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O processo contra o ex-presidente Uribe: paramilitares, falsas testemunhas e subornos

Relatórios judiciais aos quais o EL PAÍS teve acesso descrevem a relação entre o ex-presidente colombiano e seu advogado na busca por depoimentos

Francesco Manetto
Álvaro Uribe chega à sede da Corte Suprema, em outubro de 2019.
Álvaro Uribe chega à sede da Corte Suprema, em outubro de 2019.REUTERS
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A prisão domiciliar preventiva do ex-presidente colombiano Álvaro Uribe Vélez (2002-2010), decretada na terça-feira pela Corte Suprema de Justiça do país andino, é o resultado de uma longa investigação que começou em 2012, dois anos depois de ele deixar o poder. O caso é um cipoal em que se misturam paramilitares, as sombras de coações e falsos depoimentos. E suas consequências provocaram um terremoto político. Se o fundo das acusações iniciais era a suposta relação do ex-mandatário com milícias de autodefesa, a razão que levou os juízes a decretarem por unanimidade uma medida cautelar de prisão domiciliar foi a suspeita de manipulação de testemunhas.

O presidente da Sala Especial de Instrução, Héctor Javier Alarcón Granobles, qualificou-o de “suposto determinador de delitos de subornos a testemunhas em atuação penal e fraude processual”. Na quinta-feira, o tribunal dispôs a mesma medida contra o advogado de Uribe, Diego Cadena, que foi contratado para desmontar acusações lançadas pelo senador esquerdista Iván Cepeda. A Corte tomou uma decisão arriscada, sem precedentes na Colômbia, que enfrenta resistências de parte da sociedade, convencida de que existe uma perseguição, e reparos do atual presidente, Iván Duque, que defende a inocência de Uribe. A justiça terá que estabelecer seu grau de envolvimento na estratégia de defesa. O que o ex-presidente sabia?

O EL PAÍS teve acesso a relatórios e interceptações telefônicas do Ministério Público, incorporados ao sumário do caso, que mostram o interesse do atual senador e chefe do partido do Governo, o Centro Democrático, em cada passo da investigação, a busca por testemunhas que lhe fossem favoráveis, suas reações e disposição em colaborar. As comunicações entre o político e seu advogado são constantes. Cadena fala abertamente de um depoimento manuscrito que ele mesmo redigiu e registrou como prova e pede ajuda a Uribe para que interceda pessoalmente junto a uma possível testemunha com quem se reuniu em Miami. Ambos compartilham sua preocupação com os questionamentos de uma juíza auxiliar do tribunal. Definitivamente, concluem os investigadores, “Diego Cadena se comunica com o senhor Álvaro Uribe Vélez em várias oportunidades, a quem informa sobre cada ação que adianta frente ao caso que é objeto de investigação”.

Estas conversas remontam ao primeiro semestre de 2018, quando a batalha judicial entre o ex-mandatário e Cepeda sofreu uma reviravolta. A Corte começou então a se aprofundar na atuação de Uribe e na suposta contaminação de provas. E agora a Sala de Instrução alega justamente os “possíveis riscos de obstrução da Justiça” para argumentar a prisão preventiva. O escritório do atual advogado de Uribe, Jaime Granados, rejeita essa medida e pede ao tribunal que suspenda o sigilo processual. “O país deve saber que o presidente Uribe não pediu a ninguém que subornasse nenhuma testemunha, nem deu instrução alguma para que se conseguissem testemunhas”, afirmou Granados.

Há duas testemunhas determinantes no caso: os ex-paramilitares Juan Guillermo Monsalve e Carlos Enrique Vélez. Presos, ambos disseram ao juiz que foram pressionados com ofertas para modificar as versões que vinculavam Uribe e seu irmão Santiago à criação, na década de 1990, de um bloco das autodefesas em uma fazenda familiar. Em uma comunicação entre Cadena e seu cliente, em 9 de abril de 2018, fica registrada a preocupação de ambos com o fato de Monsalve não estar mais tão disposto a alterar seu depoimento.

“Devemos persistir”

— Cadena: Veja as incoerências, o sujeito, quando o entrevisto a pedido dele, chega e me diz: “Doutor Cadena, estou muito preocupado porque aqui em La Picota [uma penitenciária de Bogotá] vazou que eu ia me retratar, e temo pela minha vida”. O senhor se lembra de que ele estava pedindo a garantia de que íamos fazer a solicitação formal à Corte para ele.

— Uribe: Claro.

