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‘Tiktokers’ e ‘kpopers’ adentram a arena política

A polêmica sobre o boicote de jovens ao comício de Trump em Tulsa mostra o potencial da ação coordenada de certos grupos nas redes sociais

Ángeles Lucas
Parte do auditório vazio no comício do presidente dos  Estados Unidos em 20 de junho, em Tulsa.
Parte do auditório vazio no comício do presidente dos Estados Unidos em 20 de junho, em Tulsa.NICHOLAS KAMM (AFP)
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(FILES) In this file photo Matt Marshall of the right-wing group Washington State Three Percent (3%) speaks at a 'Hazardous Liberty! Defend the Constitution!' rally to protest the stay-at-home order, at the Capitol building on April 19, 2020 in Olympia, Washington. - Facebook has banned a "violent US-based anti-government network" loosely affiliated with the "Boogaloo" movement whose followers have appeared heavily armed at recent protests, the company said June 30. (Photo by Karen Ducey / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / AFP)
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“São duas entradas para cada número de telefone. Você é registrado e receberá um código. E são para você (grátis). Recomendo a todos que queremos ver esse auditório de 19.000 lugares com pouca gente ou completamente vazio, reservar agora e deixá-lo só [Donald Trump] no palco. O que me dizem?”. Aos atropelos, em apenas 56 segundos, a usuária da rede social de vídeos TikTok @maryjolaupp, branca, com cerca de 50 anos, lançou esta mensagem indignada sobre a convocação do primeiro ato de campanha do presidente dos Estados Unidos desde a irrupção do coronavírus, que se realizaria em 20 de junho em Tulsa (Oklahoma, no meio-oeste do país, 403.000 habitantes). Como ela, que teve mais de 700.000 curtidas em sua proposta, muitos outros fizeram um chamado ao boicote, e outros os seguiram. No final, havia muitos lugares vazios no pavilhão da cidade, embora o debate sobre as causas e a influência das redes sociais no resultado ainda esteja em aberto.

“Ok, já tenho 150 ingressos, mas terei mais, sem problemas. Eu o envio ao meu grupo de bate-papo K-pop. Eles também estão ajudando (são 200)”, escreveu @ bangtan_legends7 em um dos mais de 6.000 comentários de outra usuária que incitou os kpopers, uma enorme comunidade de adolescentes e jovens amantes de bandas coreanas, caracterizada por marcado ativismo social.

Cinco dias antes do evento, o presidente da campanha de reeleição de Trump, Brad Parscale, se gabava no Twitter de ter recebido mais de um milhão de pedidos de reserva de assentos. Foi instalada infraestrutura extra para acompanhar o ato ao vivo. Não foi usada. O corpo de bombeiros de Tulsa calculou cerca de 6.200 pessoas no comício, mas o escritório do presidente negou categoricamente que “os esquerdistas e trolls da Internet” conheciam seus métodos para remover números de telefone que ele qualificou como falsos e usaram números para ocupar virtualmente lugares que não usaram.

Os republicanos rejeitam terem sido intimidados por um movimento mais adolescente que jovem. Para justificar o baixo comparecimento, argumentaram que protestos antirracistas fora do complexo do comício dificultaram o acesso de apoiadores de Trump. Vários meios de comunicação dos EUA relataram que o baixo influxo pode ter sido pela relutância dos cidadãos preocupados com o contágio do coronavírus ―a ausência de máscaras e a distância social devida eram evidentes―, observaram ainda que a campanha começou com um erro de cálculo por causa das expectativas de eventos anteriores e indicaram que até apoiadores de Trump fizeram reservas apenas para apoiar o ato, mas sem a intenção de ir.

Mas, com mais ou menos incidência, a controvérsia jogou o foco sobre a capacidade de organização e ação de adolescentes e jovens por meio de redes sociais. “Sem dúvida, há um crescente envolvimento político entre os usuários do Tiktok. E o mais interessante é a idade deles, que são os futuros eleitores. Isso pode se traduzir nas urnas”, diz Ioana Literat, pesquisadora de criatividade online e participação de jovens, da Universidade de Columbia. Ela estuda há mais de dois anos essa plataforma que, em 2019, foi o segundo aplicativo mais baixado no mundo, de acordo com um relatório da SensorTower. “Eles preparam suas intervenções com deliberação e intenção, selecionam os recursos, a música ... E imaginam um público amplo”, acrescenta a especialista, que detectou um crescimento notável no uso da ferramenta durante a pandemia.

