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Pulso firme de Trump contra protestos põe à prova a complexa aliança com o Partido Republicano

Em meio à crise sanitária, econômica e social, a rejeição dos militares ao autoritarismo do Governo incentiva alguns senadores republicanos a criticar o presidente e expõe o silêncio de outros

Pablo Guimón
Trump volta à Casa Branca escoltado pelo Serviço Secreto depois de tirar uma foto do lado de fora da igreja episcopal de São João, em 1º de junho de 2020.
Trump volta à Casa Branca escoltado pelo Serviço Secreto depois de tirar uma foto do lado de fora da igreja episcopal de São João, em 1º de junho de 2020.BRENDAN SMIALOWSKI (AFP)

Em meio aos protestos que continuam sacudindo o país, 11 dias após a morte de George Floyd nas mãos da polícia, o presidente aviva as chamas. Mas, faltando cinco meses para as eleições, muitos republicanos desejariam que ele ao menos tentasse apagá-las. A rejeição dos militares aos rumos autoritários incentivou alguns senadores a falar e colocou em evidência o silêncio de outros. A incapacidade de Donald Trump de lançar uma mensagem de unidade, em meio à crise sanitária, econômica e social, põe à prova sua complexa aliança com o setor tradicional do Partido Republicano.

A rejeição ao pulso firme de Trump contra as manifestações, expressa nessa semana por altos oficiais do Exército (aposentados e na ativa), coloca mais pressão para que os republicanos exteriorizem o debate interno que consumiu muita gente durante estes três anos e meio. Após as críticas do chefe do Pentágono, Mark Esper, veio uma declaração demolidora de seu antecessor, Jim Mattis, que acusou o presidente de “abuso de poder” e de violar a Constituição. “Talvez estejamos chegando a um ponto em que podemos ser mais honestos com as preocupações que temos internamente, e ter a coragem de levantar a voz”, afirmou a senadora Lisa Murkowski (Alasca).

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Trump respondeu à legisladora republicana com a mesma artilharia que havia descarregado antes contra Mattis pelo Twitter. “Poucas pessoas sabem onde estarão dentro de alguns anos. Mas eu sei. [Estarei] no grande Estado do Alasca (que amo) fazendo campanha contra a senadora Lisa Murkowski”, disse o presidente na rede social. “Preparem qualquer candidato, bom ou ruim, não me importa, eu o apoiarei. Se você tem pulso, estou com você!”.

As palavras da senadora refletem o debate interno de muitos republicanos. Murkowski é das poucas pessoas que tradicionalmente ousaram romper o muro republicano de apoio a Trump no Capitólio. Mas agora não são apenas ela e Mitt Romney ― o único que votou pela destituição do presidente no processo de impeachment e que também criticou sua resposta atual aos protestos ― os que questionaram publicamente a conduta de Trump.

O mandatário chamou os governadores de “fracos”. Defendeu o envio de militares às ruas para reprimir os protestos. Falou de “terrorismo doméstico”. Na segunda-feira, a polícia dissuadiu um protesto pacífico em Washington com gás lacrimogêneo para que o presidente pudesse fazer uma foto numa igreja. Ao menos meia dúzia de senadores expressaram publicamente sua rejeição, algo altamente inusual.

“Foi doloroso ver manifestantes pacíficos recebendo gás lacrimogêneo para que o presidente pudesse atravessar a rua para ir a uma igreja, aonde acredito que só compareceu uma vez”, disse a senadora Susan Collins. “Há um direito fundamental e constitucional, e sou contra dissuadir um protesto pacífico para fazer uma foto que trata a palavra de Deus como propaganda política”, afirmou Bem Sasse. Num evento com jornalistas, Tim Scott, o único senador republicano negro, declarou: “Se sua pergunta é se os agentes devem usar gás lacrimogêneo para permitir que o presidente faça uma foto, a resposta é não.” “O país busca cura e calma. E acredito que o presidente precisa projetar isso em sua conduta imediatamente”, disse John Thune, responsável pela disciplina da maioria republicana na Câmara alta.

As tímidas críticas revelam uma crescente preocupação nas fileiras republicanas sobre a resposta de Trump aos protestos, faltando cinco meses para as eleições ― num momento em que o país atravessa uma situação crítica em meio a uma pandemia e à maior crise economia desde a Grande Depressão. Em novembro, os norte-americanos decidirão entre mudar os rumos, colocando Joe Biden na Casa Branca, ou revalidar por quatro anos a América de Trump ― uma escolha que ganha contornos ainda mais dramáticos em plena emergência sanitária, econômica e, agora, também social.

Donald Trump entrou como uma bomba no Partido Republicano e, em três anos e meio, conseguiu transformar o velho partido num culto à sua pessoa. Entre os legisladores republicanos, alguns valorizam suas formas estridentes. Outros as toleram como um mal menor para alcançar objetivos mais amplos, como o domínio conservador na magistratura. E também existem os que simplesmente temem as consequências, pessoais ou eleitorais, de contrariar o chefe. Para eles, sua maneira de gerar divisões ao fazer política não incomoda tanto quando as coisas vão bem. Mas agora muitos lamentam que a conciliação não esteja em seu repertório.

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