Juíza concede liberdade ao ex-presidente colombiano Álvaro Uribe

O também ex-senador continuará sendo investigado pelo caso de manipulação de testemunhas que o mantinha em prisão domiciliar

O ex-presidente colombiano Álvaro Uribe na Corte Suprema, numa imagem de outubro de 2019.Luisa Gonzalez (Reuters)

Uma juíza de garantias da Colômbia ordenou neste sábado a liberdade de Álvaro Uribe Vélez, presidente do país entre 2002 e 2010, como pedia a defesa do político – que enfrenta processo por manipulação de testemunhas e estava em prisão domiciliar havia mais de dois meses em sua fazenda de El Ubérrimo, no norte do país, por ordem da Corte Suprema de Justiça. O ex-mandatário será agora investigado em liberdade, como requeriam com insistência tanto o presidente Iván Duque como o Centro Democrático, o partido governista.

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“Será ordenada a liberdade imediata do doutor Álvaro Uribe Vélez”, decidiu a juíza Clara Ximena Salcedo no final de uma acidentada audiência virtual, embora ela tenha deixado claro que sua decisão não se refere à nulidade das ações da Corte Suprema. Os representantes das vítimas no processo, que defenderam a validez e a vigência das investigações até agora, apelaram da decisão com o objetivo de que seja revogada em segunda instância. “Graças a Deus”, afirmou quase de imediato o ex-mandatário. O presidente norte-americano, Donald Trump, também reagiu no Twitter, parabenizando Uribe e o qualificando de “herói”.

A medida da prisão domiciliar para Uribe não tinha precedentes na Colômbia. O influente ex-presidente, fundador do Centro Democrático, chefe indiscutível de sua bancada legislativa e mentor de Duque, havia se tornado também o senador mais votado da história do país em 2018, com mais de 800.000 votos. Em 18 de agosto, no entanto, ele renunciou para sair da órbita da Corte  Suprema, encarregada de julgar quem tem foro privilegiado, como os congressistas. No início de setembro, a sala de instrução da Corte decidiu enviar à Procuradoria Geral o processo, relacionado com os supostos crimes de suborno e fraude processual, considerando que havia perdido competência. O ex-presidente, com um extenso histórico de enfrentamentos com os altos tribunais, alegou que a Corte violou garantias processuais, enquanto seus detratores denunciaram manobras dilatórias de seus advogados defensores.

Boa parte da confusa audiência virtual para decidir sobre a liberdade de Uribe, que havia começado na última quinta-feira durante uma interminável jornada de 12 horas, concentrou-se em discutir tecnicismos sobre as implicações da mudança no esquema processual devido ao envio do processo para a Justiça comum. Os representantes do senador Iván Cepeda, reconhecido como vítima no caso da manipulação de testemunhas contra o ex-presidente, havia pedido que se continuasse sob a antiga lei que rege os processos na Corte, enquanto os advogados de Uribe queriam passar para o mais recente sistema penal acusatório, como de fato ocorreu.

Por trás desse intrincado debate jurídico, com diversas interpretações, está um dos aspectos centrais do caso. Além da liberdade do ex-mandatário, a Justiça deve determinar o ponto a partir do qual retomará os avanços da Corte Suprema, onde Uribe já havia feito defesa prévia e estava formalmente vinculado a uma investigação penal. Mas seus advogados inclusive argumentaram que o Ministério Público deveria reiniciar do começo das investigações. A defesa teria que realizar um pedido formal perante outro juiz para que as ações sejam anuladas. “Não há nenhuma razão válida para que se anule tudo o que foi investigado. Uribe foi investigado pelo tribunal supremo da Justiça penal da Colômbia”, afirmou o senador Cepeda em recente entrevista ao EL PAÍS.

O caso da manipulação de testemunhas é o que mais avançou entre as cerca de 10 investigações que Uribe enfrenta na Justiça colombiana. Esse processo remonta a 2012, quando o ex-mandatário apresentou uma denúncia contra Cepeda na Corte Suprema por um suposto complô que, segundo sua versão, envolvia falsas testemunhas em prisões colombianas com o propósito de vinculá-lo a atividades de grupos paramilitares. Mas a Corte absolveu Cepeda há dois anos e pediu que Uribe fosse investigado sob a suspeita de que ele e seus advogados eram os que tinham manipulado testemunhas contra seu adversário político.

As investigações da Corte haviam se concentrado em determinar se pessoas do entorno do ex-presidente pagaram em dinheiro e ofereceram benefícios a ex-paramilitares para que se retratassem de suas alegações. A denúncia original de um paramilitar, Juan Guillermo Monsalve, indica que numa antiga propriedade da família de Uribe, a fazenda Guacharacas, foi formado um bloco de autodefesas nos anos noventa, quando o político era governador do departamento de Antioquia.

Diego Cadena, um dos advogados do ex-presidente, permanece em prisão domiciliar desde agosto, enquanto é investigado pelos mesmos crimes de suborno e fraude processual numa ação paralela à de Uribe. Cadena é considerado uma peça-chave nas investigações, acusado de oferecer benefícios a vários reclusos para que testemunhassem a favor do ex-mandatário e contra Cepeda. Uribe disse não ter conhecimento de que Cadena havia oferecido os benefícios.

O próprio presidente Duque se dedicou a defender a “honradez” de Uribe. Afirmou desde o início que ele deve ser julgado em liberdade em reiterados pronunciamentos, que diversos setores interpretaram como pressões indevidas e falta de respeito à separação de poderes. “Acredito e sempre acreditarei na inocência e na honradez daquele que, com seu exemplo, ganhou um lugar na história da Colômbia”, declarou Duque, do púlpito presidencial, horas após a Corte Suprema anunciar a prisão domiciliar que a juíza reverteu neste sábado.

A Corte também decidiu enviar ao Ministério Público, no mês passado, outros três volumosos processos nos quais investigava o ex-presidente de forma preliminar. São os relacionados com os massacres de Ituango (conhecidos como El Aro e La Granja), o massacre de San Roque (no qual, segundo a Corte, os perpetradores, “ao que parece”, utilizaram a fazenda Guacharacas como base de operações) e o homicídio do defensor de direitos humanos Jesús María Valle. Todos ocorreram enquanto Uribe era governador de Antioquia, entre 1995 e 1997, mas foram declarados crimes de lesa humanidade, de modo que não vão prescrever. O alto tribunal argumentou que perdeu competência para investigá-los, já que Uribe deixou de ser senador da República.

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