Centenas de feridos pela violência em Beirute durante a “semana da ira”
Os protestos, que pedem a queda da elite político-confessional e a formação de um Governo tecnocrático, completam quase cem dias
Beirute vive entre a indignação e o medo depois de registrar no sábado sua noite mais violenta, com 377 feridos desde o início dos protestos em outubro. O recém-nomeado primeiro-ministro libanês, Hassan Diab, se reuniu com o presidente Michel Aoun, mas a esperada formação do Governo não foi alcançada. Enquanto isso, os manifestantes voltaram às ruas no domingo. Houve violência e lançamentos de pedras, e os manifestantes foram reprimidos com jatos d’água e gás lacrimogêneo. Pelo menos 145 pessoas ficaram feridas.
“Eles vivem em uma realidade paralela e não percebem que estamos à beira da fome”, exclama uma mulher quase sem voz de tanto gritar. Assim como essa libanesa, dezenas de milhares de manifestantes acusam a classe dirigente de corrupta, de ter levado o país à bancarrota e de não formar um Governo efetivo para o país.
No sábado, contingentes uniformizados libaneses perseguiram centenas de manifestantes mascarados pelas ruas centrais da capital, contra os quais lançaram jatos d’água, balas de borracha e uma enorme quantidade de gás lacrimogêneo. Fatos que a ONG Human Right Watch denunciou como de “força excessiva contra os manifestantes” por parte da tropa de choque. “É preciso pôr um fim à cultura de impunidade diante dos abusos policiais, dos quais oito jornalistas também foram vítimas”, disse a organização no fim de semana.
Já são 95 dias que os cidadãos exigem a queda da elite político-confessional instalada no poder há três décadas. Pedem a formação imediata de um Governo de tecnocratas que enfrente o iminente colapso financeiro, paralisado pelas negociações entre diferentes partidos sobre a distribuição de pastas, o número de ministérios e quem os ocuparia.
“Os hospitais admitiram 169 feridos apenas no sábado e o restante foi tratado no local”, explicou ontem Rodney Eid, porta-voz da Cruz Vermelha Libanesa (RCL). “Foram dadas ordens para proteger os manifestantes, mas quando os protestos se transformam em um ataque contra as forças de segurança, a propriedade pública e privada, é inaceitável”, disse ontem a ministra do Interior Raya al Hassan.
As Forças de Segurança Interna do Líbano informaram que 142 membros das tropas de segurança ficaram feridos no sábado, quando pelo menos 38 pessoas foram presas, algumas ao sair do hospital, de acordo com advogados citados pelo jornal libanês L’Orient le Jour.
A violência de uma declarada “semana da ira” parecia ter funcionado como estímulo no fim de semana, quando o primeiro-ministro interino, Saad Hariri, pediu aos políticos que “deixassem de perder tempo e acelerassem o processo de formação do novo Executivo, para acalmar a tempestade popular”.
Hariri, que renunciou em 30 de outubro, se recusou a fazer parte do novo Governo, bem como de seus companheiros de coalizão política. “Eles não me assustam, vamos tirá-los de suas cadeiras”, disse Sanaa el Sheikh, professora de esporte de 29 anos que chegou a Beirute neste sábado junto com centenas de concidadãos que vieram de ônibus da cidade de Trípoli, ao norte.
O país acumula uma das dívidas públicas mais importantes do mundo, com quase 76 bilhões de euros (cerca de 350 bilhões de reais), 150% do PIB. Economistas alertam para um iminente colapso financeiro, pois a libra libanesa perdeu até 60% de seu valor nas casas de câmbio, rompendo a taxa de câmbio de 1.507 libras por dólar que se mantinha desde 1997. Nesta semana, as caixas automáticas e os guichês das instituições bancárias foram alvos privilegiados das pedradas e chutes dos manifestantes que, pelo quarto mês consecutivo, fazem fila nas portas de bancos que impuseram um controle informal na retirada de capital. Se ocorrer uma desvalorização oficial, alertam os especialistas, metade dos 4,5 milhões de libaneses ficará abaixo da linha da pobreza.
Em um país em que a infraestrutura está caindo aos pedaços e os cortes de energia oscilam entre três e 12 horas por dia, a agenda doméstica foi banida das prioridades do Governo na última década devido ao desafio de segurança representado pela guerra na vizinha Síria, o consequente afluxo de 1,5 milhão de refugiados e a debandada de milhares de jihadistas para seu território nacional.
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