— Cadena: E agora estão saindo com outra coisa. Presidente, devemos persistir sem que a Corte vá dizer que é manipulação…

A relação entre o advogado e Monsalve se tornou uma espécie de assessoramento jurídico gratuito para obter maior segurança na prisão. Entretanto, Uribe não parece convencido e afirma: “É preciso pensar muito bem, porque esse sujeito é muito perigoso”. O advogado acredita que a testemunha recuou por causa da influência exercida por sua esposa. Segundo seu relato, lhe pediu claramente algo em troca, algum compromisso ou garantia não especificada. Então o ex-presidente diz: “Era uma armadilha aí do promotor e da Corte Suprema”.

As tentativas de solicitar um depoimento proveitoso de Monsalve levaram Cadena a estabelecer contatos também com seu companheiro de cela, Enrique Pardo. Em uma conversa telefônica entre ambos, o advogado desabafa. “Não sei… Aqui não há nada às escuras, não há nada ilegal, falamos publicamente. Eu disse as coisas com transparência ao presidente, lhe pedi autorização para o mínimo que fosse, o que acontece que essa gente está jogando com as duas pernas”, afirma o advogado. As interceptações ordenadas pela Justiça documentam uma microgestão da informação por parte de Uribe, que mostra inclusive interesse pelos traços ou pelo caráter das testemunhas.

Quase dois meses mais tarde, em 2 de junho de 2018, às portas do segundo turno das eleições presidenciais, registra-se um telefonema crucial. “Cuidado com esse negócio do Carlos Enrique Vélez”, adverte o político. Essa testemunha acabava de receber a visita de uma juíza-auxiliar da Corte Suprema, Sandra Yepes. Então o advogado lhe explica que tinha redigido uma carta para ele.

“Eu tomei todo o depoimento, ele o assinou”

— Cadena: Eu fui colher um depoimento e ele me disse: “Olhe, eu escrevo muito feio, eu sou uma pessoa sem educação, o senhor poderia me ajudar a redigir o documento”. Eu colhi todo o depoimento, ele o assinou e foram com esse documento dizer que foi feito pelo Diego Cadena?

— Uribe: E isso é normal.

— Cadena: Presidente, regularmente a corte opera de segunda a sexta-feira, por isso eu lhe disse na mensagem que hoje, sábado, a corte estava visitando este senhor.

— Uribe: O que eles podem estar querendo?

— Cadena: Presidente, estão buscando provas, mas estão trabalhando muito rápido…

O ex-mandatário sugere, pouco depois, que o fato de o advogado ter redigido a carta poderia ser um problema, mas Cadena minimiza: “Não tem problema absolutamente nenhum, presidente, é o mesmo que escrevê-la em um computador e que ele a assine, não se preocupe, assim como ele ratificou que era sua assinatura e sua digital, e posteriormente [ratificou] essa carta, esse depoimento, ele enviou outros dois de próprio punho e letra”. O advogado observa também que neste tipo de processos “é preciso atacar a prova”. “Não é questão de jurisprudência, é de atacar a prova, como a gente desacredita uma pessoa que o acusa, vamos demonstrar que isto não é assim, com outras provas”. Entretanto, semanas depois, em 23 de junho, Uribe informa ao advogado que seu assessor parlamentar, Fabián Rojas, “está muito preocupado” com aquela carta. E aproveita para lhe pedir que tome medidas jurídicas contra um dos jornalistas que mais o investigaram, Daniel Coronell, presidente do canal Univisión: “É preciso proceder… muito drasticamente com esse sujeito”.

“Vou cuidar disso, doutor Diego”

A gestão das testemunhas do caso foi feita em várias cidades colombianas, mas o político e Cadena fizeram tentativas também nos Estados Unidos. “Eu já tenho os telefones desse homem, vou lhe mandar, e ele tem os seus. Quem é a pessoa? A pessoa é uma pessoa que vive nos Estados Unidos, é residente norte-americano, por alguma razão fala com este homem lá […]. Ele se coordena com você para poder ir onde o outro estiver”, informa Uribe a Cadena em um telefonema. Os investigadores acreditam possível que esse “outro” seja Juan Carlos Serra, o Tuso, ex-paramilitar que foi extraditado para os EUA e cumpriu pena.

Neste caso também, a participação direta do político é decisiva, conforme os relatórios do Ministério Público. O advogado pede um favor a Uribe antes de viajar a Miami. “Queria que desse uma reforçada nessa reunião, porque o senhor com quem falei, Juan Manuel, senti que ele estava um pouquinho duvidando com relação ao assunto”.

— Uribe: Pois eu falei com ele no domingo, acharia muito preocupante que esteja duvidando, mas já vou ligar para ele.

— Cadena: Como coisa sua presidente, ou mande uma mensagem para ele…

— Uribe: Já vou cuidar disso, doutor Diego.

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