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Tensão internacional

A radiografia do poder militar do Irã

Confronto direto com os Estados Unidos, a maior potência militar do mundo, seria um desastre para o país islâmico, mas há trunfos sobre a mesa

Caminhão com mísseis durante um desfile militar em Teerã, em setembro passado.
Caminhão com mísseis durante um desfile militar em Teerã, em setembro passado.Fatemah Bahrami (Getty Images)

O assassinato do general iraniano Qasem Soleimani por um drone norte-americano, na sexta-feira passada em Bagdá, provocou uma escalada de ameaças dos dois lados. O Irã promete uma “dura vingança”, e o presidente Donald Trump uma reação contundente se houver uma represália contra interesses norte-americanos. Teerã deu uma primeira resposta à crise com sua desvinculação de compromissos importantes do acordo nuclear e ainda cogita outras opções enquanto a tensão toma conta da região.

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03 January 2020, Iran, Rasht: Iranian women march with placards and shout slogans during an anti-US demonstration, after Qassem Soleimani, commander of the elite Quds Force of the Iranian Revolutionary Guard, was killed in a US strike in Baghdad. Photo: Babak Jeddi/SOPA Images via ZUMA Wire/dpa


03/01/2020 ONLY FOR USE IN SPAIN
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Um confronto direto com a maior potência militar do mundo seria um desastre para o Irã. Mas as características geoestratégicas da região e o desenvolvimento de capacidades de enfrentamento assimétrico lhe permitem ter alternativas sobre a mesa, embora as sanções norte-americanas depois da retirada de Washington do pacto nuclear, em 2018, tenham abalado a capacidade econômica e, consequentemente, o poderio militar da República Islâmica.

As Forças Armadas do Irã contam com 530.000 soldados e são as mais numerosas da região. Mas seu gasto militar —estimado em 13 e 20 bilhões de dólares em 2018, segundo o Instituto Internacional de Pesquisas para a Paz e o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, respectivamente— o coloca muito abaixo do gasto da Arábia Saudita, aproximadamente quatro vezes superior, e a anos-luz do dispêndio norte-americano.

Do total de efetivos, quase 350.000 pertencem ao Exército regular e outros 125.000 à Guarda Revolucionária (os chamados Pasdaran), que constituem a força militar mais poderosa e bem equipada da República Islâmica. A Força Quds —que era comandada pelo general Soleimani— é o corpo de elite dos Pasdaran para as missões no exterior e dispõe de 7.000 militares adestrados para a guerra não convencional. O chefe desta unidade se reporta diretamente ao líder supremo do regime islâmico, aiatolá Ali Khamenei.

Uma das capacidades assimétricas que o Irã cultiva para compensar sua inferioridade em vários domínios é a rede de forças militares, principalmente xiitas, que a força Al Quds apoia no Oriente Médio. Entre elas se destacam o Hezbollah no Líbano, as Forças de Mobilização Popular iraquianas, os paramilitares favoráveis ao regime sírio e os Huthi no Iêmen. Embora todos esses grupos enfrentem complicados desafios locais, estão conscientes de que devem cerrar fileiras perante o ímpeto dos Estados Unidos para garantir sua sobrevivência.

Para compensar sua inferioridade em matéria aérea (frente a adversários como Israel e Arábia Saudita, por exemplo), o Irã cultivou um notável programa de mísseis que o situa na primeira fila na região nesse campo. Apesar das sanções norte-americanas, nas últimas três décadas Teerã conseguiu desenvolver sua própria tecnologia militar, obtendo impulso próprio a partir da transferência de tecnologia chinesa durante a guerra contra o Iraque (1980-88). Estima-se que a República Islâmica disponha de pelo menos uma centena de mísseis antinavio de diferentes tipos mobilizados no estreito de Ormuz e golfo Pérsico. Um destes mísseis de classe C-801, disparado pelo Hezbollah durante a guerra de 2006 no Líbano, alcançou uma corveta israelense e deixou quatro baixas.

Muitos alvos estratégicos no golfo Pérsico e inclusive Israel estão ao alcance dos mísseis iranianos. Os EUA entregaram em maio do ano passado o sistema antimísseis Patriot a países aliados no golfo Pérsico, especialmente a Arábia Saudita, para defendê-los da ameaça dos projéteis balísticos e de cruzeiro. Mas os Patriot falharam diante dos ataques híbridos de mísseis e drones contra as refinarias da empresa petrolífera Aramco na Arábia Saudita, em setembro do ano passado.

O Irã também desenvolveu a tecnologia dos aviões não tripulados e em 2016 pôde testá-la no campo de batalha contra o Estado Islâmico (EI). Além disso, usou suas bases na Síria para incursões no espaço aéreo israelense, a fim de avaliar a capacidade de seus equipamentos.

No final da década de 1980, a Marinha iraniana deixou de funcionar como um corpo do Exército clássico para se tornar um híbrido preparado para confrontos assimétricos. A força naval do país conta com quase 20.000 militares e, além de numerosas lanchas lança-foguetes de produção nacional, dispõe de aproximadamente 20 fragatas de produção chinesa e meia centena de lanchas militares com tecnologia sueca. Somam-se a isso três submarinos russos Classe Kilo, cuja capacidade de operar em águas pouco profundas do golfo Pérsico constitui uma ameaça importante. Um submersível dessa categoria da Coreia do Norte torpedeou uma fragata sul-coreana e causou 46 mortos em 2010.

Neste novo tabuleiro regional, nem todas as peças são militares, já que o Irã enfrenta a uma guerra econômica que deixa ainda mais acuados certos setores vulneráveis —a principal base social da República Islâmica. Embora a comoção provocada pelo assassinato inesperado de Soleimani distraia a opinião pública da crise interna, seu efeito sedativo não durará muito, e as autoridades iranianas, conscientes das dificuldades econômicas, veem sua margem de manobra ser limitada.

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