Vídeos com irmão de López Obrador recebendo dinheiro para campanhas desatam crise no México
Presidente mexicano afasta David León, que em 2015 entregou o equivalente a 500.000 reais em envelopes, da direção da nova distribuidora estatal de medicamentos
Do imaculado discurso anticorrupção do presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, emergiu uma mancha. Várias gravações, divulgadas nesta quinta-feira pelo portal de notícias Latinus, mostram um dos irmãos do presidente, Pío López Obrador, recebendo envelopes com dinheiro de David León, atual diretor da nova distribuidora estatal de medicamentos. As imagens são de 2015 e captam a entrega de apoio para atividades eleitorais do então dirigente do partido Morena no Estado de Chiapas. León já vinha fazendo esses pagamentos havia um ano e meio, segundo o que declara nas gravações. São cerca de dois milhões de pesos, o equivalente a 500.000 reais. O presidente mexicano pediu que o episódio seja investigado e afastou do cargo o funcionário envolvido na entrega do dinheiro.
Em um dos vídeos, de junho de 2015, David León, que na época trabalhava como consultor, vai à casa de Pío López Obrador para lhe entregar um pacote que afirma conter um milhão de pesos (250.000 reais). Em seguida eles falam sobre a próxima entrega de mais um milhão. Leon então lhe pede que informe seu irmão sobre a origem do dinheiro. “Avise o advogado, usando os seus meios, que nós o estamos apoiando. A graça é que ele veja que tem apoio”, diz. “Irmão, irmão. Já sabe, já sabe perfeitamente bem. Além disso, eu já lhe mandei mensagens”, responde Pío López Obrador.
Em outra gravação, de maio de 2015, o irmão do presidente e David León se encontram em um restaurante para mais uma entrega de dinheiro, embrulhado em um pacote de cor alaranjada. Na ocasião, Pío López Obrador faz anotações em um caderno preto, enquanto reclama dos atrasos no pagamento e de que o valor não está completo. Faltam 30.000 pesos. “A entrega é mensal.” León se justifica: “Estive atrasado algumas vezes, mas hoje estamos aqui ...”. “Sim, sim, entendo irmão. Ok “, diz o outro.
O presidente disse na manhã desta sexta-feira em entrevista coletiva à imprensa que não sabe se esse dinheiro foi declarado ao Instituto Nacional Eleitoral (INE), algo obrigatório nestes casos. “Só sei que muitas pessoas contribuíram com recursos para a campanha. Tratava-se de apoios das pessoas para financiar a campanha de Chiapas, combustível, equipamento de som e assim por diante”, disse o presidente. “O Morena não venceu”, lembrou López Obrador. O presidente recomendou que os vídeos sejam entregues ao Ministério Público e que seu irmão e David León deponham à Justiça. “Eu lhe disse [a León] que responda à denúncia e diga a verdade”. “Já faziam cinco dias que eu sabia que esses vídeos seriam divulgados, por isso eu disse a David León que ele não poderia assumir o controle da empresa farmacêutica”, afirmou. “Vamos procurar outra pessoa enquanto isso é esclarecido e David fica limpo.”
León, que acaba de ser nomeado diretor da distribuidora de medicamentos e que até recentemente atuava como coordenador da Defesa Civil, reconheceu a veracidade do vídeo. “De novembro de 2013 a novembro de 2018 fui consultor, e não servidor público. Minha forma de apoiar o Movimento foi com a arrecadação de recursos entre conhecidos para a realização de assembleias e outras atividades”, afirmou em sua conta no Twitter. Antes do escândalo, López Obrador o havia definido como “um dos melhores quadros do Governo”.
A divulgação dos vídeos ocorre em meio ao caso Lozoya. Esta semana veio à tona material relacionado a essa causa: uma gravação que mostra um grupo de políticos recebendo subornos e a denúncia do ex-diretor da Pemex Emilio Lozoya na qual ele implica três ex-presidentes e 14 outros políticos em episódios de corrupção. López Obrador solicitou a divulgação desse material como forma de “purificar a vida pública”. Agora, a gravação de uma entrega de dinheiro, cena semelhante àquelas que López Obrador tanto criticou, se volta contra ele.
O presidente afirmou nesta sexta-feira que o vazamento desses vídeos decorre das ações tomadas para investigar o caso Lozoya. Ele insistiu nas diferenças quantitativas entre o escândalo de corrupção do momento e o vídeo em que seu irmão aparece. No primeiro, há 200 milhões de dólares em “garfadas e corrupção do dinheiro público” e, no segundo, trata-se de “cerca de dois milhões de pesos [90.000 dólares]”.
Não é a primeira vez que López Obrador é afetado por um vídeo-escândalo. Em 2004 foi divulgada uma gravação em que se via René Bejarano, coordenador da bancada do PRD na Cidade do México e político próximo ao atual presidente —que na época era chefe de Governo da capital—, recebendo maços de notas do empresário argentino-mexicano Carlos Ahumada. Bejarano foi preso e posteriormente absolvido. Nesse mesmo ano, Gustavo Ponce, secretário de Finanças de López Obrador, apareceu em um vídeo em que apostava dinheiro no cassino Bellagio, em Las Vegas. Ele foi demitido pelo então chefe de Governo e posteriormente Procuradoria o acusou de enriquecimento ilícito. O atual presidente, que então preparava sua candidatura para as eleições presidenciais de 2006, disse ter sido vítima de um complô para prejudicar sua campanha.