Mordaça, não afeta apenas jornalistas, mas também qualquer cidadão que fizer críticas à Administração de Ortega em plataformas digitais. A Lei Especial dos Delitos Cibernéticos é parte de um tripé legislativo promovido pelo regime de Ortega que, segundo seus críticos, está concebido para calar as vozes dissidentes que denunciam as constantes violações de direitos humanos neste país centro-americano.
O Governo nicaraguense aprovou há menos de 15 dias, como parte desse tripé legislativo, a Lei de Agentes Estrangeiros, que proíbe o financiamento e as doações internacionais à sociedade civil, ONGs, jornalistas e especialmente grupos de oposição, como forma de limitar suas atividades de organização política. Com isso, além Lei Especial dos Delitos Cibernéticos, fica agora pendente de aprovação a terceira norma do tripé, que imporá penas de prisão perpétua para “castigar os crimes de ódio” que Ortega atribui a seus detratores.
O que mais chamou a atenção com a aprovação da lei de crimes digitais é que será o próprio Governo quem determinará se uma informação publicada por determinado jornalista, meio de comunicação ou cidadão é falsa. O embasamento da lei foi redigido no mesmo tom que Ortega e sua esposa, a vice-presidenta Rosario Murillo, costumam utilizar para desacreditar publicamente as denúncias de violações de direitos humanos ou investigações jornalísticas. “Quem, usando as tecnologias da informação e da comunicação, publicar ou difundir informação falsa e/ou tergiversada, que gere alarme, temor, desânimo na população, ou a um grupo ou setor dela, a uma pessoa ou a sua família, ficará sujeita a pena de dois a quatro anos de prisão e 300 a 500 dias de multa”, diz o artigo 30 da lei, embora em artigos seguintes a pena seja elevada a até cinco anos de prisão.
“A aprovação desta lei constitui uma forma de endurecimento das relações dos governantes com a imprensa. Uma medida destinada a calar vozes, que vai além de suas fronteiras para se inscrever num universo maior: o conjunto da sociedade nicaraguense”, disse ao EL PAÍS o especialista em meios de comunicação Guillermo Rothschuh.
A normativa também impõe penas de cinco a nove anos de prisão para quem publicar vazamentos de informação sobre o Governo, uma prática jornalística recorrente em um regime de zero transparência pública. “Não acredito que impeça os vazamentos, que historicamente sempre ocorreram na Nicarágua. Tampar esse buraco é quase impossível. Tampouco acredito que o jornalismo contrário ao Governo irá retroceder. Assim pelo menos expressaram seus rostos mais visíveis. Silenciar um povo é uma tarefa fracassada. Assim confirma nossa história passada e recente”, insistiu Rothschuh.
O jornalista Néstor Arce, fundador do site Divergentes e especialista em meios digitais, afirma que esta lei “procura deter o vazamento de informação das repartições públicas que ajudam jornalistas a realizarem investigações que evidenciam a má gestão e a corrupção dos gabinetes do Estado”. E insiste que o fato de o próprio Governo decidir o que é notícia falsa e punir quem for considerado o responsável pela sua publicação “não é só uma ameaça à liberdade de imprensa, mas à liberdade de expressão de cada cidadão nicaraguense que publicar através de seus próprios meios digitais, sejam redes sociais, blogs ou mensagens instantâneas”. Conforme o texto aprovado pelos deputados sandinistas, a lei de crimes cibernéticos entrará em vigor 60 dias depois da sua publicação no diário oficial.
Espionagem
Outro artigo polêmico, o 39, diz que o Governo poderá obrigar os provedores de Internet na Nicarágua a “compilarem, extraírem ou gravarem os dados relativos a um usuário, assim como o tráfego de dados em tempo real, através da aplicação de medidas tecnológicas”. A advogada Vilma Núñez, presidenta do Centro Nicaraguense de Direitos Humanos (CENIDH), opina que esta lei “instaura na prática uma estrutura e mecanismos de espionagem”.
Mas, do ponto de vista técnico, o regime de Ortega poderia ter pouca ou nenhuma capacidade de controlar o espectro digital: a quantidade de informação gerada nas redes sociais e outros sites é tamanha que o Governo necessitaria um investimento milionário, do ponto de vista tecnológico e humano, para poder executar controles similares aos que são exercidos pela China e a Rússia, segundo o jornalista Arce.
Em 2018, durante os protestos sociais na Nicarágua, o jornal israelense Haaretz revelou empresas privadas de Israel venderam a Ortega programas de espionagem e coleta de inteligência para “localizar e deter ativistas de direitos humanos, perseguir membros da comunidade LGTBI e silenciar aos cidadãos que o criticavam”.
“O Governo poderia ordenar aos provedores de serviço de Internet que restrinjam o acesso a sites e redes sociais, colocando as URLs numa lista proibida, como acontece na Venezuela e Cuba, por exemplo. Em todo caso, o regime continuará realizando seu controle e monitoramento em pequena escala, como já vem fazendo e aumentando desde 2018, através de suas estruturas territoriais e vicinais, de forma muito análoga”, explicou Arce. Entretanto, salientou o jornalista, a amplitude da lei lhes permite intervir e solicitar informação às pessoas naturais e jurídicas, e estas terão que entregar seus dispositivos informáticos e o acesso às contas que sejam investigadas pelo regime.
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