De bailes a debates

Ela também alerta para uma mudança substancial no uso da plataforma, projetada principalmente para compartilhar vídeos de dança, música e entretenimento. “Por exemplo, existe um modelo de vídeo em tela dividida destinado a duetos de canções, mas eles são cada vez mais usados para debates políticos. Um usuário convida os demais a apresentar argumentos a favor ou contra”, diz Literat. Para o cientista de dados da Universidade de Munique, Juan Carlos Medina, esses duetos são uma arena sem precedentes de debate público. “Você pode ver discussões de uma pessoa de 13 anos com outra de 40 anos, que não se conheciam, lado a lado”, diz o especialista, que alerta sobre o risco de fornecer dados biométricos e o assédio que essa exposição pode provocar. “Os usuários são como a notícia, os apresentadores. Os jornalistas não são os guardiões da informação. Eles são os protagonistas, não se limitam a compartilhar um link de outra pessoa. São eles que geram a cadeia de comunicação em vídeos curtos e virais, com argumentos pontuais e para chamar a atenção”, conclui Medina, coautor de um estudo no qual foram analisados 8.000 vídeos do TikTok sobre política nos Estados Unidos.

“O TikTok está operando em termos políticos”, acrescenta Medina. E essas mudanças removeram a empresa matriz ByteDance, de propriedade chinesa, que já se envolveu em mais de uma polêmica e possui um aplicativo semelhante, mas exclusivo para a China, chamado Douyin. Em setembro de 2019, o The Guardian revelou que havia moderadores para controlar informações sobre a Praça da Paz Celestial, independência tibetana ou tensões em Hong Kong.

“Nos primeiros dias do TikTok, adotamos um enfoque contundente para minimizar o conflito dentro da plataforma, e nossas diretrizes de moderação permitiram impor sanções por conteúdos que o promoviam, por exemplo, entre seitas religiosas ou grupos étnicos. Mas, quando decolou em nível mundial no ano passado, reconhecemos que essa não era a abordagem correta e começamos a trabalhar para treinar equipes locais que teriam uma compreensão ponderada de cada mercado”, informam fontes do TikTok.

Mudanças de estratégia

Para Medina, o fato de o TikTok ter contratado o responsável pelo streaming da Disney como diretor executivo poderia ser uma declaração de intenções. “Eles perceberam que o uso político não pode ser contido, embora os algoritmos possam ser alterados (para controlar a visibilidade). Talvez agora tenham mais padrões ocidentais”, diz o pesquisador. “As diretrizes anteriores estão desatualizadas e não são mais usadas. Também entendemos a necessidade de ser mais transparentes na comunicação de políticas para manter um ambiente de aplicativos seguro e positivo”, acrescentaram fontes do TikTok, onde também foi criado um extenso documento intitulado Normas da Comunidade contra atividades criminosas.

“Agradecemos imensamente que nossos usuários pertençam a uma ampla variedade de nacionalidades e culturas, e levamos em conta as normas culturais dos países em que operamos”, diz o texto. Nas últimas semanas, a empresa pediu desculpas à comunidade negra por “um problema técnico” que fez parecer temporariamente como se as postagens com as hashtags #BlackLivesMatter e #GeorgeFloyd tivessem recebido zero visitas. O incidente causou um grande alvoroço nos usuários das redes sociais. Também entre os kpopers, que, além de reconhecerem que agiram para boicotar o comício de Trump, promovem de modo engajado a diversidade sexual e a igualdade de direitos. Os amantes da banda BTS, que só no Twitter tem 26,7 milhões de seguidores, afirmam ter arrecadado um milhão de dólares (5,35 milhões de reais) para grupos vinculados ao movimento #BlackLivesMatter. “Observamos também que a diferença entre ativismo online e offline está ficando cada vez menor. Não são todos, é claro, mas há um número expressivo que se envolve nas causas”, destaca Literat. 

Os kpopers, com forte presença no Twitter, já desenvolveram outras ações coletivas e organizadas para saturar as hashtags com propostas políticas ou se contraporem a partidos que consideram injustos. Eles usam o chamado fancam ―vídeos curtos de performances de seus ídolos ou outros temas― com a meta de causar o colapso dos canais de comunicação daqueles que atentam contra as causas que defendem e complicar a leitura das mensagens deles. “Agem de forma coordenada. E as ferramentas online os ajudam a permanecer conectados. A iniciativa de boicotar o comício de Trump já contaminou por si só as bases de dados do partido “, conclui Literat.

Após a campanha contra o comício do presidente dos EUA em Tulsa, supõe-se que tanto os políticos como os responsáveis pelas ferramentas de comunicação terão que enfrentar o desafio de entender e responder às iniciativas de uma população cada vez mais jovem que está entrando na esfera política.

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